Morte de Zavascki abre "um hiato" em Operação Lava Jato

O filho do ministro do STF, Francisco Zavascki, declarou preocupação quanto aos rumos da maior investigação sobre corrupção da história do Brasil, na qual o Teori Zavascki era relator

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Velório de Teori Zavascki será em Porto AlegreVelório de Teori Zavascki será em Porto Alegre
Velório de Teori Zavascki será em Porto Alegre
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Da imprensa internacional às redes sociais, a morte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, foi uma das notícias com maior destaque e a repercussão do caso agora se volta para os desdobramentos da Operação Lava Jato, da qual o magistrado era relator. Ele estava no STF desde 2012, quando foi indicado pela então presidente Dilma Rousseff para a vaga do ministro Cezar Peluso. Em 2014, com a deflagração da Lava Jato, pela Polícia Federal, e a menção de políticos com foro privilegiado por delatores, Teori passou a ser o relator na Corte da maior investigação sobre corrupção da história do país. 

 

O filho do ministro, o advogado Francisco Zavascki, disse que não está em condições psicológicas de acompanhar a comoção nacional causada pela tragédia, mas ressaltou que o Brasil perdeu um grande juiz. “Uma pessoa que não tem medo, uma pessoa que tem postura de juiz. Infelizmente, abre-se um hiato muito perigoso agora”, completou, referindo-se aos processos da Operação Lava Jato que estavam sob responsabilidade do pai.

 

O advogado disse que não cogita, no momento, que uma sabotagem tenha sido a causa do acidente que matou o pai dele, Teori Zavascki. No ano passado, Francisco chegou a publicar um texto nas redes sociais afirmando temer que algo acontecesse ao pai, que era relator da Operação Lava Jato no STF. “Eu realmente temia, mas agora isso não está passando pela cabeça de ninguém. Acho que fatalidades acontecem. Paraty, chuva. O avião arremeteu, e é isso aí. Deu zebra”, afirmou.

 

E agora?
 

Com a morte de um ministro, o Artigo 38 do Regimento Interno do Supremo prevê que os processos deverão ser herdados pelo juiz que ocupar a vaga. Ou seja, seria necessário aguardar a escolha de um novo ministro pelo presidente da República para substituir Teori e, com isso, assumir todos os processos do magistrado, incluindo os da Lava Jato. Outro trecho do regimento, no entanto, faz exceção para alguns tipos de processo cujo atraso na apreciação poderia acarretar na falha de garantia de direitos, no caso de ausência ou vacância do ministro-relator. Por exemplo: habeas corpus e mandados de segurança. Nesses casos, as ações podem ser redistribuídas a pedido da parte interessada ou do Ministério Público.

 

A presidente do STF, ministra Carmén Lúcia, tem a prerrogativa de, a seu critério, em casos excepcionais, ordenar a redistribuição dos demais tipos de processo, como um inquérito, por exemplo, que é o estágio em que se encontra a tramitação da Lava Jato no STF. Assessores jurídicos do STF levantaram também a hipótese, embora menos provável, de que os ministros possam se reunir para, inclusive, modificar o regimento e adequá-lo à situação. Por isso, eles afirmaram ser precipitado definir o que pode ocorrer com a parte da Operação Lava Jato que tramita na Corte. Quando o ministro Carlos Alberto Menezes Direito morreu, em 1º de setembro de 2009, o ministro sucessor, Dias Toffolli, herdou cerca de 11 mil processos, com exceção daqueles nos quais ele havia atuado como advogado.

 

Investigação

 

O Ministério Público Federal (MPF) em Angra dos Reis solicitou à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e ao Comando da Aeronáutica as gravações das conversas entre a torre de controle e o piloto do avião. A procuradora da República Cristina Nascimento de Melo, designada como responsável pela investigação em Angra dos Reis, solicitou também documentos relativos à manutenção da aeronave, um bimotor modelo Beechcraft C90GT King Air. A Polícia Federal (PF) e a Força Aérea Brasileira (FAB) também informaram ter aberto investigações para esclarecer os motivos da queda do avião.

 

 

Velório

 

O velório do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, será em Porto Alegre, conforme desejo da família. A cerimônia será neste sábado (21) na sede do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, onde o ministro iniciou sua carreira na magistratura e não no Salão Branco da Corte. O horário não foi confirmado. O corpo de Zavascki e das outras vítimas, mortas em um acidente aéreo, foram resgatados pelo Corpo de Bombeiros entre quinta-feira e sexta-feira (20). O acidente aconteceu no início da tarde desta quinta-feira (19), no mar na Ilha Rasa, no litoral de Paraty, no Rio de Janeiro. Além do ministro, Maira Lidiane Panas Helatczuk, de 23 anos, a mãe dela, Maria Hilda Panas, de 55 anos, o piloto da aeronave, Osmar Rodrigues e o empresário, Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, estavam no avião e também faleceram.

