Pedro Henrique é filho de Altamir Santos, mas eles estão muito distantes fisicamente. Pedro, de apenas dois meses mora em Passo Fundo, com a mãe e os quatro irmãos. Altamir, que é pai das cinco crianças, pouco acompanha a vida dos filhos, pois trabalha e mora em Porto Alegre. Quando Pedro nasceu não estava presente para registrar o filho e por isso o caçula não tem o nome do pai na certidão de nascimento.
Histórias como esta acontecem praticamente todos os dias no Cartório de Registro Civil de Passo Fundo, onde aproximadamente 2,5 mil crianças não possuem o registro paterno. No caso de Pedro, a mãe Fernanda Antunes Leite, por não ser casada legalmente com Altamir, não pôde fazer o registro em nome do pai na sua ausência. Também são freqüentes os casos de mães que não querem informar o nome do pai ou ainda, daquelas que tem dúvidas sobre a paternidade de seu filho.
Para estes casos que foi criado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) o programa Pai Presente, que como objetivo identificar os pais que não reconheceram os seus filhos e garantir que assumam as suas responsabilidades. O programa acontece em todo o país, mas no Rio Grande do Sul é realizado em parceria com o Ministério Público e TJ-RS (Tribunal de Justiça). Mães que registraram seus filhos sozinhas são convocadas pelo MP desde 2010 para que apontem os supostos pais. Somente no ano passado, em Passo Fundo, foram abertos aproximadamente 200 processos administrativos no órgão e entre 2011 e 2012, mais de 650 crianças ganharam o nome do pai na certidão de nascimento, segundo levantamento da Registradora Pública Substituta do Cartório de Registro Civil, Fernanda Gehlen Braga.
Programa Pai Presente
O Programa Pai Presente busca orientar mães pais e filhos sobre a importância e a facilidade de realizar o registro, mesmo que tardiamente. Criado por uma junta de juízes, o objetivo é facilitar o cumprimento da Lei 8.560, em vigor há mais de 20 anos, mas que vinha sendo ignorada em muitos locais do Brasil. A lei determina que os cartórios são obrigados a mandar para à Justiça todos os casos de crianças registradas sem o nome do pai. A medida permite que o juiz chame a mãe do menor ou o interessado (se maior de 18 anos e capaz) e peça que ela declare quem é o pai do seu filho. O suposto pai é notificado e chamado para se manifestar em uma audiência para dizer se assume ou não a paternidade daquela criança.
Outra medida que reforçou o projeto foi a publicação do Provimento 16/2012 pelo Conselho Nacional de Justiça permitindo que as mães - cujos filhos não possuem o nome do pai na certidão de nascimento – recorressem a qualquer cartório de registro civil do país para dar entrada no pedido de reconhecimento de paternidade. O mesmo procedimento pode ser adotado pelo pai que desejar espontaneamente fazer o registro do seu filho. O procedimento é gratuito.
Vínculo
O promotor conta que na primeira audiência, na presença da mãe, é reforçado o papel da mãe e a importância do reconhecimento da paternidade na formação do cidadão. “É um dever da mãe zelar por todos os direitos do filho e, um deles é ter o pai presente. A falta da figura paterna sempre gera um sofrimento para a criança, baixa autoestima e normalmente desencadeia problemas psicológicos que podem causar problemas com drogas e, consequentemente, envolvimento no mundo do crime”, argumenta. Cerca de 80% das mães acabam revelando o nome do genitor depois de conhecer o direito, que é previsto na Constituição. “Ter o nome do pai na certidão é um dos direitos fundamentais da pessoa humana”, complementa.
O pai de Pedro Henrique
O processo para incluir o nome do pai de Pedro Henrique em sua certidão de nascimento começou em uma audiência no Ministério Público Estadual na semana passada. Além de Fernanda, outras 15 mães foram convocadas no mesmo dia pelo mesmo motivo. O promotor responsável pela Vara da Família, Mário Luiz Guadagnin, chamou a mãe do bebê para contar porque o caçula foi registrado apenas em seu nome. “Eu nem avisei o pai quando ele nasceu. Como ele vem muito pouco, achei que não faria diferença ter ou não ter o nome do pai. Ele registrou os quatro filhos mais velhos e nos sustenta, mas por morar longe não dá muita atenção”, contou ao promotor durante a audiência. Com a intenção de regularizar a certidão do filho, Fernanda informou o endereço e o nome do suposto pai, que segundo ela fará o reconhecimento do filho na próxima visita que fará a família. “Ele não vai se negar a registrar nosso filho”, garantiu. O próximo passo do promotor é convocar o pai para uma audiência. Se ele reconhecer espontaneamente o filho, a certidão é encaminhada no mesmo momento para o Cartório de Registro Civil, que emitirá um novo documento gratuitamente, mas agora Pedro Henrique terá finalmente o nome do pai.
