Prestes a completar um mês, na próxima segunda-feira, o desaparecimento do ex-jogador Adair Lopes Bicca, 71 anos, segue sendo um mistério. Neste período, a polícia checou informações, analisou imagens de câmeras e ouviu o depoimento de testemunhas, mas o caso segue na estaca-zero.
Bicca sumiu no dia 20 de janeiro, uma sexta-feira. Após participar de um almoço entre amigos, a maioria ex-jogadores, em uma chácara no interior de Mato Castelhano, ele retornou de carona para Passo Fundo.
No cruzamento da rua Olavo Bilac, com a Avenida Brasil, no bairro Petrópolis, pediu para desembarcar e desapareceu.
A polícia analisou duas imagens de câmeras instaladas naquela região. A primeira delas mostra o momento em que ele sai do veículo, caminha até a esquina e virá à direita, já na avenida, sentido bairro São José. O segundo equipamento captou apenas a imagem do ex-jogador indo em direção ao meio-fio, provavelmente para atravessar a avenida. Este foi o último registro confirmado pela polícia há quase um mês.
Motorista do veículo que trouxe Bicca de Mato Castelhano para a Passo Fundo, o professor e empresário Carlos Alberto Romero, contou que, ao chegar na chácara, o ex-atleta já estava no local, juntamente com um grupo de amigos. Segundo ele, durante o almoço, Bicca não demonstrou nenhum problema aparente. “Inclusive, sentei ao lado dele, conversamos bastante, estava em perfeita lucidez. Comentei que havia assistido ao jogo entre Gaúcho e Palmeiras, no Wolmar Salton (partida disputada em 1965). Então ele deu a escalação das duas equipes” comenta o professor.
Por volta das 14h15min, Romero avisou que retornaria a Passo Fundo para trabalhar. Adair e outras três pessoas aproveitaram a carona e vieram juntos. “Ele sentou no banco dianteiro, ao meu lado. Chegou a dar uma cochilada em alguns momentos, mas normal. No trevo do bairro São José acessei pela rua Moron. Quando parei na sinaleira da Olavo Bilac, para entrar na Brasil, ele pediu para desembarcar. Perguntei onde morava, disse que o levaria até em casa. Respondeu que não precisava, então abriu a porta e desembarcou” revelou.
A suspeita de sumiço começou a ser constatada na manhã do dia seguinte. Maria de Lurdes Silva da Rosa, que divide o muro de sua casa com a do ex-jogador, há pelo menos 20 anos, na rua São João, vila Luiza, estranhou a ausência do vizinho, que mora sozinho. Conhecedora da rotina de Bicca, ela percebeu que a gaiola com o pássaro havia amanhecido no mesmo lugar, no lado de fora da casa, as venezianas das janelas estavam aberta e a toalha estendida no varal, como no dia anterior. Para ela, indícios de quem pretendia voltar para casa.
Segundo a filha, Letícia de Castro Bicca, o pai saiu de casa levando apenas a carteira de identidade e o aparelho celular. Ele deixou os cartões e uma certa quantia em dinheiro em casa. Na semana passada, Letícia consultou a Caixa Econômica Federal e não identificou nenhuma movimentação na conta do pai, que é aposentado.
Polícia investigou versão de caminhoneiro
Além de analisar as imagens das câmeras, a policia checou as informações fornecidas por um caminhoneiro de Cascavel/PR. Cinco dias após o sumiço, ele relatou que havia encontrado Bicca no restaurante de um posto de combustível, às margens da BR 285, município de Entre-Ijuís, distante cerca de 220 quilômetros de Passo Fundo.
Em depoimento à delegada Daniela de Oliveira Minetto, titular da Delegacia Especializada em Homicídios e Desaparecidos (DEHD) de Passo Fundo, responsável pelo caso, ele contou que estava no restaurante, quando por volta das 20h, um homem, com as roupas sujas, se apresentou como Adair. Disse que estava sem dinheiro e que havia sido assaltado.
