O Brasil se caracteriza pela utilização de combustíveis fósseis, como o petróleo, mas desde a década de 1970 tenta reverter esse contexto, buscando alternativas mais sustentáveis e menos agressivas ao meio ambiente. Pensando nessa realidade e nas possibilidades para o futuro, a Universidade de Passo Fundo (UPF), por meio do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, está desenvolvendo o Projeto Biorrefinarias, que prevê, entre outros objetivos, a produção de microalga e uso de biomassa em aquicultura na produção de bioetanol.
O projeto intitulado “Planta piloto de produção de microalga e uso de biomassa em aquicultura na produção de bioetanol e como antioxidante” foi aprovado em 2013 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, dentro da linha para implantação de biorrefinarias. De acordo com a coordenadora dos trabalhos, professora Dra. Luciane Colla, ele tem três bases principais e envolve alunos da iniciação científica e mestrado nas áreas de Alimentos e Engenharia Ambiental, além de alunos de outras instituições que vêm aprofundar as pesquisas na área.
A escolha do bioetanol, em vez do biodiesel, se deu pela maior facilidade de cultivo de microalgas que acumulam carboidratos, essenciais para a sua fabricação. Para a produção de biodiesel, seria necessário o uso de microalgas que acumulassem lipídios. A microalga escolhida foi a Spirulina platensis, conhecida pelo seu uso na alimentação humana e animal. Com estudos voltados para antioxidantes, ela se envolve no contexto das biorrefinarias.
Segundo Luciane, se for pensada somente a produção do bioetanol, a produção não se configura como autossustentável. Por isso, a ideia do grupo de pesquisa é desmembrar a microalga, utilizando dela tudo o que for possível. “Dizemos que é uma matéria-prima que apresenta várias vantagens em relação às matérias-primas convencionais. Por exemplo, milho e cana de açúcar. São culturas que precisam de espaço, áreas de agricultura, competindo com a área de alimentos, então, poderíamos reproduzir essas microalgas em áreas não competitivas”, pontua.
De qualquer forma, sua produção ainda requer uma quantidade muito grande de água pelos tanques de cultivo, e esses aspectos são levados em consideração quando se fala em sustentabilidade. Por outro lado, o equilíbrio desse processo pode vir pelo ar. “Outro ponto positivo é que as microalgas absorvem o CO2 do ar, contribuindo para a questão do efeito estufa, podendo ainda utilizar o CO2 oriundo de termoelétricas para produção dessa biomassa. Ainda assim, pelos cálculos que os pesquisadores têm realizado, essa matéria-prima não se autossustentaria. Por isso surgiu o contexto das biorrefinarias: ao invés de retirar somente a fração carboidrato para produzir etanol, primeiramente extraímos tudo que é de mais alto valor agregado da biomassa e, depois, com o resíduo, produzimos etanol”, explica.
Envolvimento de alunos e bons resultados
A equipe tem focado os trabalhos na produção de bioetanol, na alimentação animal e na encapsulação de antioxidantes. Até o momento, já foram desenvolvidas quatro dissertações de mestrado e as ações têm trazido bons resultados na formação de recursos humanos, com a colaboração de vários professores e acadêmicos. A equipe já está na etapa de cultivo da microalga bastante adiantada e já foi realizado um trabalho de conclusão de curso na Engenharia de Alimentos sobre encapsulação de antioxidantes.
Das dissertações de mestrado já defendidas no Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Ana Cláudia Vieira Salla utilizou resíduo de soro de leite, adicionou esse resíduo no meio de cultivo da produção de microalgas e verificou como esse processo influencia na composição química. No trabalho dela, foi possível chegar a uma biomassa em torno de 60% a 70% de carboidratos. Normalmente, a Spirulina tem 60% de proteínas, então, com o estudo, houve uma inversão na composição química, possibilitando a produção de bioetanol.
A aluna Elen Rodrigues trabalhou na questão de hidrólise – quebra de compostos complexos em compostos mais simples, no caso, o amido da microalga foi transformado em glicose –, voltada para biomassa. A professora explica que antes de fazer a fermentação para a produção de etanol é necessário hidrolisar essa biomassa produzida, para transformar em açúcares simples e, posteriormente, fazer a fermentação para produzir o etanol.
Por fim, Luana Vendrúscolo trabalhou com o uso de efluente de maltaria, para seleção de espécies de microalgas e verificação de qual produziria mais carboidratos. Além disso, Francisco Magro, que já defendeu sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia, trabalhou com a questão do aumento de escala de produção, produzindo microalgas em reatores de dois litros, depois em minitanques de dez litros e, posteriormente, em tanques de 350 litros. A ideia foi observar a mudança que ocorre em diferentes níveis.
Mais de 14 pessoas estão envolvidas com a pesquisa atualmente, além de parcerias entre instituições como a Universidade Federal de Rio Grande (Furg), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) e, mais recentemente, da Universidad Autónoma de Coahuila, do México.
Construção coletiva
Graduada em Engenharia de Alimentos pela UPF, doutora em Engenharia e Ciência de Alimentos pela Furg, Ana Cláudia Margarites integra o grupo para realizar o pós-doutorado. Para ela, o projeto veio ao encontro das pesquisas realizadas por ela e a colaboração com os acadêmicos da iniciação científica do mestrado tem sido fundamental para o término da formação.
Ela ressalta que o Brasil é o segundo produtor mundial de etanol, hoje, basicamente a partir da cana de açúcar. Segundo ela, levantamentos apontam que existe uma demanda muito maior de produção. “A utilização de outras matérias-primas são de suma importância. Só que a utilização de microalgas somente para produção de bioetanol ou bioediesel, não seria suficiente para que esse projeto fosse sustentável e rentável, então, precisamos utilizar as microalgas com vários objetivos. A microalga surge como uma alternativa bastante significativa: separando os carboidratos para o bioetanol, os lipídios para produção de alimentos e biodiesel, as proteínas para a alimentação”, esclarece.