Polícia de Ibirubá investiga ato de racismo contra senegaleses

Atraídos por ofertas de trabalho, eles trocaram Passo Fundo por Ibirubá há cerca de nove meses, e se somaram a outros três senegaleses que vivem entre os 19 mil habitantes do município.

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Maodo (esquerda) e Bassiou relataram rotina de racismo em IbirubáMaodo (esquerda) e Bassiou relataram rotina de racismo em Ibirubá
Maodo (esquerda) e Bassiou relataram rotina de racismo em Ibirubá
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Com a mão  direita estendida, o senegalês, Maodo Diop, 30 anos, exibe a cicatriz logo acima do polegar, provocada por um golpe de facão. Em seguida, aponta para a  virilha e  calcanhar esquerdo, atingidos por dois disparos de arma de pressão. A Polícia Civil do município de Ibirubá, distante cerca de 100 quilômetros de Passo Fundo, responsável pelas investigações, ainda não definiu se o caso será tratado como tentativa de homicídio ou lesão corporal. No entanto, já tem uma certeza. As agressões  físicas contra Maodo e seu amigo, também senegalês,  Bassiou Ndyaie, 32, tiveram como estopim um ato de racismo. 

Atraídos por ofertas de trabalho, eles trocaram Passo Fundo por Ibirubá há cerca de nove meses, e se somaram a outros três senegaleses que vivem entre os 19 mil habitantes do município. Bassiou ganha a vida trabalhando na construção civil e Maodo numa vidraçaria. Ambos  estão conseguindo seguir à risca a missão dos cerca de 300 conterrâneos espalhados pela região Norte do Estado: economizar para  enviar dinheiro aos familiares no Senegal. Porém, a principal dificuldade tem sido conviver com as manifestações explícitas de racismo praticadas quase que diariamente  por alguns moradores contra eles.

A última delas por pouco não terminou em tragédia. No dia 15 de fevereiro, um sábado, por volta das 18h, Bassiou resolveu dar uma caminhada até a praça do bairro Progresso, onde reside. No trajeto, ao passar por um casal, a mulher começou a esfregar os dedos no braço, mostrando a cor da pele e sorrindo. “Ela fez este gesto para mim. Depois disse oi. Eu respondi, vai, capaz, não quero falar com você. O marido dela se aproximou perguntando o que eu havia dito e porque não queria falar com ela. Nisso me acertou um soco. Começamos a brigar, chegaram mais três e me agrediram com socos e pontapés” conta. Bassiou conseguiu se desvencilhar e voltou para casa, distante cerca de três quadras, indignado com a situação e prometendo retornar ao local. Maodo então acalmou o amigo e se prontificou em apurar o fato. Ao encontrar o grupo de quatro pessoas, se aproximou perguntando a razão das agressões contra seu colega. “Eu não fui lá brigar, só queria saber o motivo das agressões. Um deles apontou a espingarda e atirou em mim. Me acertou na virilha e no calcanhar. Outro cortou a minha mão com um golpe de facão”, lembra, mostrando o ferimento. Uma amiga dos senegaleses passava de carro pelo local e imediatamente levou o rapaz até o hospital.

Inquérito
A polícia já ouviu depoimento das vítimas e aguarda resultado do laudo do médico. Segundo o comissário Jorge Rene Kronhardt, os quatro acusados, três da mesma família, serão ouvidos na próxima semana. “A partir do andamento do inquérito teremos condições de definir se foi uma tentativa de homicídio ou lesão corporal. Mas já sabemos que foi motivado por uma injúria racial praticada por uma mulher. Provavelmente ela será indiciada” observa o policial. A pena prevista para este tipo de crime é de um a três anos de reclusão, além de multa.

Acompanhamento
Assim que souberam do fato, representantes da Associação Passo-fundense de Senegaleses, foram até Ibirubá acompanhar o caso. Advogado da entidade, Luiz Alfredo Galas disse estar confiante no trabalho da polícia e que o crime de racismo deve ser tratado como previsto em lei. “Vivemos em um mundo globalizados em que as diferenças precisam ser respeitadas. O grupo é valorizado pela maioria da comunidade de Ibirubá, tanto pelo trabalho que exerce como pela conduta. Não podemos permitir que manifestações de racismo fiquem impune. Inclusive a Agenda 21 encaminhará uma moção de apoio para as entidades sobre o tema” acrescenta.

Presidente da associação, Mamour Ndyaye afirmou que os cinco senegaleses não estão sozinhos em Ibirubá e que existe um grupo legitimamente formado para apoiá-los. “Esperamos que a Justiça seja feita. Estamos aqui apenas para trabalhar. Não queremos confusão com ninguém. Somos um povo de paz. Se não existir possibilidade de continuar em Ibirubá, vamos conversar e levar eles para outra cidade. A demanda de trabalho existe em todo o Rio Grande do Sul. Hoje mesmo recebi um empresário de Pelotas requisitando trabalhadores” observa.

Racismo nas ruas
O ato de racismo que gerou as agressões aos africanos está longe de ser um fato isolado na rotina deles em Ibirubá. Pelos relatos dos senegaleses, ele está presente diariamente nas ruas da cidade. “Acontecem todos os dias, basta sair para dar uma caminhada. Algumas pessoas atravessam a rua para não passar por nós na calçada. Outras colocam a mão no nariz. Começam a passar a mão no braço, demonstrando a cor da pele, ouvimos comentários, dedos apontados, risadas irônicas. Uma situação muito triste para nós. desabafa Bassiou. De orientação religiosa muçulmana, ele descreve uma rotina que se resume da casa para o trabalho. Sob o olhar atento do amigo Maodo, complementa. “Só saímos para caminhar um pouco pela cidade e voltamos. Não frequentamos bares, bailes, nem a casa de ninguém. Só estamos aqui por causa do trabalho. Somos todos seres humanos. Tem muita gente boa aqui, mas em lugar algum enfrentei tanto racismo” desabafa.

Contraponto
O advogado Diogo Bandarro Nogueira, que atua na defesa dos acusados, informou que somente terá acesso ao depoimento dos senegaleses na próxima semana e que a partir do conhecimento do conteúdo das declarações, terá condições de se manifestar sobre o caso.

 

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