Os triângulos de uma tragédia

A empresa deixou uma declaração antecipada de culpa

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Luiz Carlos Schneider

Sempre fui da opinião de que o achismo não combina com aviação. Sempre mantive uma posição contrária a uma busca por culpados, que representa uma caça às bruxas num momento de dor. O fator, ou soma de fatores, de um acidente somente será válido quando constar num relatório final. E, em algumas situações, ainda não poderá ser definitivo. Faço essa introdução como um pedido de licença, pois a obviedade me permite ingressar com lógica numa análise sobre a tragédia com o avião que transportava a delegação da Chapecoense.
A interpretação do acidente passa por um triângulo, mesmo que tenha acontecido a 1.750 km do Triângulo das Bermudas. Deve partir de um triângulo de velocidade, um recurso geométrico para calcular proas, velocidades e tempo de voo. Esse foi um dos ensinamentos do Comandante Assis Fianco, nas primeiras aulas de Navegação Aérea, que tive em 1973 no Aeroclube de Erechim. Com traços proporcionais sobre a rota inicial e o vento, resultará um triângulo com a velocidade real e a proa verdadeira, fatores básicos para preencher o plano de voo. Este é o bê-à-bá. Hoje, claro, existem sistemas modernos que calculam direitinho tudo isso. Inclusive o consumo de combustível, que pode variar de acordo com os ventos.

A base
Mas o raciocínio deve manter o ensinamento básico. Aí encontramos a base do triângulo do voo 2933: a autonomia. Além do consumo de combustível entre os aeroportos de saída e chegada, deve-se acrescer um trecho até uma alternativa e, ainda, mais um tempo de sobrevoo. Bastam duas informações para fazermos outro triângulo. O da lógica. A distância entre Santa Cruz e Medellín (2.970 km) e a autonomia linear do BAe146-220 (2.910 km). Não é necessário frequentar um curso de Ciências Aeronáuticas para constatar que acabou o combustível. Era imprescindível uma escala para reabastecimento. A própria empresa LaMia deixou uma antecipada declaração de culpa, através da solicitação feita à Anac. Os pedidos (opções por Guarulhos ou Foz do Iguaçu) apresentavam escalas para reabastecimento em Cobija, localizada no norte da Bolívia. As operações no Brasil foram negadas pela Anac e a delegação seguiu em outro voo até Santa Cruz de La Sierra, onde embarcou para Medellín. O atraso inviabilizou uma escala noturna em Cobija. Mas o reabastecimento deveria ser feito em outro aeroporto.

O vértice
Há, ainda, um intrigante vértice nesse triângulo. O comandante do quadrirreator era um dos sócios da LaMia. Era dele a decisão entre fazer uma escala ou tentar chegar sem reabastecer. Ontem, mais uma vez, a LaMia deu uma demonstração de culpa. O diretor da empresa declarou que o comandante (e sócio) poderia reabastecer em Bogotá. Ao tentar jogar toda a responsabilidade para o seu sócio, mostrou que é mais um que não teve aulinhas num aeroclube da vida. A distância entre Santa Cruz e Bogotá é de 2.780 km. O diretor da LaMia estaria propondo outra insanidade, pois restariam apenas 130 km de combustível para uma alternativa e sobrevoo. Enquanto não surge até mesmo um triângulo amoroso, outros saltitaram logo após a tragédia. A empresa que seria venezuelana utilizava um avião com matrícula boliviana. Um avião em pane seca representaria sanções à empresa. Então, surgiu a história de que houve uma “pane elétrica”. E em solo plantaram a mentira de que, antes da queda, o combustível “foi despejado”. Quem conhece um pouquinho sabe que essas duas hipóteses são piadas de péssimo gosto. E para quem não conhece nada, basta um mapa e uma régua para compreender o que determinou a tragédia. Acredito que no relatório final encontraremos outro triângulo. Serão o dos fatores determinantes: irresponsabilidade, incompetência e ganância.


“ Não é necessário frequentar um curso de Ciências Aeronáuticas para constatar que acabou o combustível


“ A empresa deixou uma declaração antecipada de culpa

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