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Para alguns, não existe Natal longe de casa. Para outros, mesmo com a saudade, é possível sentir o espírito natalino em qualquer canto do mundo

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Mesa posta, bebida gelada, decoração impecável, árvore cheia de presentes e a família toda reunida. Se fosse necessário resumir uma noite de Natal, talvez esse fosse o que traduzisse melhor o que de mais tradicional acontece na casa da maioria das pessoas. E ai de quem resolver não estar presente nessa noite tão importante. Entretanto, apesar da tradição, não é incomum que alguns aventureiros resolvam quebrá-la ao se ausentar na noite de Natal. E muitos desses aventureiros não apenas passaram o dia 24 de dezembro sem suas famílias, mas estavam a milhares de quilômetros delas, em diferentes cantos do mundo. Como em Portugal, por exemplo.
O destino inicial do estudante de arquitetura e urbanismo, Ricardo Comin, foi a Holanda. O jovem de 23 anos foi um dos selecionados pelo programa Ciência Sem Fronteiras, que concede bolsas de estudo no exterior para jovens brasileiros, e passou 2014 estudando em Roterdã, mas foi em Portugal que o estudante celebrou o Natal. O convite veio de um velho amigo, o também estudante português Dani Soares que Ricardo hospedou enquanto esteve no Brasil realizando seu intercâmbio. “Ele ficou oito meses em Passo Fundo morando comigo e quando eu viajei surgiu o convite da família dele para passar o Natal com eles. Ele também passou o Natal com a minha família em Espumoso, então foi uma troca”, lembra. Ricardo aproveitou que na época a namorada, Camila Marini, também estava fazendo intercâmbio justamente em Portugal e aceitou o convite. Ao todo, além de passar a noite de Natal, os dois ficaram cerca de 20 dias na cidade de Sintra.
Apesar da distância, o estudante garante que o Natal em Portugal é muito semelhante com o do Brasil. “Tem muita comida e antes da refeição - que já é cheia de diferentes pratos - tem sempre sopa, não importa a ocasião”, destaca. Foi através dessa experiência que Ricardo pode conhecer de fato como era a culinária típica do país e, claro, provar o tradicional vinho do Porto. “O interessante foi por ser muito semelhante. Eu não tinha ideia de como seria meu Natal e Ano Novo na Holanda, mas acabei parando em Portugal que é muito parecido: os pratos principais, a mesa decorada, muita iluminação, os objetos na casa, é tudo muito semelhante. A única coisa que muda é a sopa, na refeição. Eles também fazem a troca de presentes, tem árvore, tem tudo. Me senti muito em casa, fui muito bem tratado”, conta. Outra semelhança que Ricardo destacou foi o fato de depois das ceia, os jovens irem para a balada. “A gente fica até um certo horário com a família e quando todo mundo começa ir embora, vai para alguma festa. A gente foi para uma festa em um Cassino, muito legal”, lembra.
Até esse dia, o estudante conta que nunca tinha passado Natal ou Ano Novo longe da família e que foi uma experiência nova, tanto por estar longe, quanto por poder rever o amigo e conhecer a família dele. A família, ele garante, levou numa boa, mas fez ele prometer que em 2015 passaria o Natal em casa.

