Funcionários de um posto de combustíveis, no quilômetro 302 da BR 285, em Passo Fundo, já estão acostumados com as perguntas de clientes que param para abastecer e se deparam com a cena inusitada no outro lado da rodovia: peças de roupas tremulando em um varal improvisado preso ao capô de um caminhão Mercedes Benz 1113, rodeado por pedaços de lonas, tiras de pano, latinhas de cerveja e refrigerante, caixas de papelão e vasilhames. A resposta deles é automática. “ É o ‘Véio’. Está ali há quase três anos, desde que o caminhão dele estragou.
Mora na cabine. Está juntando latinhas para pagar o conserto” repetem diariamente. ‘Véio’, no caso, é o apelido que o caminhoneiro Dalton Santos Alves, 68 anos, recebeu desde que passou a morar às margens da rodovia há quase três anos. Uma parada obrigatória depois que sua ‘Joia do Nilo’ como costuma chamar o Mercedes adquirido no longínquo 1975 teve problemas mecânicos. Após carregar uma carga de aveia preta em Carazinho, ele partiu para a cidade de Esmeralda, mas um problema no eixo traseiro do caminhão o fez interromper a viagem em Lagoa Vermelha. Com a carga transferida para outro veículo, ainda conseguiu rodar de volta até o terreno em frente ao posto, em Passo Fundo, de onde promete sair somente quando juntar a quantidade de latas suficientes para trocar o eixo.
Natural do município de São Francisco de Paula, Dalton deixou na pequena cidade da serra gaúcha, com pouco mais de 20 mil habitantes, a ex-mulher e uma filha, de 26 anos. De lá, carrega a saudade dos familiares e a lembrança de um filho, que faleceu aos 30 anos, em decorrência de uma doença nos rins.
A rotina de catar latinhas
Oito meses se passaram, até que o motorista descobriu a atividade que poderia ser a solução para o problema do caminhão. Como o salário de aposentado serve apenas para custear a alimentação, decidiu juntar latas de refrigerante e cerveja. O dinheiro adquirido será investido na aquisição de outro eixo. O valor da peça, segundo ele, varia entre R$ 2,5 a R$ 4,5 mil. “Fiquei dormindo oito meses aqui, até que acordei para esta possibilidade. Perdi quase um ano” comenta.
Obstinado, voltou para a rodovia, mas desta vez, conduzindo um triciclo. Presente dado pelo amigo Claudemir Barbosa, proprietário de um estabelecimento comercial junto ao posto. “Ele começou juntando latinhas a pé. Comentava que precisava de uma bicicleta e que sabia de uma usada. Então comprei e dei de presente” conta, lembrando que também conhecia Dalton do tempo em que ele viajava e passava pelo posto.
Equipado, Alves cumpre uma rotina diária. Acorda por volta das 9h, e vai para a estrada. Ele percorre os cerca de dois quilômetros que ligam o trevo de acesso à Transbrasiliana até o entroncamento com a BR 386. O veículo com três rodas facilita o trabalho. Com uma vara e um prego na ponta, não precisa descer do triciclo para recolher as latas. O volume maior é encontrado nos postos às margens da BR. Quando acumula uma boa quantia, se dedica em amassar uma a uma utilizando uma pequena prensa que inventou. “Só vou vender quando encher a carroceria do caminhão” revela.