Após lei de cotas, servidores aprovados em concurso serão efetivados

O município regulamentou, em 2015, lei que reserva 20% das vagas em concursos públicos para negros

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Edivânia é uma das aprovadas no sistema de cotas do município de PontãoEdivânia é uma das aprovadas no sistema de cotas do município de Pontão
Edivânia é uma das aprovadas no sistema de cotas do município de Pontão
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Nos próximos dias deverão ser efetivados os primeiros servidores públicos aprovados após a Lei de Cotas do município de Pontão – distante cerca de 40 km de Passo Fundo. O projeto é de autoria do prefeito Nelson Grasselli (PT) e a Lei nº 961/2015, que reserva, aos negros, 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos, foi sancionada em 5 de agosto de 2015. O município, com quase quatro mil habitantes, segundo estimativa do IBGE, é um dos poucos que conta com sistema de cotas em concursos públicos na região.

No ano passado foi realizado concurso público que oferecia 94 vagas. Destas, 78 eram de ampla concorrência, 11 destinadas a negros e 5 a pessoas com deficiência (PCD). A reserva de cotas é aplicada sempre que o número de vagas oferecidas é igual ou maior do que três no mesmo cargo. Após o resultado das provas, na manhã desta segunda-feira (6), oito candidatos foram convocados a realizar o ato de verificação racial.

De acordo com a secretária de Administração de Pontão, Luciane Bevilaqua, a verificação foi realizada por uma Comissão Especial, designada pela Portaria nº 599/2016. A servidora explica que oito foram aprovados nos quesitos genótipo (composição genética, independentemente da aparência) e fenótipo (características físicas). A comissão montada para avaliar não obteve conclusão quanto ao fenótipo de um nono candidato. Foi solicitado, então, os documentos que comprovassem o gene familiar (genótipo), mas o candidato não o apresentou. Os outros candidatos aprovados pelo sistema de cotas, ainda não foram chamados. Ainda, conforme Luciane, houve casos em que o candidato se inscreveu pelas cotas, mas em virtude da boa nota, foi aprovado na classificação geral.

O prefeito do município, agora em seu segundo mandato, enfatiza que no momento de criação do projeto analisou-se a importância de haver uma política que não discriminasse. Em virtude do próprio aprendizado e da capacitação, entenderam como pertinentes a valorização a questão das cotas. “Que possamos servir como exemplo, o município de Pontão, para que outros possam entender esse processo. É de suma importância, para chamar atenção da sociedade e dos demais administradores públicos para que comecem olhar com carinho para essa questão”, explana Grasselli. O município também regulamentou uma Lei que cria cota para pessoas com deficiência (PCD). O prefeito salienta que é preciso observar o potencial desse público.


Conquista por espaço
A pedagoga Edivânia Rodrigues da Silva foi uma dentre os oito aprovados por cota. Militante do movimento das mulheres negras e membro da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo, ela acredita que o sistema de cota se apresenta, enquanto política pública, como reafirmação da população negra no aspecto da educação. “Ela não vem como uma doação que o Estado ou município faz, mas ela constitui uma luta do povo negro, que durante muito tempo ficou à margem da sociedade”, analisa.

Desde o período em que os negros foram escravizados no Brasil até os dias atuais, ainda é possível verificar rastros de preconceitos, que são comprovados estatisticamente. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou que os trabalhadores de raça parda ou negra ganhavam, em média, em 2014, 58,0% do rendimento recebido pelos trabalhadores de raça branca. A mesma pesquisa apontou que em 2014, em média, as mulheres ganhavam em torno de 74,2% do rendimento recebido pelos homens.

Edivânia trabalha, na Comissão dos Direitos Humanos, na perspectiva do direito das mulheres e afirma que quando se trata dessa pauta, não é possível discutir amplamente, sem um recorte de classe e de raça. “Quando a gente faz uma memória histórica de quando a mulher negra foi para a universidade, ela vai bem depois do que a mulher branca, pela situação de vulnerabilidade que a muito tempo a mulher negra vem sofrendo”, demonstra. Ainda, traz outro exemplo que afirma a disparidade entre mulheres negras e brancas. “Quando a gente diz hoje que a mulher branca foi para o mercado de trabalho, nós mulheres negras costumamos dizer que sempre estivemos no mercado de trabalho desde quando estivemos nas casas dos senhores criando seus filhos e limpando suas casas”.

Neste contexto, a cota representa uma conquista de direitos, para que os negros possam ocupar os espaços que queiram e que antes não tinham a oportunidade de ocupar na sociedade. “Eu tenho a dimensão da cota como uma conquista de direito, de espaço e de discussão. Essa política vem também para reparar um mal que foi causado a população negra há muito tempo atrás quando você discute, por exemplo, o que foi a questão da escravidão”, explica.

Sobre a Lei de Cotas
No Rio Grande do Sul, a Lei estadual nº 14.147, de 19 de dezembro de 2012, assegura aos negros e aos pardos o mesmo percentual apurado pelo IBGE, referente a sua representação na composição populacional do Estado do Rio Grande do Sul, o número de vagas oferecidas nos concursos públicos efetuados pela Administração Pública Direta e Indireta de quaisquer dos Poderes do Estado, para provimento de cargos efetivos.

No âmbito da União, a lei federal n. 12.990, de 9 de junho de 2014, reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

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