“Mamãe eu quero ir a Cuba quero ver a vida lá”. Pouca coisa se alterou na rotina dos milhares de habitantes da ilha comandada pelos irmãos Castro, desde que Caetano Veloso gravou esta canção no LP Uns, de 1983. No entanto, o anúncio feito esta semana pelos presidentes Barack Obama e Raúl Castro, sobre uma aproximação histórica ente os dois países, sinalizando para o fim do embargo, que já perdura por cinco décadas, desafia especialistas das mais diversas áreas. Como será esta vida em Cuba cantada nos versos do compositor baiano a partir do afrouxamento gradual das sanções econômicas impostas pelos americanos desde 1962?
A retomada das relações diplomáticas vinha sendo costurada há pelo menos 18 meses, sob a benção do Papa Francisco. O centro destas negociações foi a liberação do americano Alan Gross, preso desde 2009, acusado de espionagem em Cuba, e de um agente de inteligência preso há 20 anos na capital cubana. Por outro lado, o governo americano soltou três cubanos, também acusados de espionagem.
Entre as primeiras medidas anunciadas estão a abertura das embaixadas em Washington e Havana e a retirada de Cuba da lista americana de países que apoiam o terrorismo. Condição que possibilita a Raúl Castro a obtenção de financiamentos no exterior, expansão dos negócios e novos investimentos. Os Estados Unidos também devem acabar com as restrições a viagens e remessas de dinheiro para a ilha.
Para o professor da Faculdade Imed, o sociólogo, Jurandir Pauli, a decisão dos Estados Unidos em retomar a relação diplomática com Cuba, após 53 anos de embargo, tem duas motivações centrais: a questão econômica e a preocupação do governo Obama em recuperar a imagem do país perante o mundo.
Quanto ao aspecto econômico, caso se confirme em definitivo o fim do embargo (depende da aprovação do congresso norte-americano), o professor observa que haverá um afrouxamento e a permissão para que as empresas possam comercializar seus produtos com os cubanos. “Num sistema capitalista estas empresas tensionam os governos para abertura de novos mercados. Cuba tem uma localização estratégica”, avalia. Ele projeta que com a abertura, o envio de dinheiro por parte de cubanos que residem em outros países aos familiares da ilha, será importante na revitalização da economia cubana.
Sobre o segundo aspecto da aproximação, o sociólogo avalia que os Estados Unidos historicamente defenderam os direitos humanos, no entanto, a diplomacia norte-americana vem errando em vários momentos. “Métodos que a CIA se utilizou para a expansão de informações ligadas a grupos terroristas expuseram uma face americana desumana. Assim como a ‘guerra ao terror’, como eles gostam de denominar, trouxe mais consequências paralelas. Uma certa incapacidade em manter os pactos assinados. Tem que se levar em conta esta questão mais humanitária na aproximação” avalia.
Pauli reforça a análise chamando a atenção de que os próprios cientistas norte-americanos consideram um erro o fato de os EUA terem desviado o foco da América nos aos 80 e direcionado para o Oriente Médio em razão do petróleo. Uma avaliação, segundo ele, corroborada pela própria Casa Branca. “Aquela região é extremamente complicada, mesmo com países aliados, a oscilação do território é muito difícil. A precisão bélica caiu por terra em razão das mortes dos soldados. Tudo isso arranhou muito a imagem do país”.
EUA abre mão do solução biológica
Professor de Sociologia e História na Faculdade Planalto (Faplan), José Ernani de Almeida, lembra que quando o presidente Obama assumiu o governo, em 2008, havia prometido rever as relações com Cuba. Declaração, segundo o especialista, que lhe garantiu maioria dos votos latinos na Flórida, estado com a maior concentração de imigrantes cubanos. Para ele, Obama está corrigindo um erro histórico.
“O governo americano abriu mão da “solução biológica”, isto é, esperar pela morte dos irmãos Castro e, numa atitude histórica, reatou relações diplomáticas com os cubanos, corrigindo um erro que perdurou por 53 anos. Na verdade, o bloqueio não foi ao regime comunista, mas aos milhões de cubanos que durante mais de cinco décadas, foram submetidos a um flagelo inútil de carências terríveis. O regime cubano sobreviveu ao longo destes 53 anos de forma heroica, derrotando todas as investidas que os EUA não cansou de lhe dirigir”avalia.