Nos dias 24 e 25 de outubro quase seis milhões de jovens e adultos se dirigiram para universidades ou escolas, locais onde a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) seria aplicada. Todos eles em busca de uma boa nota; alguns focados numa bolsa de estudos, outros na entrada para a faculdade. Entre todos eles, 53 mil zeraram a prova de redação e se distanciaram do objetivo. Outras 104 pessoas conseguiram o contrário: alcançaram a nota mil, ou a nota máxima, ao escrever um texto de 30 linhas. Uma delas é de Passo Fundo e não está nem em busca de uma bolsa de estudos, nem da entrada na faculdade: Dafne Dino é formada em Letras, Mestre em Literatura, é professora particular de Redação e Língua Portuguesa, leciona na Escola Municipal Santo Antônio, no Colégio de Ensino Médio e no Pré-Vestibular Garra. O seu objetivo? Testar as estratégias desenvolvidas com os alunos em sala de aula e, de quebra, se aproximar da realidade que o aluno enfrenta ao sentar em uma classe durante dois dias para enfrentar uma prova que abrange não só uma redação, mas todas as áreas de conhecimento.
De professora à aluna
Acostumada ao contato diário com alunos ansiosos e angustiados com a prova do Enem, Dafne decidiu sentar no mesmo lugar que eles durante os dois dias da prova. “Minha principal motivação foi testar as estratégias que eu desenvolvia com meus alunos, aferir com mais precisão o tempo de prova e compreender melhor o processo do Sistema de Seleção Unificada (SiSU)”, explica. A experiência, para ela, se refletiu no desempenho profissional e na aproximação da professora com o aluno. “Participar de um processo traz uma visão mais profunda e a experiência transmite segurança às pessoas com quem trabalho. Já nas primeiras provas de vestibular, prestadas como professora, a minha sensibilidade em como tratar o aluno, aspirante a um curso concorrido, desenvolveu-se muito”, adianta.
A forma de enxergar – tanto a prova como o próprio aluno – se transforma. “São detalhes como olhar para um jovem, que abdica, durante anos, de quase tudo que é natural para a idade, que sofre a cobrança dos pais e de si mesmo e dizer: “Eu conheço 1% da sua luta. Eu sei o tempo que leva. Eu sei que, na prova, você não pode ir ao banheiro e, quando vai, tem medo de desmaiar na volta.” Isso gera uma grande empatia e conexão, emoções que podem alavancar um processo pedagógico”, define. A busca por encontrar o aluno e ajudá-lo a se encontrar, para Dafne, é um fator capaz de motivar a aprendizagem. “Meu contato com os alunos é bastante intenso, desenvolvo muitos projetos que envolvem variadas expressões artísticas e isso aproxima muito as gerações. Nas aulas particulares também existe aquele espaço para perguntar para o adolescente que mora sozinho, se ele está se alimentando bem, se está dormindo, se quer ser ouvido. Depois disso, tudo ocorre melhor, um aluno angustiado, dificilmente, evolui.”
30 linhas e milhares de pensamentos
Sentada ali, em meio a outros alunos, Dafne recebeu a prova e logo buscou saber o tema pedido para a redação. “Meu primeiro pensamento foi: ‘Que tema bonito!’”. A proposta apresentada pelo Exame, “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, despertou na professora o desejo de colocar no papel tudo aquilo que já havia estudado e, mais que isso, vivenciado. “A sensação que acompanhou esse pensamento foi a de pertencimento, de desejo em escrever e de gratidão pela oportunidade. Fiquei, realmente, emocionada. Até dei uma olhada discreta ao meu redor para captar as reações das demais candidatas e tive a impressão que estávamos todas tão desejosas em discutir o tema que a tensão da prova diminuiu”, lembra. Depois de reconhecido o tema, era momento de definir o que deveria ir para o papel. “Eu comecei a selecionar dentro do meu repertório cultural, quais referências usaria como aporte para meu texto. Era tanto para se dizer em 30 linhas!”
Sobre democracia, estratégias e técnica
Entre os pensamentos que surgem diante das 30 linhas e as estratégias de escrita para garantir uma boa nota, Dafne ressalta que, apesar das críticas que a prova recebe, o Exame Nacional do Ensino Médio é, na visão dela, uma prova democrática. “As questões objetivas vão ao encontro das grandes linhas do pensamento atual, além disso todos os temas de redação foram apropriados. Ano passado a prova discutiu a publicidade destinada ao público infantil, o que foi excelente. Outro aspecto importante do ENEM é que ele possibilita o ingresso à Universidades Públicas de todo país”, elenca. Ela destaca, ainda, que há, sim, diferença do Enem para uma prova de vestibular. “Uma que pode ser destacada é o fato de ela ser avaliada a partir de cinco critérios, chamados de competências e, uma delas exige que o candidato sugira uma intervenção para o problema proposto, com um certo grau de detalhamento e que esteja de acordo com os Direitos Humanos e Diversidade. Não existe essa exigência entre os critérios das demais instituições”, comenta.