Perdido na Índia

Entre uma aventura e outra, a máxima de que nem tudo são flores prevalece, até mesmo no Natal. A primeira constatação do administrador William Romani, de 24 anos, foi, na verdade, uma surpresa: ele descobriu que a Índia também comemora o Natal, apesar de a maioria da população ser hindu. “Como a cidade é um tanto ocidental havia um apelo comercial sobre esse dia, assim como em outros lugares”, lembra. Logo em seguida, ele descobriu que é mais fácil se perder na Índia do que ele imaginava.
William morou em um hostel na cidade de Nova Délhi junto com muitos outros intercambistas, entre eles mexicanos, colombianos, egípcios e australianos. E como é comum, todos resolveram se unir para celebrar a data. Antes do Natal, o administrador lembra que no dia 23, realizaram o famoso amigo secreto e combinaram que, no dia 24, cada um faria um prato típico do seu país, ou aquilo que sabiam cozinhar, para criarem sua própria ceia de Natal. “Eu fiz maionese e frango frito, outros fizeram arroz, alguns compraram alguma coisa. O problema é que tínhamos apenas uma boca de fogão em cada apartamento do hostel, duas panelas e algumas bacias. Foi muito difícil para que todos cozinhássemos, não rendeu muito e no final eu estava bem cansado”, lembra.
Com tudo pronto, William e seus amigos saíram para encontrar com os demais em outro bairro da cidade, onde um apartamento maior e mais confortável aguardava pela festa. O jovem e os amigos pegaram um tuk-tuk, o popular e barato transporte indiano, e seguiram para a festa. “Com endereço do local em mãos, tentamos explicar para o motorista aonde iríamos, até que ele entendeu. Rodamos por uns 45 minutos e chegamos ao local errado. Aí começou nosso problema, o tal endereço não batia”, conta. A confusão durou quase uma hora. Nesse tempo, William, os amigos e o motorista do tuk-tuk rodaram a cidade, pediram informações, visitaram mais dois locais errados, tentaram até mesmo a ajuda de funcionários de um hotel, que aproveitaram a ocasião para desejar um feliz Natal, até que o improvável aconteceu. “Em um determinado momento resolvemos parar e tentamos ligar para alguns amigos indianos. Foi nesse momento que vimos um deles passando na calçada ao nosso lado. Uma cidade com 23 milhões de habitantes e ali estava nosso milagre de Natal”, brinca. O endereço estava errado, mas finalmente com a ajuda do amigo, após 20 minutos, William e os demais conseguiram chegar na festa, mas a comida já tinha acabado. “Nunca tive uma ceia sem me empanturrar de frango, gado, porco e maionese, mas dessa vez não tive o que fazer”, lembra. Apesar da confusão, ele ainda chegou a tempo de celebrar a passagem do dia 24 para 25. “No final, vimos alguns fogos e nos abraçamos. Independentemente de qualquer religião ou crença, o respeito e o amor partiu de todos e toda ajuda que recebemos naquela noite mostrou muitos valores e amor cristão, o que acredito ser a essência desse dia”, finaliza.

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“O Japão, diferentemente do Brasil, não dá o valor religioso ao Natal, somente comercial. Os japoneses são, em sua maioria, budistas e xintoístas. Uma das diferenças é a comemoração em torno do amor dos casais, com trocas de presentes e decorações remetendo a isso. O que mais me chamou atenção lá foi a falta de proximidade entre as pessoas, contrária ao que acontece aqui, onde todos se sensibilizam, se conectam e comemoram juntos. A falta do aconchego familiar e de toda atmosfera que se cria aqui me fez não soprar os bons ventos tradicionais, deixando a sensação de um ano incompleto”.

Yan Daniel, 20 anos, morou por 9 meses no Japão

“Logo que soube que iria passar o Natal longe da minha família pensei que seria bem difícil, porque sempre comemoramos juntos e reunimos todos nessa data. Mas comecei a refletir sobre a ideia e concluí que seria um aprendizado e uma oportunidade de refletir sobre a importância de cada um em minha vida. Passei a véspera de Natal com minha companheira de intercâmbio e outro brasileiro que já morava no país. No dia de Natal passamos com um família local, para que assim tivéssemos contato com a cultura de lá. Nesse dia fomos muito bem acolhidos, me senti como integrante daquela família. O que senti de mais diferente foi o espírito de Natal que em Moçambique não é tão forte como no Brasil, pelo fato de existir muitas religiões e a católica não ser tão forte, algumas comidas também são diferentes. A experiência foi maravilhosa, estava fora da minha zona de conforto e isso me proporcionou momentos únicos e a oportunidade de conhecer uma nova cultura e pessoas diferentes”.
Ricardo Ferreira Amaral, 20 anos, fez intercâmbio social em Moçambique em 2013/2014

“Há exatamente um ano eu estava mergulhando na melhor experiência da minha vida: passar 1 mês e meio no Egito. Mas essa não era a parte mais desafiante. Na verdade ir para o intercâmbio voluntário na época do Natal e Ano Novo me deixava com o coração apertado porque eu sabia que eles não têm costume de comemorar por terem uma cultura diferente da nossa. Foram os dois únicos momentos que desejei voltar para o Brasil, mas não queria abrir mão da minha experiência por causa disso. Sempre soube que enfrentaria muitas diferenças e foi por isso que quis ir pra um lugar tão diferente do que eu estava acostumada. Foi aquela coisa de um abraço e um 'feliz natal' e nada além disso. Aprendi a valorizar muito o que eu tenho e a agradecer por tudo. Mesmo assim, fiz amigos incríveis que levo pra vida toda! Foi a melhor viagem da minha vida e sinto falta de tudo até hoje”.

