Os brasileiros já tiveram um bom tempo para se acostumar, ou pelo menos para tentar se adaptar, às regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Se até o dia 31 de dezembro de 2015 as regras antigas ainda podiam ser usadas, desde o dia 1º deste ano as novas é que passaram a ser obrigatórias no Brasil. E você, já se acostumou a escrever algumas palavras sem acento diferencial? Gostou ou não do fim do trema (aqueles dois pontos que eram usados em cima da letra U)? Se a mudança não é unanimidade para quem é pesquisador da área, ela agora é uma realidade no ensino e no uso da língua portuguesa, na modalidade escrita.
A obrigatoriedade do uso das novas regras havia sido adiada em três anos pelo governo brasileiro. A previsão inicial era que as regras fossem cobradas oficialmente a partir de 1° de janeiro de 2013, mas as polêmicas e as críticas motivaram o adiamento. O acordo foi assinado em 1990 com outros Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) para padronizar as regras ortográficas, o acordo foi ratificado pelo Brasil em 2008 e implementado sem obrigatoriedade em 2009. De acordo com informações da Agência Brasil, o Brasil é o terceiro dos oito países que assinaram o tratado a tornar obrigatórias as mudanças, que já estão em vigor em Portugal e Cabo Verde. Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste ainda não aplicam oficialmente as novas regras ortográficas.
Será um avanço?
Entre os argumentos para a adoção do novo acordo ortográfico está o de que ele facilitaria o intercâmbio cultural e científico entre os países, além de ampliar a divulgação do idioma e da literatura em língua portuguesa, já que os livros passam a ser publicados sob as novas regras, sem diferenças de vocabulários entre os países. De acordo com o Ministério da Educação, o acordo alterou 0,8% dos vocábulos da língua portuguesa no Brasil e 1,3% em Portugal.
Boa parte dos argumentos, no entanto, é criticada por pesquisadores da área. A professora da área de linguística e língua portuguesa do curso de Letras da UPF, Dra. Marlete Diedrich, destaca que um leitor proficiente e com capacidade de discernimento é capaz de ler com diferentes ortografias. Essa é uma situação que acontece inclusive dentro do Brasil em que palavras são grafadas de forma diferente, como, por exemplo, a forma escrita do número 14, que pode ser grafada como catorze ou quatorze.
Da mesma forma a retirada de determinados acentos diferenciais ou do trema não facilita o ensino ou o aprendizado da língua portuguesa. Para a pesquisadora, a dificuldade ou facilidade de se escrever uma palavra é determinada mais pelo uso no cotidiano do que pela forma acentuada ou não, se é grafada com C, Ç ou com SS. “A gente aprende a escrever, escrevendo, a gente aprende a usar, usando. Uma palavra se torna fácil ou difícil de acordo com a frequência que as usamos no nosso cotidiano”, reforça.
Escrita x Fala
A língua portuguesa, assim como as demais faladas pelo mundo, é dinâmica e está em constante modificação. A ortografia é o registro escrito dessa língua e que muitas vezes não representa a fala. “Não escrevemos da mesma maneira como nós falamos”, pontua a professora. O acordo ortográfico, assim como um dicionário, é, na verdade, apenas um recorte de uma língua e não seria possível que desse conta de toda a dinamicidade que a língua portuguesa tem.
Tá, mas o que muda?
Bem, pra quem não lembra, as mudanças na escrita atingem apenas um pequeno percentual de palavras da língua portuguesa. No entanto, muitas dessas palavras são bastante comuns. O professor Ironi Andrade também é crítico ao analisar a motivação de algumas mudanças. “O mais detestável nisso tudo é o fato de que, quando não havia consenso sobre possíveis mudanças, os “negociadores lusófonos” não se constrangiam: “Fica como está!”. Foi por isso que a maior parte da Reforma resultou facultativa, ou seja, cada um decide como escrever ou falar: negocio ou negoceio; aspecto ou aspeto; anistia ou amnistia; poste ou póstio; cume ou cúmio; Antônio ou António; acadêmico e acadêmico, e por aí afora”, exemplifica.
O professor Ironi Andrade também apresenta um guia prático sobre as principais mudanças na ortografia em função do novo acordo. Confira:
Acentuação
Ditongos Abertos “éi”, “éu” e “ói”: só se acentuam nos oxítonos.
Antes: idéia, assembléia, tramóia, jibóia...
Agora: ideia, assembleia, tramoia, jiboia...
Mas: papéis, anéis, constrói, lençóis...
“I” e “U” dos hiatos: não depois de ditongo decrescente, salvo no final do vocábulo.
Antes; feiúra, baiúca, boiúno, cauíla...
Agora: feiura, baiuca, bouno, cauila...
Mas: juízo, saída, saúde, ciúme / tuiuiú, Piauí, bocaiú...
Hiatos “e-em”, “o-o”, “o-os”: não levam mais acentos.
Antes: lêem, vêem, dêem, crêem...
Agora: leem, veem, deem, creem...
Mas: Eles vêm (vir) à aula porque têm (ter) amor pelo estudo.
Trema: somente em vocábulos de origem estrangeira.
Antes: lingüiça, tranqüilo, freqüente, agüentar, tranqüilidade...
Agora: linguiça, tranquilo, frequente, aguentar, tranquilidade...
Mas: Mülleriano (de Müller), hübneriano (de Hübner)...
Acentos diferençais: somente em “pôde” e “pôr”.
Antes: Ele pára e péla o pêlo da porca. Ele côa os pêlos da sopa e joga pólo.
Agora: Ele para e pela o pelo da porca. Ele coa os pelos da sopa e joga polo.
Mas: Ontem, ele pôde pôr os sapatos; hoje, já não pode calçá-los por lhe doer a coluna.
Hífen
Final do prefixo e início do radical com letras iguais: com hífen!
Exemplos: contra-ataque, tele-encomenda, micro-organismo, sub-base, super-rico...
Final do prefixo e início do radical com vogais diferentes: sem hífen!
Exemplos: contraordem, teleofertas, microestrutura, autoescola...
Final do prefixo em vogal e início do radical com “s” ou “r”: sem hífen!
Exemplos: macrorregião, neorromântico, antissocial, simisselvagem, ultrassom...
Prefixo e radical iniciado por “h”: com hífen!
Exemplos: Auto-homenagem, super-herói, anti-higiênico, sub-hepático, sub-habitação...
Prefixo “sub” seguido de “r”: com hífen!
Exemplos: Sub-reitor, sub-rogado, sub-raça, sub-regente, sub-reptício...
Além, aquém, recém, sem, pós, pré, pró, vice, soto, ex (anterior): com hífen!
Exemplos: Além-mar, aquém-divisa, sem-vergonha, pré-parto, pró-reitor, vice-rei, ex-prefeito...
Prefixo “co”: com hífen!
Exemplos: coobrigação, coocupante, coirmão, coerdeiro, coautor, coordenar, cooperação...
Locuções de qualquer espécie: sem hífen!*
Exemplos: Cão de guarda, dona de casa, pé de moleque, mão de obra, a fim de, cor de vinho...
*Restaram sete: água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa.
* Em caso de dúvidas, quanto ao emprego do hífen, consultem-se sempre bons dicionários!
Na internet
A grafia correta das palavras conforme as regras do acordo podem ser consultadas no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), disponível no site da Academia Brasileira de Letras (ABL) e por meio de aplicativo para smartphones e tablets, que pode ser baixado em dispositivos Android, pelo Google Play, e em dispositivos da Apple, pela App Store.