"A transformação da sociedade se dará pelo aspecto da religiosidade"

Entrevista ?EUR" Emerson Brotto

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Uma ausência chamou a atenção na foto da nova direção municipal do Partido Comunista do Brasil, divulgada no início deste mês. Responsável pela estruturação do partido em Passo Fundo, na metade dos anos 80, o advogado e bacharel em história, Emerson Lopes Brotto não faz mais parte dos quadros do PC do B. Aos 56 anos, pelo menos 30 deles dedicado à militância, ele disse ter perdido a esperança na política partidária como mola de transformação da sociedade. Em entrevista ao ON, o intérprete das teorias do filósofo Karl Marx, o qual prega que a religião é o ópio do povo, revela ter assumido uma nova visão de mundo e aponta para o aspecto da religiosidade (não da religião), como perspectiva de mudanças. Seguidor da doutrina espírita, Brotto falou dos motivos de seu afastamento e das dificuldades enfrentadas ao tentar abordar questões relacionadas à religiosidade e, principalmente, para assumir sua crença em Deus. “Tinha vergonha de dizer que eu acreditava em Deus”.


ON – Quais os motivos que levaram o senhor a se afastar do Partido Comunista do Brasil após 30 anos de militância?
Emerson Brotto - A política partidária com suas idas e vindas tinha um compromisso histórico a cumprir. Eu entendia que era o da transformação social. Mas hoje, na minha visão, a política partidária, seja de esquerda ou de direita, está umbilicalmente ligada ao estado enquanto poder. Ela vive em função disto. Por mais que se tenha um discurso transformador na aparência, na essência se reproduz esta dominação. Os mandatos, principalmente municipais, acabam virando despachantes de luxo.         No caso das filiações, elas são feitas pelo nome ou posição que a pessoa ocupa na sociedade, muitas vezes sem o compromisso e uma compreensão do que vem a ser a ideologia, ou programa do partido. Entram e saem de acordo com as circunstâncias e interesses pessoais. Hoje, se acabassem com os CCs vinculados aos mandatos teríamos poucos partidos funcionando com militância. Decidi que não quero mais isto para mim. 

 
ON – Sua decisão então foi baseada no choque entre visão pessoal ideológica com as decisões partidárias?
Emerson Brotto - Tem que assumir uma postura não em razão de um compromisso ideológico, mas que te acomode em relação a tua inserção institucional. Quando para ficar na política partidária tem que engolir um sapo a cada dia, isto interfere na consciência que se tem, na visão de transformação do mundo e da comunidade em que está inserido. Abrindo mão do que se pensa por acomodação. Se está na oposição o discurso é incisivo, cobra posturas éticas e morais, quando se é governo passa por cima disto porque tem compromisso com a base.

 
ON- Podes citar um exemplo de uma situação como esta?
Emerson Brotto – Aconteceu na discussão sobre o ticket alimentação aqui em Passo Fundo. Se tirou uma postura de que ele tinha que ser derrubado. Como é da base do governo, tem que trabalhar na perspectiva do que é de interesse do governo. No entanto, tem a questão do teu compromisso histórico com as conquistas dos trabalhadores. Em uma situação como esta é preciso demonstrar tua autonomia em relação ao governo. É uma proposta do governo, mas não do partido. O fato de ser da base não significa que tem que assinar embaixo todas as medidas dele. O partido discutiu e chegou ao consenso do qual eu fui parte vencida. É a velha máxima, os fins justificam os meios, mas quando os meios passam a ser o fim, na realidade, existe uma perda de perspectiva de transformações.

ON – Este foi um dos aspectos que pesou na tua decisão de deixar o partido?
Emerson Brotto – Não este exclusivamente, não falo só da cena local, mas estadual, nacional, de maneira geral. Eu não quero mais me submeter a estas dubiedades. Uma hora tem uma postura, outra hora tem que ter outra. O contexto alterou. Eu não consigo mais me encaixar nisto. Penso que a política partidária enquanto estiver institucionalizada da forma como está, dependendo destes interesses para sobreviver, dificilmente teremos possibilidade de tratar da transformação social. Quero deixar claro que a minha postura não tem relação com pessoas, não é uma questão pessoal, com os militantes do partido, é uma questão de consciência. Da forma como as coisas estão colocadas, minha visão de mundo não se encaixa mais na política partidária. Se eu penso de uma determinada forma, esta postura tem que ser quando estou no partido e quando não estou, ou quando ele está no governo ou não. Esta acomodação institucional é algo danoso para quem pensa numa perspectiva de mudança.

 

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