Lado a lado, as três bandeiras posicionadas em frente da Prefeitura de Passo Fundo permaneceram a meio mastro nessa terça-feira (29). Eram parte de um contexto que se abateu sobre o país e, principalmente, a região: lamentavam a morte de 75 integrantes do avião que caiu a 30 quilômetros de Medellín, na Colômbia – voo que levava jornalistas, equipes técnicas e jogadores da Chapecoense, time da vizinha Chapecó (SC), para disputar a final da Copa Sul Americana.
O abatimento regional vai além da fronteira política e da pequena distância demográfica de 181 quilômetros entre os dois municípios. Passo Fundo e Chapecó são cidades parecidas; com semelhanças próprias – mesmo que cada uma em um estado federativo diferente.
De acordo com o historiador e professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), Tau Golin, as regiões das duas cidades são basicamente as mesmas, sem distinções: formaram-se, em sua grande maioria, por índios caingangues – de quem herdou-se boa parte da culinária regional, além do hábito do chimarrão e a tradição de cultivo da erva mate; ponto enfático da cultura. Outra característica de destaque é o alto índice de emigração de famílias gaúchas em direção do oeste catarinense – principalmente para Chapecó, emancipado quando Passo Fundo já completava 60 anos.
O grande motivo para essa saída foi o esgotamento de terras nas colônias do Rio Grande do Sul, como explica o historiador. “Os filhos dos imigrantes que viviam no norte do RS, já sem terra e trabalhando como operários, buscaram emprego nos frigoríficos que começavam a se instalar naquela região. Esse movimento já era realizado anteriormente pelos caboclos”, explica. A chegada na região que se formava era sinônimo de prosperidade: empresas recém-instaladas disponibilizavam lotes para os migrantes, para que ali se acomodassem e continuassem trabalhando. “Estes filhos de agricultores, por volta dos anos de 1950, já tinham experiência com abate. As empresas viram neles a mão de obra que precisavam e investiram para que ali ficassem”, ressalta o historiador.
Mesmo mais jovem, Chapecó já conta com 10 mil habitantes a mais que Passo Fundo: soma 209,5 mil. As duas cidades eram quase equivalentes em 2010: eram mais de 184,8 mil passo-fundenses e pouco mais de 183,5 mil chapecoenses. Ainda assim, as semelhanças têm maior proporção: são duas cidades pólo em saúde e educação e, igualmente, chamam a atenção pelo desenvolvimento sócio-econômico. “Essa separação entre as duas cidades é meramente política. Do ponto de vista antropológico, sociológico e cultural, fazem parte da mesma conjuntura. É uma região de caboclos, de imigrantes, povoada por uma mescla de unidades. Não existe distinção. O fato de uns serem chamados sul-riograndenses e outros santa catarinenses é mera questão de limite político”, define.
“Chapecó respira o Chapecoense”
“A primeira reação foi ver se aquilo tudo era verdade”, começa Luan Carlesso, que deixou Chapecó para estudar Medicina na UPF. “Parece mentira”, completa Janaíta Golin, que fez o movimento inverso: deixou Passo Fundo para trabalhar em Chapecó, na Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS). O clima na cidade catarinense nessa terça-feira foi bem diferente do que se costuma ver em dias comuns: movimento quase que zerado, poucas vozes, comércio pacato.
Além do luto pelas 75 mortes, os moradores também passam pela experiência da reconstrução. “No momento em que o avião caiu estava dando um temporal muito forte por aqui. Temos pontos de alagamento, pessoas que precisaram ser atendidas, além de, claro, essa tragédia. Parece que estamos com 20% do que é o movimento normal da cidade. Tem gente com a camisa do time por toda parte, algumas crianças cantando o hino. O movimento no estádio é muito grande”, relata Carlesso.
“A cidade ama o Chapecoense. É a identidade de Chapecó. Chapecó respira o Chapecoense”, confirma Janaíta. O jornalista Pablo Lauxen, que deixou Passo Fundo para também trabalhar em Chapecó, concorda com esta afirmação. “Quando eu vim para cá, senti que a cidade respirava o time. Antes sentia uma polarização muito grande entre Grêmio e Inter, como é no Sul. Nos últimos anos o Chapecoense foi subindo da Série B para a Série A e a cidade foi se envolvendo.
É impossível alguém vir para cá e não se envolver com a história do time. Tem um apelo muito forte”, conta. Pablo trabalharia em um evento neste final de semana – mas ele foi cancelado. “Não existe clima para celebração”, completa. “Eu ainda não tive coragem de sair de casa hoje [ontem, terça-feira]. Todo mundo fala que a cidade está parada, vazia. Todo mundo está tentando entender o que aconteceu. Você viu ontem os jogadores, repórteres, dando entrevista, trabalhando, e hoje percebe que isso aconteceu. É uma espécie de negação”, pontua.