Anna Carolina Gargalak, fez intercâmbio voluntário no Egito em 2014/2015

“Não tem muita diferença. Aqui eles têm pinheirinho de Natal, luzes, enfeites, presépio. Mas aqui o foco é dado muito mais ao presépio do que ao restante. Vê-se presépios à venda em todas as ruas, em todas as praças. Eu vou passar o Natal com a minha família daqui, que vai se reunir no dia 24 à noite para o jantar. Os pratos não são muito diferentes do Brasil. Teremos arroz ao forno, churrasco, arroz com vegetais, peru e a coisa mais diferente daqui é língua de vaca ao vinagrete”.

Germano Ferreira, 22 anos, está no Paraguai, fazendo intercâmbio social

“Natal sempre une a família, esse é o nosso primeiro longe, então vamos passar com amigos daqui que estão na mesma situação. Os hábitos irlandeses são mais intensos que os nossos em relação ao natal. Muitas casas, em especial longe do centro, têm aquelas decorações como nos filmes, as pessoas, das criança aos adultos, usam suéteres de natal (igualzinho no Harry Potter), eles comem tortinhas de carne (mince pies) e tomam quentão! (Mulled wine). O mais difícil é ficar sem panetone, que simplesmente não existe aqui. Os amigos secretos deles (secret Santa) são diferentes: tiram-se os nomes e cada um apenas coloca os presentes embaixo do pinheirinho, ficando alguém responsável pela entrega. Não se sabe quem pegou quem. Aqui o dia 24 é praticamente normal, apenas alguns saem aos pubs ou ficam com amigos. O feriado é dia 25, em que todas as famílias se reúnem e absolutamente TUDO para, até mesmo o transporte público. Vamos ficar aqui pelo menos mais um ano, na expectativa de ampliar o que já aprendemos em 2015. É sempre bom estar em um lugar diferente, em que você precisa trabalhar na adaptação a tudo, da comida às festas de fim de ano”.

Rafaela Pszybyovicz e Rafael Zanola Chaves, 26 anos, estão fazendo intercâmbio na Irlanda

Estou em Budaspeste, na Hungria, estudando Medicina Veterinária. Como minha mãe veio me ver, nós estamos viajando pela Itália e vamos passar o Natal em Roma. Ainda não planejamos nada, mas na Hungria, eles comemoram o Natal no dia 04 de dezembro, quando fazem a troca de presentes. No dia 24 é apenas uma festa religiosa. O clima natalino é o mesmo do Brasil, tudo enfeitado, árvores de Natal por todo o lado. A diferença clássica é o frio. Acho que a ideia do Natal é ter a família toda reunidade, esquecer o problemas e só comemorar. Então, eu diria que o melhor de tudo é passar em casa. Não tem lugar no mundo que substitui isso”.

Felipe Moretti Rodrigues, 24 anos, está fazendo intercâmbio pelo programa Ciências Sem Fronteias na Hungria


“Estar longe da família deixa sempre a sensação de que estou perdendo um momento importante que é estar próximo daqueles que amo. Afinal, esta data serve para reunir a família. Meu primeiro Natal na Irlanda foi como o da maioria daqueles que estão longe de casa. Nos reunimos com os amigos em algum lugar para celebrar. Nada muito especial. Uma festa como outra qualquer, com comida e bebida. Não que seja típico de Passo Fundo, mas sinto falta das campanhas de Natal. Lembro-me das crianças que iam com seus pais na Uirapuru deixar a cartinha para o papai noel na esperança de serem atendidas. A entrega de presentes em bairros pobres. A distribuição de frangos para pessoas carentes terem o que comer na ceia de Natal e etc... No Brasil o Natal acaba servindo como uma data de reflexão em torno das desigualdades sociais. Este ano estarei em Londres, aonde chego dois dias antes do Natal. Diferente da Irlanda, onde morei por dois anos, nem amigos terei por perto. Estar na estrada é isto, viver um dia de cada vez e estar aberto às novidades. Sendo assim, o próximo dia 25 de dezembro segue sendo um mistério para mim. Estas duas datas [Natal e Ano Novo] têm uma grande relevância cultural. Então, acaba sendo uma boa oportunidade para você vivenciar diferentes formas de celebração ao redor do mundo. Principalmente, para entender como as pessoas usam estas datas para alcançar níveis de felicidade pessoal ou até mesmo como motivação de ajuda ao próximo”.

Felipe Franco, 30 anos, está viajando pelo mundo desde de 2014

 

 

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