A Manitowoc Company anunciou ontem (13) a suspensão das operações de fabricação em Passo Fundo. A queda na demanda pelos produtos da empresa, provocada pela crise instalada no Brasil, foi o principal motivo apontado pelo diretor Gustavo Weber. “Não há previsão de investimento em infraestrutura pelo governo. Tendemos a culpar as obras das construtoras, mas o que mexe no PIB não são obras particulares, mas as públicas. E essas obras não acontecem hoje”, disse. O comunicado ao mercado foi feito paralelamente à imprensa, segundo o advogado Osmar Teixeira, porque a preocupação era de informar corretamente a decisão, sem criar falsas especulações. Weber e Teixeira, acompanhados ainda do advogado Albano Busato Teixeira, percorreram os veículos de comunicação ontem à tarde para esclarecer melhor a decisão.
A empresa iniciou as operações no município em 2012 com a perspectiva de entrar em um mercado altamente promissor. A ideia inicial era que 85% dos produtos fabricados fossem vendidos para o Brasil e apenas 15% para outros países da América do Sul. Depois de um ano de prejuízos, a empresa passou a investir nas exportações e chegou a vender produtos para países como Egito, Filipinas e Indonésia. “A Manitowoc tirou emprego dos Estados Unidos antes de tirar em Passo Fundo, já que essas seriam fábricas que naturalmente abasteceriam esses mercados. Fizemos tudo o que foi possível, mas uma variável é impossível de controlar: o mercado. Essa é a única razão de sermos obrigados a parar de fabricar”, afirmou Weber. O investimento em infraestrutura realizado na fábrica de Passo Fundo foi de cerca de R$ 100 milhões. O prejuízo, no entanto, ficou perto de R$ 90 milhões.
O prefeito Luciano Azevedo e o secretário de Desenvolvimento Econômico, Carlos Eduardo Lopes da Silva participaram de uma reunião com o diretor da Manitowoc na manhã de ontem (13). No seu pedido a empresa, o prefeito Luciano Azevedo falou da importância para a cidade e da sua economia da presença operacional da Manitowoc. “Faremos o que estiver ao nosso alcance para que a empresa supere esta difícil etapa e permaneça no município, produzindo e sendo parceira no nosso desenvolvimento econômico”. Conforme o secretário Carlos Eduardo, foi feito por parte da administração um apelo forte para a empresa rever a decisão e manter suas operações. “Sabemos que é um momento difícil da economia nacional, mas temos a convicção de que fomos receptivos em nossa solicitação. A empresa investiu, o município investiu com melhorias na infraestrutura para adequação da Manitowoc e torcemos para que permaneça na cidade”, disse. No entanto, para o diretor da empresa, a decisão - puramente técnica – no momento, é irreversível. “O problema não é guindaste. O problema não é a Manitowoc. Nós estamos vivendo uma crise geral. A volta da empresa depende da retomada do crescimento da economia brasileira. Quando a economia se mostrar sólida novamente, voltaremos a fabricar em Passo Fundo”.
Funcionários
Ao todo, eram cerca de 100 funcionários trabalhando na empresa. Temporariamente, será mantido um pequeno grupo para realizar atividades de transição até fevereiro. Em longo prazo, até que a economia brasileira se reestabeleça e seja tomada a decisão de retomar as operações de fabricação, será mantida uma força de trabalho de aproximadamente 20 funcionários para sustentar as atividades relacionadas às vendas, serviços, finanças e administração que atenderão a região. De acordo com Weber, quando a empresa retomar as atividades, o pessoal dispensado será procurado novamente para voltar a fazer parte do quadro de colaboradores.
Barreiras governamentais
Para o ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Passo Fundo, Marcos Cittolin, desde que a empresa se instalou no município teve várias dificuldades burocráticas com relação ao governo federal. “Ela sofreu muitos problemas. Um deles é que a cada momento que a empresa ia importar um guindaste e agregar peças no Brasil, sofria com barreiras alfandegárias, falta de entendimento do processo que havia aprovado junto ao Estado e ao governo federal. Depois ela teve uma situação bem específica com a Lei dos Portos. Ela conseguiu nacionalizar um dos guindastes e essa lei não permitia benefícios fiscais para guindastes nacionais. A empresa, então, era impedida de participar de algumas licitações e aproveitar alguns benefícios por ter um guindaste nacional”, explicou. Além disso, algumas licitações de grandes compradoras nacionais especificavam guindastes com pequenas diferenças que beneficiavam os produtos chineses, então era mais fácil importar da China do que comprar os nacionais. “Houve uma sequência de problemas que a Manitowoc teve no Brasil e ela certamente sofreu muito nesse processo, porque trabalhou sempre com prejuízo. Não me surpreende nada ela ter suspendido até que todas essas questões sejam resolvidas. Parece que sempre se constituiu uma espécie de dificuldade para ela poder operar com tranquilidade e produzir guindastes no Brasil. Além, obviamente, da questão da crise econômica”, aponta Cittolin.
