"Fritando" na balada

Dois jovens revelam como funciona o consumo de ecstasy e LSD nas festas em Passo Fundo

Por
· 4 min de leitura
Balada eletrônica é o local apropriado para o consumo das drogas sintéticas, dizem usuáriosBalada eletrônica é o local apropriado para o consumo das drogas sintéticas, dizem usuários
Balada eletrônica é o local apropriado para o consumo das drogas sintéticas, dizem usuários
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

‘O negócio é tomar alguma bala, roda, relógio, doce ou papel para sentir a vibe e fritar na balada’. Para quem não domina o vocabulário repleto de gírias das festas eletrônicas a tradução é simples: consumir ecstasy ou LSD para entrar na vibração sentindo os efeitos da droga. Surgida em Passo Fundo na primeira metade da década de 2000, tanto os comprimidos de ecstasy como LSD se alastraram rapidamente entre um público específico. Jovens das classes média e alta com idade entre 15 a 30 anos, que buscam diversão seguindo um roteiro com hora marcada apenas para iniciar a festa. A reportagem de ON ouviu o depoimento de dois usuários, um jovem de 25 anos, e uma menor, de 17 anos. Os dois descreveram em detalhes o roteiro de uma balada e as experiências vivenciadas com o consumo de ecstasy e LSD.

“Foi a pior experiência da minha vida”
Em nome da curiosidade, Ana (nome fictício), 17 anos, aluna do terceiro ano do ensino médio, travou  por quase 24 horas, uma luta contra si mesma na tentativa de se livrar das alucinações provocada por duas doses de LSD, consumidas na última balada eletrônica.  A festa estava só iniciando quando a menor recebeu das mãos de um amigo, um pedaço de papel conhecido pelos baladeiros como Bike. Uma versão mais light do Shivas, dose mais forte de LSD. Ana dividiu o papel  ao meio e deixou o ácido dissolver em sua boca. Cerca de uma hora depois, sem sentir reação alguma, decidiu consumir a outra metade do papel. A partir daquele momento, iniciava uma viagem que ela promete nunca mais repetir.

“Por volta das 4h da madrugada iniciou meu inferno. Vivi momentos de agonia e aflição.  Comecei a ficar ofegante, coração acelerado, trêmula. Minha pupila dilatou. Comecei a fazer caretas, perdi o controle. Sentia muita sede. Vi um padre e uma múmia correndo na balada. No chão do banheiro havia um abismo. As pessoas se mordendo. Foi a pior experiência da minha vida. Pensei que iria morrer. Cheguei a gastar R$ 100 só em água. A sede é desesperadora. Quando o dinheiro acabou, enchia a garrafa na torneira do banheiro.  O efeito  passou somente  no domingo à noite. Vendo as pessoas daquele jeito e saber que eu estava igual pensei: minha mãe não me criou pra isso” relata.

Antes do contato com o LSD, a   curiosidade  já havia aproximado Ana do ecstasy. Ela tinha apenas 15 anos quando viu na internet um vídeo da ‘galera fritando na balada’ gíria usada para descrever os usuários dançando sob o efeito da droga, e resolveu fazer o mesmo. “Já cheguei a tomar duas balas numa noite. Dá uma sede louca. Em uma festa vi a galera quebrando o cano de descarga do vaso sanitário pra tomar a água. As meninas ficam com os meninos por causa da droga, fazem amizades, vão além, chegam a manter relações sexuais sem preocupação alguma com preservativo” comenta.
 
 De todas as vezes que consumiu a droga, Ana não precisou correr atrás para conseguir os comprimidos de ecstasy nem o LSD. Segundo ela, sempre tem alguém por perto vendendo ou oferecendo gratuitamente com segundas intenções. “Em todas as baladas tem gente vendendo, sempre, em qualquer lugar. As pessoas chegam e oferecem. Nunca fui atrás procurar” revela.

As experiências vividas com os dois tipos de droga na balada não chegaram ao conhecimento dos pais de Ana. Ao retornar para casa,  ainda sob os efeitos do LSD, disse à mãe que alguém  havia largado algo em sua bebida.  “Eles nem imaginam. Seria o maior desgosto. Prometi nunca mais usar. Os pais não têm noção, acham que os filhos estão se divertindo de maneira saudável. Se eu pudesse dar um conselho,  alertaria eles na questão das amizades” declarou.

Um ritual que se repete a cada festa

João (nome fictício), 27 anos, diz não ser um usuário frequente das balas e dos doces, mas sempre que está em uma balada eletrônica não deixa de consumir. Ele define a disseminação do ecstasy e do LSD em Passo Fundo como uma epidemia semelhante ao crack, no entanto, sem causar tanta dependência. Em entrevista, o jovem revela sua experiência com as duas drogas e como funciona a rotina das baladas.

Primeira vez
Tomei a bala por curiosidade numa festa em Carazinho. A gurizada já levou de Passo Fundo pra curtir a vibe (vibração) lá. Nestas festas é difícil alguém que não toma. Quem não tem, consegue na hora. É como ingresso, se comprar antecipado é mais barato. O doce (LSD)  tá uns R$ 70 antecipado e na balada pode chegar até R$ 100. A bala (ecstasy) custa uns R$ 40, mas na hora vai   até  uns R$ 90. Não sou muito de ir em balada, mas sempre que vou tenho que tomar. Ninguém vai para dançar agarrado. As pessoas vão pra fazer loucuras. Se tiver cinco ou seis no bolso, as minas (mulheres) ficam ao redor.

Comércio
Quem vende é quem usa, mas não quer, ou não tem dinheiro para comprar todo o final de semana. Tem de tudo. Alguns  usam por status, pra curtir as mulheres.  Tem gente que pede de brinde, então o cara  diz, se você conseguir tal menina te dou. Elas ficam com o cara por causa da bala ou do doce. É assim que funciona.

Consumo
Tem várias maneiras de consumir, cheirar, tomar na bebida, colocar na língua. O doce está sendo mais procurado que a bala. Tem amigo que toma na sexta, sábado. Na verdade não  tem dia pra tomar.  Já tomei duas balas na mesma noite, mas tem gente que toma mais. No dia seguinte vou trabalhar travado. Já vi muita gente fora do ar. Um dia, numa chácara, os ‘loucos’ diziam que iriam se atirar no gelo, saiam engatinhando, que estavam numa missão. Estavam fritando por causa do doce (LSD).

Gostou? Compartilhe