O caminhoneiro então se ofereceu para pagar a janta ao suposto ex-jogador. Enquanto conversavam, ele teria desmentido a versão do assalto. Disse que havia saído de casa sem avisar. Que estava indo embora para não dar trabalho aos familiares e pretendia visitar uma amiga, na cidade de Santa Rosa.
Ainda conforme depoimento, o caminhoneiro disse ter conseguido, com outro motorista, funcionário de uma empresa de papel, de Curitiba, uma carona para Adair, até Santa Rosa. No dia seguinte, ele veio até Passo Fundo para entregar a carga. Ao abrir o site de uma rádio, leu a notícia do desaparecimento e reconheceu Bicca como sendo o homem com o qual havia se encontrado no posto. Ele relatou o caso em entrevista e, posteriormente, confirmou as informações em depoimento à polícia.
Conforme a delegada, com base no relato, os policiais estiveram no posto de combustível, em Entre-Ijuís, e verificaram que não havia restaurante no estabelecimento, apenas uma loja de conveniência. O sistema de câmeras do local tinha registro apenas externos e nenhuma imagem do ex-jogador. A polícia também entrou em contato com a empresa de Curitiba, na tentativa de identificar o autor da carona. “Eles confirmaram que fazem esta rota. No entanto, nenhum motorista da empresa teria passado por lá naquela sexta-feira” afirma a delegada.
A polícia ainda checou uma informação de que Bicca teria sido visto na cidade de Lagoa Vermelha, mas não confirmou. “A expectativa é de que a análise da quebra de sigilo telefônico nos traga alguma pista. No momento, não podemos descartar nenhuma hipótese” afirma a policial.
O que houve com Bicca?
Natural da cidade gaúcha de São Gabriel, Adair tornou-se conhecido dos passo-fundenses ao defender as cores do Gaúcho, na década de 60 como jogador e, posteriormente, como treinador. Ao longo da carreira, foi campeão estadual pelo Grêmio e jogou pelo Newell's Old Boys, da Argentina.
Conhecido pela simpatia, a fala mansa e tranquila, Bicca costuma 'bater o ponto' na área central da cidade. O sumiço do ex-jogador intriga os amigos mais próximos. “O que houve com Bicca? é a pergunta mais ouvida nas rodas de conversa. “Ele seguia uma rotina. Vinha para o centro de manhã e voltava para casa. Durante à tarde, já estava novamente com os amigos. É uma pessoa simpática, educada, humilde. Não tinha inimizades. Percebi que andava um pouco abatido ultimamente, mas como era muito reservado, não costumava falar da vida pessoal” descreve o amigo, Luis Carlos Alambrador, conhecido por Adamastor.
Quanto mais o tempo passa, mais aumenta a angústia dos familiares. Assim que soube do depoimento do caminhoneiro, a filha Letícia viajou, sem sucesso, até o posto citado por ele. Também esteve em Santa Rosa, em busca de alguma pista do pai. “Fiquei um pouco desacreditada no relato dele quando vi que não havia restaurante naquele posto. Estou muito angustiada. Não temos nenhuma resposta, nenhuma notícia. No início deste mês perdi meu avô materno, sofremos, mas sabemos onde ele está. Esta dúvida em relação ao meu pai aumenta ainda mais o sofrimento. Os dias vão se passando e nada” descreve. Letícia já espalhou cerca de 300 cartazes com a imagens e dados do pai, pela região.
As irmãs Maria de Lurdes e Dinora da Silva, não se cansam de olhar por sobre o muro na esperança de ver Adair voltando para casa. Há 20 anos elas moram ao lado da casa do ex-jogador, o qual consideram parte da família. “Todo os dias as pessoas param aqui pedindo informações sobre o caso. Recebemos muitas ligações. Não temos resposta. Não sabemos o que dizer, o que pensar. Era uma pessoa cuidadosa. Quando ouvimos a notícia do caminhoneiro foi um alívio, mas não deu em nada. Vamos seguir rezando para ele voltar” diz Maria de Lourdes.