Em nome de Jesus

A força da fé ajuda usuários de drogas em recuperação a se afastar do vício

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A ressurreição faz parte da rotina da Fazenda da Esperança. Porque ali moram mulheres que lutam diariamente para voltar à vida. O passado delas foi entregue a vícios, drogas e prostituição. A vida de agora pertence a Jesus. “Sem Deus não somos nada”, diz Carine, em conversa com o ON. Depois, Adriana conta como chegou à fazenda e repete a frase. Parece ensaiado. Além da frase, as duas dividem um drama: o crack.

A pedra faz parte da história de muitas mulheres que passam pela comunidade terapêutica localizada no km 4 da RS 153, no bairro Santa Marta. A via-crúcis da primeira mulher começou cedo. Carine foi abusada aos oito anos e estuprada quando adolescente. Aos 17, experimentou a droga por influência do namorado. Depois o crack foi a porta para a rua. Perdeu a guarda do filho e ficou sem nada. Hoje, aos 29 anos, não chora ao contar o passado. Mas diz que só consegue encarar as lembranças devido aos 10 meses que está internada na fazenda. “Aqui aprendi a perdoar quem me fez mal. Passei por todo um processo para ficar em paz e rezar por essas pessoas”, diz Carine, que chegou a pesar 45 kg quando se prostituía para manter o vício.

A responsável pela fazenda carrega o nome da mãe de Jesus. Maria Kondo também é mãe, porque assim é chamada pelas moradoras da comunidade. Hoje, nove mulheres estão na instituição católica, que tem capacidade para receber 30. Elas ficam até 12 meses aos cuidados das irmãs. A fazenda se mantém com parcerias com a Prefeitura e o governo federal. Outra fonte de renda é a venda de pizzas e biscoitos, além de doações. Para Maria, quem chegou à pedra, chegou ao “fundo do poço”. Nesse momento, na opinião dela, a única saída é a fé: “O crack é mais forte que o amor à família, que o amor à própria vida. Mais forte que o crack, só Deus".

Adriana tem a idade de Jesus. Aos 33 anos, está há seis meses na Fazenda da Esperança. A vida da mulher mudou no dia em que perdeu o emprego. Aos 28, ficou com os três filhos, separada do marido e sem dinheiro. Decidiu se prostituir em boates da cidade. No começo não usava drogas. Começou a usar cocaína após o primeiro ano na prostituição. Depois veio o crack. Perdeu o que tinha: casa e filhos. Chegou ao fundo do poço. Mas nesse meio ano, as coisas melhoraram. Os dois filhos mais velhos estão estudando e o mais novo, de três anos, mora com ela na fazenda. “Sem Deus eu não conseguiria nada. Foi Deus quem me trouxe aqui. Ele deu o primeiro passo”, diz.

Há uma capela no ponto mais alto da propriedade. Dentro, cadeiras de madeira, um púlpito que sustenta a Bíblia e o confessionário. O padre reza ali a missa uma vez por semana. No alto, do lado de fora, uma cruz vigia a fazenda. Esperança, Misericórdia, Sabedoria, Coragem são as palavras pintadas em quatro pedras em frente à capela. Existe, ainda, outro espaço, menor, para reuniões diárias. Nele, elas rezam e cantam aos acordes de um violão tocado por umas das mulheres.

Carine e Adriana não eram religiosas antes da Fazenda da Esperança. A primeira frequentava igrejas evangélicas, mas sem interesse. A segunda nem isso. E mesmo quando da internação, não se converteram facilmente. Foi um processo a partir da dificuldade.

Suporte
O mestre em Psicologia Clínica, Luiz Ronaldo de Freitas Oliveira, explica que, quando não consegue superar sozinha, vê a religião como uma alternativa. “A dependência deixa a pessoa fragilizada. Então ela precisa de algo externo para que possa lhe dar suporte interno para superar ou enfrentar o problema, que sozinho ou sem essa vigilância externa, ela não conseguiria superar”, explica.

O professor Luiz Ronaldo afirma que o trabalho dessas instituições é importante, mas é preciso que haja profissionais capacitados para atender os dependentes “Não basta apenas boa vontade ou o interesse em ajudar as pessoas. É necessário o preparado de uma equipe que seja efetiva para que tenhamos bons resultados”, afirma.

Para entrar na comunidade terapêutica
A Prefeitura de Passo Fundo mantém convênios com instituições religiosas que organizam casas de apoio a dependentes químicos. A Secretaria de Cidadania e Assistência Social encaminha a pessoa para o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas. Em seguida, o CAPS AD avalia, e se for da vontade do paciente, há o encaminhamento a uma das comunidades terapêuticas. O vereador Cidinei Nunes, da Semcas, diz que não pode haver proselitismo na internação. “A maioria das comunidades terapêuticas tem programas da espiritualidade. Mas o dependente não é obrigado a participar de nenhum desses programas. Ele só participa se quiser”, pontua.

Carine já tem emprego certo para daqui a dois meses, quando vai embora. Adriana planeja abrir uma padaria e usar os ensinamentos que aprendeu na cozinha da fazenda. Mesmo depois, as duas pretendem trabalhar ali como voluntárias. Ajudar outras com problemas parecidos aos delas. Não há como saber hoje se o futuro das mulheres será como imaginam agora. Mas a fazenda deu às duas algo que lá fora não existia mais: a esperança de uma vida nova.

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