O conceito de cidade-dormitório não combina mais com Canoas, dona da terceira maior economia e da quarta maior população do Rio Grande do Sul - 339,9 mil habitantes, segundo o IBGE. O município vem recebendo obras importantes, como a Rodovia do Parque - inaugurada há um ano para desafogar uma das principais ligações do interior com a Capital -, e está na mira de investidores dos ramos imobiliário, varejista e logístico. Somente a gigante Multiplan está aplicando R$ 300 milhões na construção do segundo shopping center da cidade - e do grupo no Estado.
A expansão principalmente do setor de serviços rendeu à Prefeitura, o prêmio Top de Marketing ADVB na categoria Serviços Públicos. O prefeito Jairo Jorge (PT), eleito em 2008 e reeleito em 2012 com 71% dos votos e o apoio de 17 partidos, atribui o reconhecimento ao estímulo ao empreendedorismo e à participação popular. O tema é destaque no livro “Radicalizar a democracia” (Tomo Editorial, 104 páginas), recém-lançado pelo prefeito. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Jairo Jorge aos jornais da Associação dos Diários do Interior (ADI).
ADI - Como a participação popular está ajudando no desenvolvimento e a mudar o antigo perfil de cidade-dormitório?
Jairo Jorge - Ouvir as pessoas e fazer com que elas participem das decisões da cidade é uma das explicações para o atual momento vivido por Canoas. Temos 13 ferramentas de participação direta. Geralmente o cidadão é mero demandante do serviço público, mas aqui abrimos mão do poder de decisão e queremos que ele seja co-gestor. No caso do Orçamento Participativo, além de decidir as obras que serão feitas, os delegados integram a comissão permanente que acompanha o andamento de cada projeto. A transparência precisa andar lado a lado com a participação. Quando isso não acontece vem o descrédito e as pessoas se afastam, o que é ruim para a cidade. O cidadão tem que estar no centro, tem que participar, elencar prioridades. É impossível governar sem ouvir a sociedade. E para isso temos que acabar com a redoma de vidro que ainda cerca muitas autoridades. Temos que abrir as portas, ouvir as pessoas e dar explicações a elas.
ADI - Nos últimos seis anos o orçamento de Canoas saltou de R$ 450 milhões para R$ 1,4 bilhão. Qual o segredo para triplicar as receitas do município em tão pouco tempo?
Jairo Jorge - Só uma cidade que gera oportunidades e estimula o empreendedorismo é uma cidade que cresce. Investimos nisso e conseguimos gerar 17 mil novos empregos nos últimos anos, superando um momento muito difícil. Conseguimos atrair centenas de novas empresas a partir de uma postura diferente. Com a Lei do Gatilho reduzimos a alíquota de ISS em um terço e mesmo assim dobramos a arrecadação. Criamos o Escritório do Empreendedor, que auxilia quem quer investir na cidade principalmente ao desburocratizar os processos. O tempo de abertura de uma empresa caiu quase pela metade. Temos celeridade com responsabilidade. A burocracia afasta o empreendedor.
ADI - Seu governo é apoiado por 17 partidos. O senhor é filiado ao PT e sua vice ao PP, por exemplo. Como conciliar os interesses ideológicos com as prioridades do cidadão?
Jairo Jorge - Temos que ter diálogo com a sociedade e também com os partidos. As pessoas fazem os partidos e os partidos fazem a política. Procuramos dialogar sempre para, juntos, construirmos a cidade que o cidadão quer. Nosso grupo tem ideias diferentes, mas o que nos une? Um projeto de cidade, um programa de governo. Aliança sem rumo leva a lugar nenhum ou a tragédias administrativas como as que temos visto. Ninguém pode ser dono de um espaço, de uma secretaria. Temos uma só administração, focada em um projeto de cidade.
ADI - Assim como o desenvolvimento econômico, saúde é sempre um desafio para os gestores públicos e Canoas é referência para dezenas de municípios do interior e da região metropolitana. Como manter os serviços e as contas equilibradas?
Jairo Jorge - No ano que vem vamos investir R$ 440 milhões em saúde e R$ 270 milhões em educação, nossas principais áreas. O recurso é importante, mas não é decisivo. Muitas cidades têm dinheiro mas não são resolutivas. É preciso inovar, tentar levar a excelência do privado para o público. Cliente de plano privado não fica a madrugada na fila para marcar consulta. Por que no SUS tem que ser assim? Resolvemos isso com o teleagendamento. O cidadão telefona e agenda a consulta para dali a 20 dias úteis, em média. São mil consultas com especialistas por dia, sem contar as cinco UPAs e as unidades básicas. Nos dois hospitais públicos da cidade temos uma parceria público-privada com um dos maiores grupos hospitalares do Estado. A Prefeitura tem a gestão estratégica e eles a operacional, em um sistema compartilhado. Gastaríamos mais e não teríamos o mesmo resultado se assumíssemos a administração. Já tentamos esse modelo e não alcançamos o padrão que gostaríamos.
ADI - Na área da segurança Canoas vive duas situações: está conseguindo sair da lista das cidades mais violentas e recebendo o que será o segundo maior complexo prisional do Estado, com mais de duas mil vagas. Qual a participação da Prefeitura nessa área?
Jairo Jorge - A pasta da Segurança tem o quarto maior orçamento entre as secretarias, serão R$ 52 milhões em 2015. É raro uma prefeitura investir tanto nisso, mas trata-se de um caminho irreversível. No futuro todas as cidades investirão em segurança, a gestão será cada vez mais compartilhada. Focamos muito na prevenção: temos 120 câmeras e no início do ano serão mais 80. Temos o sistema de audiomonitoramento e pagamos bolsa de R$ 450,00 a R$ 600,00 por mês para cada um dos cerca de cem policiais que atuam nos Territórios de Paz. A cidade tem metas semestrais de redução da violência e quando elas são alcançadas os policiais ganham uma bolsa extra. Logo será inaugurada a primeira unidade do complexo prisional que está sendo construído na cidade e pela primeira vez a Prefeitura terá participação na gestão. Essa parceria com o Estado começou ainda com a governadora Yeda Crusius, avançou com Tarso Genro e será mantida com José Ivo Sartori. É uma política pública. Exigimos do Estado a instalação de bloqueadores de celular, acesso a trabalho e estudo para os presos e mudanças estruturais, como o fim do acesso dos visitantes às celas. Presídio não pode ser escritório do crime. Não teremos aqui um novo Presídio Central.