A sensação das horas que não passam, o esperar por alguém que nunca mais chegará em casa, as lembranças que machucam e outras que fazem rir. Embora diversas teorias expliquem as etapas do luto, este sentimento natural ligado à perda é subjetivo e cada pessoa lida com a dor e a saudade de quem partiu à sua própria forma, dependendo de sua estrutura psíquica e as questões de ordem cultural que a permeiam. Enquanto algumas buscam conforto na fé e outras encaram o ato de deixar as memórias em segundo plano e seguir em frente como necessário, outras tantas só conseguem superar a perda lembrando constantemente que, de alguma forma ou de outra, aquele ente querido continua ao seu lado.
Não só espiritualmente ou como um sentimento que vez ou outra pesa no peito. As pessoas que já faleceram continuam existindo em servidores responsáveis manter suas atividades cibernéticas em um banco de dados, em algum lugar do mundo. No perfil de redes sociais, elas ainda vivem. Seus pensamentos, as coisas que as faziam rir, aquilo que as emocionava, as fotos que as mostravam ainda sorridentes, guardados em um baú eternizado pela digitalização. Fato é que a morte ainda é tabu e poucas são as pessoas que pensam no que acontecerá com todas suas informações disponibilizadas na internet quando deixarem de existir. Para quê se preocupar com algo que parece tão distante?
Enquanto para muitos visitar estes perfis é uma forma de saciar um pouco da saudade, para outros a exposição é motivo de incômodo. Há quem se sinta desconfortável ao saber que o perfil de algum parente continua ativo. Pensando nisso, uma das redes sociais mais populares, o Facebook, oferece a possibilidade de transformar o perfil de pessoas falecidas em um memorial. Após o processo para a confirmação de óbito, a conta não oferece mais a possibilidade de login, deixa de aparecer em abas como “Pessoas que talvez você conheça” e “Aniversariantes do dia”, mas ainda é possível postar mensagens e visualizar fotos, de acordo com as opções de privacidade configuradas pelo usuário durante a criação da conta. A princípio, a conta não poderia ser administrada por ninguém e gerava o questionamento: à quem ela pertence agora? Porém, desde o ano passado, o serviço foi aprimorado e passou a permitir que seus membros definissem um “contato herdeiro” – alguém que ficará como responsável pela sua conta após torná-la memorial, podendo publicar mensagens póstumas e fixá-las no perfil. O herdeiro pode aceitar novas solicitações de amizade, atualizar a foto de perfil e, inclusive, excluir a conta, mas não pode apagar nada que esteja nela e não tem acesso às mensagens.
Se antigamente os rituais de luto tinham a ver com vestir preto e não ir às festas, para que a sociedade pudesse reconhecer a dor de alguém em processo de perda, atualmente a rede social passou a ser uma nova forma de ritualização do luto. Doutora em Psicologia do Desenvolvimento e professora na Universidade de Passo Fundo, a psicóloga Ciomara Benincá percebe que as pessoas utilizam a rede social tanto numa forma de exteriorizar a sua dor, quanto como lápides. Ela salienta, também, que o luto não se faz presente somente na morte de alguém, ele se manifesta em perdas menores, desde a infância. Há um processo natural durante o desenvolvimento de cada indivíduo que o prepara para o luto de perder uma figura importante em sua vida. “Esse processo vem acompanhando toda a mudança na subjetividade, em sociedade, de uma maneira geral por conta da era digital, mas o uso que as pessoas vão fazer disso vai depender de como cada um vivencia o luto”. Segundo Ciomara, a possibilidade de escrever na rede social de um falecido não é o fator que causa complicação no processo de luto. Este indivíduo já teria um luto difícil, com outras manifestações, mesmo sem acesso às redes sociais. “A rede social é só mais um instrumento, ela não é determinante de um luto complicado”, complementa.
Esta modificação nas relações da sociedade com a morte se manifesta também quanto aos deslocamentos geográficos, de pessoas que moram distantes dos familiares e têm a presença física nos velórios como algo inviável. Para sanar este problema, capelas mortuárias já oferecem a opção de streaming, um serviço de videomonitoramento que permite, através de usuário e senha disponibilizados às pessoas autorizadas, o acompanhamento do velório à distância. Mas, diante de tantas possiblidades de expressão por meios online, reside também o perigo da superexposição. São facetas antagônicas, próprias da tecnologia, que só tendem a crescer. O doutor em Informática na Educação lembra que, quando alguém compartilha a perda de um ente na internet, está expondo a família a um grupo de pessoas que, muito provavelmente, não conhece o falecido e não tem uma relação forte com as pessoas que o rodeiam. “A última coisa que você pensa é na sua morte. Não somos acostumados a lembrar que quando morrermos tudo que postamos estará eternizado nas redes sociais, enquanto elas existirem, e por isso acabamos postando coisas impulsivamente”.
É comum ouvir que, mesmo depois da morte, as pessoas continuam vivas na memória daqueles que as amavam. Na era tecnológica, a realidade é um pouco diferente: elas não continuam vivas pelas histórias que contam delas, mas por suas próprias postagens, como fantasmas digitais.