Código de Defesa do Consumidor é referência mundial, mas não é suficiente

?"rgãos de defesa enfraquecidos, sistema judiciário abarrotado de processos e o consumidor cada vez mais lesado são incoerentes com a lei que há 25 anos é considerada uma das mais modernas do mundo

Por
· 5 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Referendado por pesquisadores de várias partes do mundo e inspiração para criação de legislações específicas em diversos países da América Latina, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) brasileiro completa hoje 25 anos. Se por um lado ele é considerado um dos mais modernos do mundo, por outro, ainda falta muito para garantir que os direitos do consumidor brasileiros estejam protegidos. O fortalecimento e a ampliação de unidades dos órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, é apenas um dos gargalos. Em Passo Fundo, a experiência do Balcão do Consumidor da UPF e o trabalho conjunto com a Prefeitura, Ministério Público, Procon e Poder Judiciário é um exemplo positivo de defesa do direito e de educação para o consumo. O município é também pioneiro na implementação do Código Municipal dos Direitos do Consumidor.

O professor da Faculdade de Direito da UPF Rogério da Silva é uma referência quando o assunto é defesa dos direitos do consumidor. Ele e o professor Liton Lanes Pilau Sobrinho criaram o Balcão do Consumidor, o qual ainda coordenam conjuntamente, também já coordenou o Procon Municipal e, juntos, criaram o Seminário Nacional de Defesa do Consumidor que reúne pesquisadores nacionais e internacionais. Promulgado em 11 de setembro de 1990, o CDC mudou completamente as relações de consumo existentes até então no Brasil. “Antes do código não existia legislação específica, aquilo que chamamos de microssistema, que tratasse da proteção do consumidor que é um direito social e é um exercício de cidadania”, pontua.

Fragilidades

O CDC teve papel determinante na melhoria da qualidade de produtos ou serviços oferecidos. No entanto, apesar de ser referência, o Código sozinho não pode ter a eficácia que deveria. Hoje, no Brasil, e mesmo no Rio Grande do Sul, ainda é preciso que haja o fortalecimento dos órgãos de defesa do consumidor, entre eles o Procon, que está presente em uma minoria de municípios. Além disso, boa parte dos municípios que contam com o serviço não oferecem condições materiais e de pessoal suficientes para que ele possa funcionar adequadamente. “Não existe interesse político de investir em Procons em todo o Brasil. Vejamos o exemplo do Rio Grande do Sul, dos 496 municípios, talvez tenhamos Procons em 60 deles. Desses, talvez 10 tenham condições de trabalho. Não adianta criar o serviço, tem de haver condições de trabalho”, reforça.

A necessidade de se ter órgãos de defesa do consumidor próximo das pessoas se justifica pelo aumento do oferecimento de serviços de cartão de crédito, telefonia, TV por assinatura, internet ou mesmo de grandes redes que nem sempre oferecem serviços de qualidade quando o cliente tem algum problema com o produto adquirido ou serviço contratado. “O grande problema no Brasil é o pós venda. Se faz de tudo para vender. O consumidor é tratado com todo zelo até a venda. No entanto, o pós-venda é péssimo. Claro que existem empresas muito qualificadas, mas ainda estamos distantes do ideal”, analisa o professor.

Educação para o consumo

O professor Rogério destaca ainda que é preciso se avançar no que diz respeito à educação para o consumo que deveria, na opinião dele, estar inserida desde a educação básica até o ensino superior. Em Passo Fundo, O balcão do Consumidor da Faculdade de Direito da UPF, além de auxiliar na mediação dos conflitos em relações de consumo, tem atuação forte na educação para o consumo. Materiais educativos, entre eles cartilhas, quadrinhos e vídeos com o personagem Tchê Consumidor, buscam mostrar para as crianças formas mais conscientes de consumo. O Balcão atua ainda na pesquisa e em atividades de extensão. Em breve estará presente em todos os municípios com campus da UPF com a inauguração da unidade de Sarandi. Além disso, mantém a unidade móvel Balcão na Estrada, que percorre diversos municípios da região oferecendo atendimentos de esclarecimento dos direitos do consumidor. O Balcão tem parceria da Prefeitura de Passo Fundo que disponibiliza bolsas aos acadêmicos, da Procuradoria da República, do Ministério Público Estadual e do Fundo Estadual do Consumidor.

