Mulher e mãe, Sílvia perdeu sua vida antes de morrer. Vítima de violência de gênero, é uma entre milhões de mulheres que são atacadas diariamente no Brasil. As estatísticas, no entanto, não a engoliram. Case de um curta documentário, produzido por jornalistas da cidade, Sílvia deixou de ser apenas um número. Sua história, agora, pode ser conhecida, não só no Brasil, por tantas outras pessoas que veem no dia-a-dia uma luta por sobrevivência.
A luta da mulher
O primeiro passo, antes mesmo de saber da existência de um concurso, foi a matéria publicada n’O Nacional sobre o uso da fotografia pelas agentes do projeto Mulheres da Paz. Foi lá que Gerson Lopes conheceu Sílvia. “A Sílvia era integrante do projeto, mas uma líder na comunidade no que diz respeito ao combate à violência contra a mulher”, comenta Gerson. Não era casada, mas a violência estava perto de sua casa. Ao defender a filha de um ex-marido violento, Silvia deixou de lutar. A matéria, feita na quarta-feira para ser publicada no final de semana, precisou ser editada: na sexta-feira, Sílvia foi assassinada pelo genro.
No bairro em que morava, Sílvia não foi a única violentada. A história, aos poucos, foi se mostrando aos jornalistas: “foi durante o processo do vídeo que surgiu uma história particular, que também é de muitas outras mulheres e suas famílias”, destaca Fabiana Beltrami que ao lado de Gerson, Guilherme Cruz e Amanda SchArr, faz parte do grupo vencedor do concurso. “A Sílvia era de carne e osso como nós, tinha planos, amigos, família. É uma história única, mas é preciso olhar o macro: ela é uma entre milhões de mulheres vítimas da agressão doméstica”, destaca Amanda.
Márcia Carbonari, do Conselho da Mulher, enfatiza que a sociedade ainda convive com a discriminação e violência contra a mulher. Violência essa que, por vezes, atinge de forma silenciosa e, exatamente por isso, destaca Carbonari, ações como o documentário se tornam essenciais: “A história de Sílvia é, também, história de muitas outras mulheres que sofrem com a violação dos seus direitos. E essa luta, que é retratada no documentário, não é só das mulheres ou do poder público, mas de toda a sociedade”, comenta.
“Tem uma história relacionada à Lei Maria da Penha? Conte para o mundo!”
Guilherme Cruz, chefe do Núcleo Da Coordenadoria De Cultura, foi quem chegou até o edital do 1º Concurso de Curta Documentário sobre a Lei Maria da Penha. Falou pra Amanda que, na mesma redação que Gérson, viu na história de Sílvia uma oportunidade de luta. “Falamos com o Gérson que, além de ser nosso amigo, era "o cara" pra abordar o assunto. Ele topou na hora e achamos por bem convidar a Fabi – Fabiana Beltrami - que já trabalhou um bom tempo com vídeo e, além da sensibilidade, poderia contribuir com a experiência. O time estava formado.”, comenta Amanda.
“Sílvia”, o curta
A história de Sílvia e o concurso, promovido pela Procuradoria Especial da Mulher e da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados, se encontraram, mas somente isso não bastava. Os quatro têm empregos regulares e tinham apenas duas semanas para montar um curta documentário de dez minutos. “não tínhamos exatamente condições técnicas de viabilizar a coisa toda”, começa Amanda. Fabiana continua: “Como decidimos fazer o vídeo 15 dias antes do prazo de envio, tínhamos que fazer rápido e bem feito, mas para nós o mais importante era o conteúdo, era contar a história da Sílvia”.
Deu certo. Sem roteiro, os quatro partiram em busca da história e, elegendo aspectos importantes elaboraram a forma de abordagem, como conta Amanda: “Buscamos uma linha, desde aspectos estéticos, visuais até a condução das entrevistas, mas deixamos em aberto algumas questões. No final a gente nem conseguiu executar algumas coisas que planejemos e acho que tecnicamente daria pra aprimorá-lo, mas a essência da história está lá.“
A história da mulher que era uma liderança no projeto Mulheres da Paz e na própria comunidade em que morava, no bairro Jaboticabal, foi filmada com uma câmera fotográfica digital - Nikon D7000 - e um microfone de lapela. Fabiana, que tem experiência com audiovisual há dez anos, conta que a principal dificuldade foi a adaptação ao equipamento: “era a primeira vez que eu utilizava uma câmera fotográfica para fazer vídeo. A base de captura é a mesma, mas o equipamento muda. As lentes, que agora são intercambiáveis, é mais difícil de fazer o foco, mas, no fim, deu tudo certo!”.
O material humano, no entanto, foi o que fez, de fato, o curta. “Foi um momento de dor e a gente precisava que as pessoas falassem. Queríamos dar voz a essas pessoas, fazer com que os especialistas e profissionais da área tivessem um papel complementar, sem abafar o que realmente era essencial”, conta Amanda.
O prêmio
A notícia do prêmio foi uma surpresa. “Por termos feito tudo em duas semanas, da concepção até finalizar a edição, me surpreendeu um pouco o prêmio. Não tivemos tempo pra executar tudo que idealizamos. Trabalhamos nos finais de semana e depois do expediente”, Amanda destaca, ainda, a concorrência com pessoas que estão no centro do país, no eixo de maior produção cultural do país: “Concorremos com gente que está em ambientes teoricamente mais fáceis para se produzir, mas conseguimos fazer com que mais gente conheça essa história”.
Dar voz à história de Sílvia, realmente, foi o objetivo e o prêmio, agora, vai contribuir intensamente para isso: “Eu fiquei muito feliz em saber que ganhamos, porque nós, jornalistas, trabalhamos para contar a história dos outros e quando estas histórias ultrapassam as fronteiras da nossa cidade, e por um assunto de tamanha importância, percebemos que temos força para contribuir com a vida da cidade, das pessoas”, comenta Fabiana.
O resultado além do prêmio
O quarteto embarca para Brasília no início de março para receber o prêmio. Depois, o curta vai entrar em uma programação na TV Câmara e, ainda, vai ser traduzido para espanhol, inglês e francês para que seja exibido em outros países. O resultado, que vai além do prêmio, envolve questões humanas. “Fabiana, que acompanhou o trabalho da Delegacia da Mulher, vê o documentário como um aprendizado para ação: “. É preciso agir, é preciso mudar e fazer parte da mudança.”
Amanda aposta na história como uma maneira de alertar à população que a violência não é normal: “É importante que se diga que não foi um ‘crime entre família’, uma ‘fatalidade doméstica’. É preciso tipificar: foi um crime contra a mulher. Aliás, mais de um.” A jornalista comenta, ainda, sobre a violência que a filha de Sílvia viveu: “ela viveu anos ao lado de um homem que acabou matando a sua mãe, mas o crime dele vai além. Ele foi aniquilando a personalidade e o amor-próprio dessa moça, só pra falar sobre os efeitos psicológicos dessa violência”, encerra. Gerson acredita que o material possa servir como alimento das discussões: “A intenção é que o material seja uma ferramenta de discussão e debate. E, ainda, que a história de Sílvia não tenha sido em vão e que esse documentário possa ser uma continuidade da sua luta”, conclui.