E quando o pai não reconhece?
O segundo passo do processo é convocar o suposto pai, que pode reconhecer voluntariamente o filho e registrá-lo gratuitamente ou ainda solicitar um exame de DNA. “Se ele negar ou pedir um DNA, é aberta uma ação de investigatória de paternidade na Vara da Família do Fórum e uma enfermeira cedida do município faz a coleta do material genético das partes no mesmo dia da audiência”, explica o promotor. Em 70% dos casos, o pai exige o teste de paternidade, que é gratuito e realizado pelo Departamento de Medicina Legal (DML) do Tribunal de Justiça do RS. Cerca de 30 dias após a coleta, o resultado é informado no Fórum na presença dos pais da criança. Sendo positivo, o Juiz encaminha a nova certidão de nascimento e formaliza um acordo, em que já indica quem são os avós paternos, o sobrenome do pai que a criança irá receber e, quando o pai está disposto, já é formalizada a pensão alimentícia.
O tempo entre o pedido de reconhecimento até a mudança do registro varia de acordo com cada situação. “Depende muito do caso encaminhado. Quando o suposto pai manifesta vontade de reconhecer, o exame de DNA é realizado e, sendo positivo, o registro pode ser realizado em até seis meses. Mas os processos variam muito de acordo com as situações envolvidas. Tivemos casos em que foram realizados até quatro exames e o pai ainda assim não foi localizado”, relata Guadagnin.
Censo Escolar
Dados do Censo Escolar 2012 mostram que 2.455 alunos passo-fundenses não declararam o nome dos pais nas escolas onde estudavam. O levantamento leva em conta a inexistência do nome do pai do aluno na base de dados do Censo Escolar, conforme a documentação entregue no ato de matrícula realizada nas escolas das redes estadual, municipal e particular de Passo Fundo. O número representa 6,3% dos estudantes da cidade.
Formas de reconhecer o filho
O reconhecimento de filiação pode ocorrer de três formas: voluntário, administrativo e jurisdicional. O reconhecimento voluntário pode ocorrer no ato do registro do nascimento, em testamento, em escritura pública ou por manifestação no Ministério Público, no Fórum ou diretamente no Cartório de Registro Civil.
O reconhecimento administrativo a acontece casos em que o pai se recusa ao reconhecimento voluntário. Pode ser realizado por declaração da mãe ao oficial do registro civil, no ato de registro do filho, apontando os dados do genitor. O oficial encaminhará as informações do suposto pai ao juiz. O juiz ouvirá a mãe e notificará o suposto pai para manifestar-se. Caso o suposto pai compareça e confirme expressamente a paternidade, será lavrado o termo de reconhecimento e remetida a certidão ao oficial do registro, para averbação.
O reconhecimento judicial ocorre quando o suposto genitor exige o exame de DNA para comprovação da paternidade. Neste caso é aberta uma ação de investigação de paternidade na Vara da Família da Justiça.
Sem pai
No Brasil 3,5 milhões
No RS 200 mil
Em Passo Fundo 2.455
Fonte: Censo Escolar/Inep
Reconhecimento à distância
Paralelo a essa parceria, qualquer cidadão que tenha sido registrado apenas com o nome da mãe, em qualquer idade, pode procurar a Vara da Família ou o Cartório de Registro Civil da sua comarca de residência, com o nome do suposto pai e com o endereço onde ele possa ser localizado, para que seja iniciado o reconhecimento de paternidade. Fernanda explica que o Termo de Reconhecimento de Filho pode ser feito em qualquer Cartório do Brasil. “Se a pessoa for registrada em Fortaleza, no Ceará, o procedimento poderá ser feito no Cartório de Passo Fundo RS, que remeterá o termo aquela cidade e depois de averbado, aquele cartório devolverá para o cartório de origem”, explica.