Avós transformadas em mães

Mulheres que perderam os filhos para aids agora lutam para criar os netos

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Mesmo não sendo portadora do HIV, adolescente  enfrenta o estigma e o preconceito de ter perdido a mãe para a AidsMesmo não sendo portadora do HIV, adolescente  enfrenta o estigma e o preconceito de ter perdido a mãe para a Aids
Mesmo não sendo portadora do HIV, adolescente enfrenta o estigma e o preconceito de ter perdido a mãe para a Aids
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Pelo menos uma vez na semana, dona Marta*, 67 anos, atravessa a cidade para ir até a sede do Serviço de Orientação e Solidariedade à Aids (Sosa), em busca de ajuda, sobretudo psicológica. Em junho de 2002, após ver a filha, de apenas 28 anos, perder a luta contra o HIV, ela passou a fazer parte de um fenômeno provocado pela doença:  avós que  se transformaram  em mães da noite para o dia. Uma experiência compartilhada com pelo menos outras 16 avós, durante os encontros semanais no programa Crescer e Conviver, mantido pela entidade.  “Primeiro elas lutaram ao lado dos filhos contra a doença, agora fazem o mesmo com os netos. São verdadeiras guerreiras” diz a presidente do Sosa, Marlene Brites.

Das 26 crianças órfãos de pai e mãe atendidas na ONG, 90% delas  estão sob os cuidados destas avós. Mulheres com idade acima dos 50 anos, em situação de vulnerabilidade social,  que tiveram de recomeçar suas vidas ao se depararem pela segunda vez diante do  inimigo invisível chamado HIV.

Mesmo tendo perdido a filha para a  Aids, Marta pouco sabia sobre a doença quando assumiu a guarda da neta.  A menina que à época tinha sete anos, contraiu o HIV na chamada ‘transmissão vertical’, de mãe para filha.  Para quebrar a barreira da falta de conhecimento buscou ajuda com o pessoal do Sosa. Desde então, é ela quem corre atrás dos medicamentos, exames de saúde e escola. “Faço tudo por ela. Está estudando, frequenta a oitava série, mas esquece das coisas. Tenho que controlar os horários dos remédios” conta.        

Superada a fase da infância, a  neta da dona Marta se preparara para entrar na vida adulta. Atualmente está com 18 anos, mas a incerteza quanto ao futuro da jovem, costuma tirar noites de sono da avó, que também é mãe de outros sete filhos. “Meu medo maior é eu morrer. Quem vai cuidar dela. Sempre me pergunta por quanto tempo precisará tomar os remédios. Costumo responder que  só Deus é quem sabe disso” conta.

Ana*, 55 anos, convive com as mesmas dúvidas. Em 2010, a filha morreu de Aids aos 29 anos, deixando duas meninas órfãs, uma de 10 anos, soropositivo,  outra de 3. “Caiu como uma bomba na cabeça da gente. Minha vida mudou completamente, era cuidadora de idoso, larguei o emprego pra ficar com elas. São mais que filhas pra mim” revela. A neta toma medicamento contra o HIV desde os dois anos de vida. Quanto mais o tempo de tratamento avançava maior era angústia da família. “Primeiro disseram que ela viveria somente até os três anos. Depois passou para cinco. Cada vez que este prazo se aproximava a gente ficava muito preocupada. Já está com 15, esquecemos um pouco essa coisa de tempo de vida. Ela está forte frequenta a escola, os cursos do Sosa” conta orgulhosa.

Além de cuidar da saúde física da neta, Ana não se descuida do lado psicológico. Assuntos como sexualidade, prevenção, namoro, são inevitáveis nas conversas entre elas. “Digo que ela pode ter uma vida normal, como qualquer menina, namorar, casar, desde que tome os cuidados necessários. Ela é muito consciente disso” diz.

Além de conviver com a dor da  perda de  um casal de filhos para aids, a moça de 16 anos, e o rapaz com 14, Sandra*, 59 anos, ainda tem de enfrentar, quase que diariamente, o preconceito das pessoas. A neta não havia completado um ano de vida quando a mãe faleceu. Sandra assumiu a guarda do então  bebê, hoje  com 14 anos. Preocupada com uma possível transmissão vertical, durante os  seis primeiros anos de vida, a avó mensalmente submetia a menina aos testes do HIV, todos negativados.  Fato que a livrou da doença, mas não do preconceito.

Ana disse perdido o número de vezes em que precisou defender a neta de ofensas verbais e até mesmo físicas. “Ela não é soropositivo, mas as pessoas não entendem. Parecem que sentem prazer em jogar isso na nossa cara por causa da mãe dela que morreu da doença. Mesmo que ela fosse soropositivo, jamais permitiria ofensas ou agressões. Essa menina é tudo pra mim” diz emocionada. A neta retribuiu o carinho “Antes de o meu tio morrer ele disse que era pra ela me criar com todo amor e carinho, e ela fez isto. Quando saio e não volto no horário ela já fica muito preocupada, como uma mãe mesmo” conta a adolescente.

 

 

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