Pública ou privada?

Discussão sobre natureza jurídica da Fundação Educacional da Criança e do Adolescente vai seguir no Tribunal de Justiça do RS

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Criada na década de 70, entidade passou a ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas do Estado somente a partir de 2006Criada na década de 70, entidade passou a ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas do Estado somente a partir de 2006
Criada na década de 70, entidade passou a ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas do Estado somente a partir de 2006
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A Fundação Educacional da Criança e do Adolescente, antigo Patronato de Passo Fundo, perdeu a primeiro batalha na Justiça referente à discussão envolvendo a natureza jurídica da entidade. Na semana passada, a 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública julgou improcedente a ação movida pela instituição, e definiu a Fundação como sendo pública e não privada. O presidente Ilmo Santos informou que a direção já ingressou com recurso.
Caso a decisão em primeiro grau seja mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Fundação terá de se adequar às regras de toda instituição pública. Incluindo as realizações de concurso para contratação de novos funcionários e processos licitatórios para serviços e compras. Santos disse ter ficado surpreso com o julgamento e preocupado com os rumos da Fundação. “Somos uma entidade pequena. Com poucos recursos. Atender todas estas exigências vai inviabilizar a continuidade” prevê.

Criada em 1970, sobre uma área de aproximadamente 100 hectares, doados pelo estado, às margens da BR 285, saída para Lagoa Vermelha, a entidade surgiu da parceria do poder público com o privado, sob a denominação de Fundação Educacional do Menor. Funcionou até 2006, sendo fiscalizada apenas pelo Ministério Público Estadual, responsável pelo controle de fundações privadas.

A discussão sobre a natureza jurídica teve início neste mesmo ano, depois que o MP de Passo Fundo fez um estudo do estatuto e da lei e o encaminhou à Procuradoria das Fundações de Porto Alegre. O órgão avaliou as características e emitiu parecer entendendo se tratar de uma fundação pública. Com a decisão, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) entrou em cena e passou a fiscalizar a entidade, juntamente com o MP.

No entendimento da promotora, Cristiane Cardoso, titular da 4ª promotoria de Passo Fundo, e que acompanha o caso, a criação da fundação apresenta característica de uma entidade pública. Como exemplos, ela cita a união, à época, da Sociedade Pró-Patronato e o município; a doação de terras feita pelo estado; o pagamento de um duodécimo, durante um período, por parte da prefeitura; e o fato de o presidente da entidade ser escolhido pelo prefeito, a partir de uma lista tríplice indicada pelos conselheiros.

Com o passar do tempo, observa a promotora, estas características foram sendo modificadas e a administração da Fundação passou a ter um caráter mais privado, se distanciando cada vez mais do poder público. Com a chegada do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o nome teve de ser modificado. O abrigamento de menores no formato antigo foi suspenso ainda em 2009. O estatuto da entidade sofreu alterações em 2014.
As mudanças surtiram efeitos, mas não foram suficientes para encerrar a discussão. Em 2012, a Procuradoria das Fundações avaliou novamente o caso e reconheceu o caráter privado da instituição. Já o TCE manteve a posição inicial e seguiu fiscalizando. Diante do impasse, a direção ingressou com a ação judicial para tentar reverter o quadro. Com a derrota em primeiro grau, a briga deve seguir no Tribunal de Justiça do Estado.

 “Acontece que teve patrimônio do estado cedido. Ainda que hoje não receba verbas públicas e não trabalhe para o município, mesmo assim, a origem vincula a natureza jurídica como pública. O TCE tem razão de fiscalizar. A doutrina é dominante no sentido de que ela segue a natureza jurídica que foi constituída. Essa tese da transformação dela não é uma tese dominante, é uma luta difícil” observa a promotora.