 

Declarações

Políticos, magistrados, juristas e organizações o meio jurídico divulgaram notas lamentando a morte do ministro e relembrando a carreira profissional dele. Veja algumas declarações.

“Confirmada a morte do querido amigo e exemplar magistrado Teori Zavascki, o ministro Luiz Fux manifesta profundo sentimento de pesar aos familiares e entes queridos do ministro, destacando o convívio pessoal e profissional que mantiveram por longos anos, no STJ e no STF, acrescentando que o ministro Teori foi e será daquelas pessoas das quais não só nos lembraremos sempre, mas antes, jamais o esqueceremos pelo bem que realizou em prol do País e da Justiça."

Luiz Fux, ministro do STF

 

“O Supremo se ressente e vai ressentir sempre da perda de um juiz como esse. Esperamos agora que o desenlace dos acontecimentos aconteça de uma maneira bem humana”

Cármen Lúcia, ministra e presidente do STF

 

"Teori era um homem íntegro, preparado e trabalhador. Perco um amigo querido, que eu recebia em casa com frequência. O Tribunal perde um juiz especialmente vocacionado. E o país perde um grande homem. Somos todos vítimas de uma trapaça da sorte".

 Luís Roberto Barroso, ministro do STF

 

“É aquele magistrado que é um modelo pra toda magistratura brasileira, de modo que o Brasil perde a magistratura brasileira, perde tanto ou mais que os seus amigos pra quem sua falta vai ser tão sentida". 

 Ellen Gracie, ex-ministra do STF

 

“Como juiz e cidadão, Teori se consagrou como um intelectual do Direito, zeloso das leis e da Justiça. Tive o privilégio de indicá-lo para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), com ampla aprovação do Senado”,

Dilma Rousseff, ex-presidente da República

 

"Neste momento de luto, manifesto eu e minha equipe aos familiares do ministro e demais integrantes do voo, meus sentimentos de pesar. Teori era homem de bem e orgulho para todos os brasileiros”.

Michel Temer, presidente da República

 

Trajetória de Zavascki

Em março de 2015, Teori autorizou a abertura de inquérito para investigar 47 políticos suspeitos de envolvimento com o esquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava Jato. O ministro negou, em maio de 2016, um recurso da Advocacia-Geral da Unão (AGU) que buscava anular o processo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff. Ao longo de sua atuação como relator da Lava jato no STF, Zavascki classificou como "lamentável" os vazamentos de termos das delações de executivos da Odebrecht antes do envio ao Supremo pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Entre suas notórias decisões relativas à operação estão a determinação do arquivamento de um inquérito contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a transferência da investigação contra o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para Sérgio Moro e a ordem de prisão do então senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), em 2015. Delcídio foi o primeiro senador a ser detido no exercício do mandato. Zavascki negou, ainda, um pedido para que investigações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estão nas mãos do juiz Sérgio Moro, fossem suspensas e remetidas ao Supremo. Além disso, em julho passado, Teori determinou a anulação da gravação de uma conversa telefônica entre Lula e a então presidenta Dilma Rousseff, que havia sido divulgada pelo juiz federal Sergio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância. Foi a primeira vez que o STF anulou uma prova da Lava Jato. 

Na decisão, o ministro entendeu que a escuta deveria ser retirada do processo porque foi gravada pela Polícia Federal após a decisão de Sérgio Moro de suspender o monitoramento. Conforme o entendimento de Zavascki, Moro usurpou a competência do Supremo, ao levantar o sigilo das conversas. No fim de 2016, Zavascki disse que trabalharia durante o recesso da Corte para analisar os 77 depoimentos da delação premiada de executivos da empreiteira Odebrecht que chegaram em dezembro ao tribunal.  Sobre as críticas recorrentes de demora da Corte em analisar processos penais, Teori disse que "seu trabalho estava em dia".

Em 17 de janeiro deste ano, Zavascki determinou as primeiras diligências nas petições que tratam da homologação dos acordos de delação premiada de executivos da Odebrecht. O conteúdo das decisões não foi divulgado em razão do segredo de Justiça imposto às investigações.

Entre os depoimentos dos delatores, figura o do empresário Marcelo Odebrecht, condenado pelo juiz federal Sérgio Moro a 19 anos e quatro meses de prisão por crimes de corrupção passiva, associação criminosa e lavagem de dinheiro na Lava Jato. Durante seu trabalho na Lava Jato, Teori chegou a criticar a imprensa. Ele disse que decisões sem o glamour da Lava Jato, operação na qual ele foi relator dos processos na Corte, muitas vezes mereceram pouca atenção da mídia. Ele também relativizou os benefícios do foro privilegiado, norma pela qual políticos e agentes públicos só podem ser julgados pelo STF.

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