Estigma e preconceito dificultam enfrentamento do HIV

Foi construída como uma forma de controle moral

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Os estigmas e o preconceito dificultam o enfrentamento do HIV e o apoio aos portadores da doença, na opinião da coordenadora do Núcleo de Combate a Discriminação, Racismo e Preconceito da Defensoria Pública de São Paulo, Vanessa Alves Viera. “A gente observa que esses juízos [morais], especialmente no atual contexto de forte influência religiosa e retrocesso conservador em algumas áreas, impactam realmente o acesso a direitos e a essas políticas públicas”, ressaltou hoje (24) ao participar de um debate sobre o tema promovido pela própria defensoria.

Para Vanessa, os juízos morais a respeito dos portadores do vírus tanto dificultam a difusão de informações quanto atrapalham o acesso a políticas públicas acessórias ao tratamento antirretroviral. “Uma coisa que a gente observa muito lá no grupo é que os serviços estão disponíveis, muito bem estruturados, mas as pessoas têm muitas vezes uma dificuldade de se organizar para ter acesso a outros direitos também”, diz, sobre os obstáculos para acessar o mercado de trabalho ou até conseguir transporte para chegar aos serviços de saúde.

“Não é só botar uma caixa com camisinhas e fazer testagem. Tem a questão de aconselhamento, de acolhida, de discutir e dialogar”, acrescentou o defensor Rodrigo Leal da Silva sobre a importância de o apoio estar associado ao tratamento médico.

O professor da Universidade Federal da Bahia, Luís Augusto Vasconcelos da Silva, diz que a falta de informações e o estigma levam, muitas vezes, os portadores do vírus a evitar qualquer tipo de relação amorosa. “Testar e tratar, claro que é importante. Mas entre uma coisa e outra, muitas coisas acontecem. Muitas pessoas se isolam de novos relacionamentos, com medo. E isso a gente não pode negligenciar, não pode esquecer”, enfatizou.

Os preconceitos atrapalham ainda, segundo a defensora Vanessa, na conscientização de certos grupos. “A gente percebe que,  na própria difusão da prevenção, são realizados esses juízos morais. Por exemplo, de você achar que a pessoa só precisa de orientações ou do preservativo se ela está em um determinado grupo de risco, se é homem. Para as mulheres, as abordagens de prevenção são bem mais raras, vagas, pela ideia de que a mulher só vai fazer sexo se o homem quiser”.

A defensora disse que recentemente teve um exemplo desse problema ao observar o tratamento dispensado por uma unidade de internação de jovens infratoras. “Há dificuldade de tratar desse tema no sistema carcerário e em vários sistemas de internação de adolescentes. Porque há a presunção de que as pessoas que estão ali não se relacionam sexualmente”, enfatizou.

 

Novos estigmas

O defensor Rodrigo Silva alertou que ainda hoje são construídos estigmas semelhantes aos que surgiram na década de 1980, logo que a doença foi descoberta. “Antes, a Aids foi construída como um câncer gay. Foi construída como uma forma de controle moral. Existe uma carga valorativa negativa às práticas homoeróticas e isso está muito claro”, destacou.

Nesse sentido, o professor Luís Augusto lembrou do projeto de lei que pretende tornar crime hediondo a transmissão deliberada do vírus HIV, em tramitação na Câmara dos Deputados. A discussão ganhou força em 2015, após a veiculação de reportagens que apontavam para a existência de grupos que faziam apologia da contaminação a partir do barebacking, prática de sexo sem preservativo. “Em vez de criminalizar ou estabelecer uma moral normativa, podemos radicalizar na construção de novos laços de solidariedade e cidadania”, disse o professor, que estudou o tema em teses acadêmicas.

Em suas pesquisas, Luís Augusto diz que, em sua grande maioria, os homossexuais que fazem sexo sem camisinha não buscam se infectar, e vários deles buscam proteção relativa, se relacionando dessa forma apenas com conhecidos. No entanto, para o professor, houve a construção de um discurso de que os gays que têm relações sem preservativo estão abertos a contaminação. “A partir do discurso da promiscuidade, o barebacking não seria apenas aquele que pratica sexo sem camisinha, já que potencialmente pode ser qualquer um de nós, mas aquele que se aventura sexualmente com desconhecidos”, disse ao comentar que o sexo heterossexual desprotegido não é tratado da mesma forma.

A diretora adjunta do Centro de Referência e Treinamento DST-Aids, Rosa Alencar Souza, ressaltou  que há um aumento de infectados entre homossexuais. “O número de casos cai em geral. Quando você olha para os homens, ele não cai. E quando você olha homens que fazem sexo com homens, jovens, ela [infecção] está em plena ascensão”, afirmou.

Rosa acredita que deve ser feita a conscientização sobre os métodos de proteção sem aumentar o estigma sobre essas pessoas: “A gente tem que encontrar um jeito de dialogar com essas pessoas sem aumentar o estigma e o preconceito. Isso para gente é um desafio imenso”

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