“Hoje eu acordei mais cedo
Tomei sozinho o chimarrão
Procurei a noite na memória
Procurei em vão”
O chimarrão, como mostra a música dos Engenheiros do Hawaii, sempre foi uma boa companhia em momentos em que é preciso refletir sobre alguma coisa. Embora a tradição da roda de mate seja um símbolo da hospitalidade gaúcha, o hábito de matear sozinho tem se tornado cada vez mais comum e os motivos são vários. Entre eeles, a preocupação com a saúde e até as preferências de cada pessoa por um tipo de erva, por exemplo. Nos escritórios não é difícil de encontrar pessoas tomando chimarrão juntas, mas cada uma com a própria cuia e demais acessórios.
Na redação do jornal O Nacional, onde este texto foi escrito, é comum encontrar os colegas mateando cada um com sua cuia. Nossa editora, por exemplo, tem preferência pela erva mate do tipo moída grossa. Outros colegas preferem comprar aquela vendida à granel na fruteira do outro lado da rua, para outros a escolha é decidida pelo preço do pacote mesmo. O fato é que o chimarrão tem deixado de ser um símbolo de acolhimento e união e tem se tornado uma prática individualizada.
A jovem Laíssa França Barbieri, 24 anos, trabalha no setor de marketing de uma instituição de ensino. Apesar de dividir a sala com vários colegas, a preferência dela na hora do chimarrão é tomar a própria cuia. “Demorei para adquirir o hábito, mas quando comecei, prontamente decidi tomar sempre sozinha e não compartilhar a bebida com outras pessoas, por motivos de prevenção”, explica sobre a possibilidade de se contrair algum tipo de vírus ou bactéria em função do compartilhamento da mesma bomba.
Hospitalidade do gaúcho
O engenheiro agrônomo da Emater Regional de Passo Fundo Ilvandro barreto Mello trabalha na área de assistência técnica no sistema produtivo de erva mate. Ele destaca que o chimarrão é uma bebida típica do Rio Grande do Sul que, na sua essência, tem como principal virtude proporcionar a aproximação das pessoas. Ela estimula o convívio familiar e a conversa, além de ser uma forma de demonstrar a hospitalidade tanto aos amigos quanto aos desconhecidos, principalmente nas áreas rurais.
No entanto, as mudanças que ocorrem na sociedade passaram também a influenciar nesta tradição e passamos a ter hábitos mais parecidos com o dos nossos vizinhos uruguaios. O Uruguai compra cerca de 90% da erva mate exportada pelo Brasil e é o país que tem o maior consumo per capita de erva mate para este fim. Os uruguaios tradicionalmente tomam o mate sozinhos, cada pessoa tem sua garrafa térmica, cuia e bomba. “No Uruguai há essa intimidade maior do tomador de chimarrão”, observa Mello.
O mate solito não é uma exclusividade dos dias atuais. A bebida sempre foi uma boa companheira para momentos que exigem reflexão. Há quem prefira acordar bem cedo para poder ver o dia nascer acompanhado do chimarrão, especialmente no interior. Além da influência da rotina das pessoas, o surgimento de diferentes tipos de erva mate também influencia neste comportamento. Há ervas mais finas, moída grossa, com adição de açúcar, a erva composta de outras espécies, sabores mais suaves e mais fortes. “Toda essa série de opções de produtos no mercado cria a possibilidade das pessoas terem suas próprias preferências”, pontua.
Outras mudanças
As mudanças no hábito de tomar chimarrão, também atingiu as famílias, especialmente pelo aumento sofrido no preço há algum tempo. Mello explica que houve uma reeducação do consumidor de chimarrão que passou a usar cuias menores, a reutilizar a erva que fica intacta no topo do mate e até o reaproveitamento do mate, guardando-o na geladeira para poder ser tomado de manhã e a tarde, por exemplo. “Tínhamos um consumo ao redor de quatro quilos por mês de erva mate mate por família e em função da alteração de preço tivemos uma redução para uma média de três quilos por mês, isso representa uma redução de 25%”, observa. Agora que os preços baixaram e estabilizaram há uma retomada no consumo, mais ainda é considerada tímida.
O consumo de erva mate tem crescimento lento tanto no consumo interno quanto na exportação. Esse crescimento, segundo Mello, fica geralmente entre 0,7% a 0,8% ao ano. Além disso, em função da divulgação das propriedades da erva mate acabou influenciando positivamente no consumo de chimarrão e de outras bebidas a base da erva. Os chá mates passaram a ser mais consumidos e o tereré também tem se tornado cada vez mais comum, especialmente no verão.