Igualdade para competir
De acordo com Cittolin, faltaram condições iguais para a empresa competir no mercado nacional. “Isso foi muito trabalhado no período em que eu estive como secretário ou mesmo depois. Tentamos sensibilizar os órgãos governamentais que tomavam tais decisões, mas me parece que nunca foi enfrentado realmente a situação de que o Brasil precisava, precisa e vai precisar sempre de uma grande indústria para esse que é um componente importante no processo de competitividade e diminuição nos custos das obras de infraestrutura no Brasil. A Manitowoc não vai sair do Brasil certamente, mas ela vai buscar as melhores condições de competir no Brasil nesse mercado, que é gigantesco”, conclui.
Impacto econômico
A informação da suspensão das atividades da empresa veio justamente em um início de 2016 conturbado economicamente. Em 2012, quando a Manitowoc instalou-se em Passo Fundo, trouxe uma perspectiva animadora para o município, com a expectativa de um processo de internacionalização. Segundo o professor coordenador da Escola de Administração da Imed, Adriano José da Silva, a decisão de suspender a produção balança a autoestima da cidade, mexe com o orgulho dos passo-fundenses, além de ser significativa do ponto de vista do contexto nacional. “Todas as grandes obras de infraestrutura nacionais são bancadas e conduzidas pelo governo federal. E todas essas obras, em função da desaceleração da economia, dos escândalos de corrupção, estão paradas nesse momento. A própria Petrobrás lançou um projeto de novo plano de negócio prevendo uma redução de R$ 32 bilhões nos investimentos. Isso tudo tem um impacto gigantesco na cadeia de produção das indústrias porque não conseguem vislumbrar em curto e médio prazo a retomada do crescimento econômico e a retomada dessas grandes obras que demandariam produtos vendidos pela Manitowoc”.
2016 ainda mais difícil
Esse foi o primeiro anúncio oficial de uma grande empresa e sinaliza que a crise será sentida com mais força em 2016. “Deveremos ter um ano tão ou até mais difícil do que foi o ano de 2015. Isso pode vir a acontecer com outras empresas, em função da restrição do crédito, elevação da taxa de juros e a redução dos subsídios, principalmente no setor do agronegócio. O impacto no setor do agronegócio na região vai reduzir o volume de vendas e comercialização em função do acesso mais restrito às linhas de crédito”, afirma.
Cronologia
As tratativas entre a Manitowoc e o governo do Estado para a instalação da unidade produtiva em Passo Fundo começaram no início de 2011. Em março, o governador Tarso Genro assinou o pacote de incentivos fiscais para viabilizar o projeto de instalação da empresa. A construção da fábrica tinha investimento aproximado de R$ 70 milhões.
O projeto de instalação de uma fabrica no Brasil, no entanto, era ainda mais antigo. Desde o ano de 2006 a empresa já estudava a implantação de uma unidade no país. No entanto, devido a dificuldades econômicas internacionais o projeto foi mantido em hibernação. A planta de Passo Fundo foi a primeira da Manitowoc na América Latina a empresa atuava com plantas industriais espalhadas entre Estados Unidos, Europa, Japão, Índia e China. O objetivo da empresa era o de fomentar novas empresas sistemistas para os guindastes fabricados em Passo Fundo.
Ainda em março de 2011 foram iniciadas as obras de terraplanagem do terreno de 45 hectares onde foi construída a unidade. Houve, no entanto, problemas com a avaliação do terreno e a obra chegou a ficar embargada, no mês de abril de 2011, até que o valor pago pela desapropriação da área fosse acertado.
No mês de abril de 2011 também foi aprovado o projeto de lei número 28/2011, de autoria do poder executivo municipal autorizando a concessão de incentivos econômicos e fiscais à empresa por unanimidade pelos vereadores. Dentro dos itens especificados pelo projeto de lei estava a autorização ao município para conceder incentivo econômico para a empresa através da doação de uma área de 450.000 m². A doação foi destinada exclusivamente para a instalação de unidade industrial sendo vedada a alienação, doação, locação, arrendamento, cedência de uso ou dação em comodato da área objeto da doação. A empresa já tinha a expectativa de inaugurar a fábrica até março de 2012.
Em julho de 2011 foi aprovado o financiamento de R$ 70 milhões via Badesul e a liberação do licenciamento ambiental pela Fepam.
Em outubro de 2011 a empresa já começava a recrutar e selecionar os funcionários da área operacional da empresa.
A inauguração da unidade de Passo Fundo foi realizada no dia 31 de março de 2012 com extensa programação e cerca de 500 convidados nacionais e internacionais. Apenas a parte de montagem dos guindastes tem área superior a 3 mil metros quadrados e vão livre com 12 metros de altura. Para transportar os guindastes, cinco pontes rolantes com capacidade de suportar até 30 toneladas foram instaladas. A empresa completava 110 anos de fundação naquele ano.
O início da produção aconteceu já em abril de 2012. Em julho a empresa já tinha previsão de produzir 44 guindastes até o final do ano. Conforme informações divulgadas à época, a capacidade total de operação deveria ser alcançada até 2017, quando a unidade produziria cerca de 300 equipamentos por ano.
Sindicato
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas, de Material Elétrico e Eletrônico de Passo Fundo enviou documento à empresa contestando a decisão, alegando “falta de consideração e compromisso com seus colaboradores e com o município do qual ela usufruiu diversos benefícios até o presente momento”. O sindicato reivindica, entre outras coisas: o vínculo de emprego com todas as condições salariais e benefícios de todos os funcionários e a garantia de que a empresa se comprometerá a contribuir para recolocar os trabalhadores no mercado de trabalho.