Mantida a decisão na instância superior, a única alternativa será adequar-se às regras de uma fundação pública. Uma das possibilidades com a mudança é incluir o município como mantenedor, uma vez que a fundação é municipal. A promotora disse que o MP tem preocupação em preservar a história da entidade, por tudo que representou para Passo Fundo. Ela reconhece, num primeiro momento, a dificuldade que a direção terá para atender as exigências, no entanto, ressalta que a lei terá de ser cumprida. Caso contrário, a Fundação pode ser extinta.
“Vamos conversar com o município para ver a posição dele. A direção vai trabalhar para se adequar. Tem capacidade de se reerguer. Estão produzindo muitas coisas boas lá. Com a ajuda da comunidade conseguirá, mas o município terá que cumprir seu papel, ou então, se extingue, tem essa possibilidade” observa.
 



Diretoria tem dificuldades para cumprir apontamentos do TCE

 A Fundação Educacional da Criança e  do Adolescente estava prestes a ser leiloada quando o professor aposentado, Ilmo Santos assumiu o comando em 2007. O cenário era caótico. A entidade acumulava uma dívida de aproximadamente R$ 300 mil provenientes de ações trabalhistas e falta de pagamento do Fundo de Garantia dos funcionários. A relação com a maioria dos fornecedores estava rompida pelo mesmo motivo.

A nova direção tratou de colocar em prática um plano de parcelamento destas dívidas e a saúde financeira foi completamente recuperada. O prédio principal passou por melhorias. Sem receber doações de nenhum órgão público, a Fundação se mantém com recursos próprios. As principais fontes são os alugueis, que rendem cerca de R$ 14 mil mensais, e o arrendamento de 36 hectares da área.

A entidade mantém um convênio com a prefeitura para fornecer pão para todas as escolas e algumas instituições municipais. Sem reajuste no preço do produto e o atraso de quatro meses no pagamento, a direção já planeja produzir apenas para o consumo dos alunos que participam das oficinas. “Isto é uma prestação de serviço que ganhamos através de licitação, não é doação” enfatiza o presidente.

As dificuldades voltaram a rondar a instituição a partir das exigências feitas pelo Tribunal de Contas do Estado. Um dos apontamentos é a contratação, através de concurso público, de um contador. Santos explica que a movimentação contábil e financeira da Fundação tem pouquíssimos lançamentos no mês. “Em três horas de trabalho é possível realizar todo o serviço. Para termos um funcionário fixo, o custo mensal seria acima de R$ 8 mil”.

O TCE também apontou para a contratação de vigias. Santos argumenta que a entidade possui 92 hectares, e a vigilância é feita pelos próprios funcionários que residem no local como forma de reduzir custos. Outra exigência do órgão fiscalizador é a devolução de aproximadamente R$ 150 mil referentes ao pagamento de quinquênios aos funcionários. “Estamos pagando. Já tem ações anteriores em que a Justiça determinou o pagamento. A orientação do sindicato Senalba/RS é de que funcionários admitidos após março de 2003 é opcional, no entanto, como já ocorria o pagamento de dois funcionários, a Fundação apenas está pagando para mais dois, como ocorre em outras fundações em Passo Fundo. Temos uma estrutura pequena. Nosso estatuto é de entidade privada”.

Estrutura
A Fundação atende cerca de 140 crianças e adultos. A entidade oferece diversas oficinas profissionalizantes como costura industrial, curso de padaria, confeitaria, cozinha, eletricista, confecção de acolchoados, cobertos e roupas de crianças, manicure e pedicure, oficinais esportivas, de alfabetização e belas artes. A equipe é formada por nove funcionários.
O diretor da Fundação, Júlio César Martins Leite, disse estar confiante na reversão da decisão no TJE. Ele diz que o estatuto comprova o caráter privado reconhecido no parecer da Procuradoria das Fundações. “Durante um período, recebemos um duodécimo do orçamento da prefeitura porque o município não tinha onde abrigar os menores. Era o pagamento pela prestação de um serviço. Mais tarde esta lei foi refogada” defende.

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