Dica

Os materiais educativos produzidos pelo Balcão do Consumidor estão disponíveis no site www.balcaodoconsumidor.com.br. É possível encontrar materiais para download e os vídeos de educação para o consumo do personagem Tchê Consumidor.

Números de Passo Fundo

Apenas até o mês de agosto de 2015, o Balcão do Consumidor atendeu quase 8,3 mil pessoas que tiveram problemas nas relações de consumo. Sem o serviço, boa parte desses procedimentos teriam de ser destinados ao Juizado Especial Cível ou para o pode Judiciário para serem solucionados. O professor explica que a maior parte dos problemas não são relacionados ao comércio local, mas sim a grandes redes ou prestadoras de serviço que não contam com um atendimento presencial eficiente no município.

O índice de solução dos procedimentos abertos no Balcão do Consumidor supera os 70% e casos não resolvidos são encaminhados ao Procon, para abertura de processo administrativo, ou, quando se trata de demandas coletivas, ao Ministério Público Estadual ou Federal.

Ministério Público

Passo Fundo conta com uma Promotoria Especializada que atua, entre outros temas na defesa do consumidor. Conforme o promotor Cristiano Ledur o MP necessita trabalhar em conjunto com os demais órgãos de defesa do consumidor. “A Promotoria, recentemente, passou por uma redistribuição em suas atribuições, ganhando mais espaço a defesa do consumidor. Embora ainda não seja uma estrutura ideal, algumas ações estão sendo pensadas para poder alcançar resultados efetivos em demandas que atingem um maior número de consumidores”, analisa. Na opinião dele o serviço prestado pelo Balcão do Consumidor e pelo Procon são fundamentais e indispensáveis, pois realizam um primeiro atendimento nas demandas individuais, buscando a resolução direta dos problemas dos consumidores diretamente com os fornecedores. “Sem essas estruturas, certamente o trabalho seria inviável, haja vista o grande número de demandas em Passo Fundo”, complementa.

Superendividamento e comércio eletrônico

Hoje há novos desafios que precisam ser incluídos no CDC. Entre os mais latentes estão questões relacionadas ao superendividamento realidade de hoje de muitos brasileiros e também as relações de comércio online. A disponibilidade de crédito fácil como vivenciado no Brasil, aliada a uma situação de juros altos, acabou se transformando numa grande cilada, conforme explica o professor Rogério. “Não é que somos contrários ao crédito. Todo mundo e favorável ao crédito porque ele é uma forma de adquirir produtos e serviços, mas o que houve foi uma farra, pessoas com muitos cartões de créditos, com vários financiamentos, e o reflexo está vindo agora”, argumenta ao citar situações em que pessoas perderam o emprego e estão precisando devolver imóveis e carros, por exemplo. “Precisamos limites, definições para que as ofertas não sejam enganosas como existem as ofertas de 10 vezes sem juros, de taxa zero. É só verificar a inflação. É impossível que alguém venda um produto em 10 vezes sem juros. Isso é uma falácia, é uma publicidade enganosa”, alerta.

No caso do comércio eletrônico, apesar de ser contemplado de forma mais específica no CDC esta é a única forma de compra no Brasil que contempla o direito de arrependimento do comprador. “O artigo 49 previu isso em 1990 que nas compras online eu posso me arrepender da compra no período de sete dias, o que você não consegue em uma compra presencial. E é uma devolução mesmo, você devolve o produto e recebe o dinheiro de volta”, comenta. O professor explica ainda que as pessoas devem ter cuidado ao comprar pela internet e verificar sites e empresas confiáveis para não ter problemas.



Gostou? Compartilhe