Em novembro do ano passado, uma ação terminou na apreensão de cinco toneladas de produtos de origem animal em sete estabelecimentos, em Passo Fundo. Foi a denominada Operação Consumo Seguro, da Polícia Civil em conjunto com a Secretaria de Agricultura e a Vigilância Sanitária. Na ocasião, foram encontrados alimentos, em sua maioria carnes, impróprios para o consumo humano, com prazo de validade expirado e, em algumas ocasiões, até podre.
O fato trouxe diversos sentimentos ao consumidor passo-fundense, mas principalmente indignação e desconfiança. Uma das alternativas encontradas por muitos, foi passar a comprar carnes e outros derivados de grandes marcas, em embalagens lacradas. Já que neste caso é possível verificar o selo do Ministério da Agricultura e a validade. Nesta sexta-feira (17), após desmantelada a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, os sentimentos de indignação e insegurança voltam a acometer os consumidores.
O coordenador do Balcão do Consumidor de Passo Fundo e professor de Direito da UPF, Rogério Silva, enfatiza que as pessoas costumam confiar nestes produtos. “O consumidor se sente fragilizado, porque ele é o vulnerável nesta operação e tem uma relação de confiança com as empresas que fazem publicidade diariamente ressaltando a qualidade de seus produtos”, pontua. Com a operação Carne Fraca, desencadeada ontem pela Polícia Federal, essa relação de confiança deve ser rompida e a credibilidade que o produto tinha passa a ficar vulnerável, conforme o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios de Passo Fundo (Sincogêneros), Ivan Manfroi.
Fraudes como esta são reflexos da ambição de alguns, segundo Rogério Silva. O professor a compara com o esquema de corrupção aplicado no leite gaúcho, deflagrado pela Operação Leite Compensado. “A ganância por parte de grandes grupos não tem limites e coloca em risco a vida das pessoas. Muitas vezes, em decorrência de uma carne dessa, as pessoas podem vir a passar mal, ter necessidade de médico, de remédios, de internação hospitalar e é muito triste isso, pois quem deveria fiscalizar e garantir a saúde do consumidor está envolvido também”, avalia Silva.
O envolvimento de fiscais do governo no esquema é outro ponto que impressiona. O professor acrescenta que o estado tem a obrigação de fiscalizar esses produtos. “Isso mostra o quanto é importante que se possa ter confiança no sistema sanitário, nos órgãos que fazem a fiscalização. O que revela a investigação da PF é que os próprios funcionários públicos estão envolvidos nesse esquema de corrupção, o que acaba contaminando todo um setor e deixando cada vez mais o consumidor vulnerável”, especifica.
Nos mercados
O presidente da entidade afirma que em um primeiro momento a carne permanece nos supermercados de Passo Fundo. O que pode acontecer é um comunicado da Secretaria de Saúde ou uma determinação, por intermédio do Ministério Público, que mande recolher algum lote ou produto específico. “É complicado porque não tem como provar que o produto é ruim e por outro lado também dá para desconfiar que é bom”, avalia.
Consumidor deve denunciar
O coordenador do Balcão do Consumidor salienta que é lamentável se ter conhecimento desses fatos junto na Semana Internacional do Consumidor, e ao mesmo tempo, “é elogiável a operação da Polícia Federal que mostra como se comportam esses grandes companhias nessa verdadeira fraude contra os consumidores”.
Para os consumidores, Silva recomenda que a itens como a qualidade, a procedência e os aspectos da carne devem ser avaliados na hora da compra. Quem se sentir prejudicado pode procurar a Vigilância Sanitária, os órgãos de defesa do consumidor, em Passo Fundo o Procon e o Balcão do Consumidor, o Ministério Público e a própria Polícia Federal.
“É importante que operações como esta sejam identificadas, que os órgãos públicos realmente cumpram seu papel e o consumidor que se sentir prejudicado, que procure órgãos competentes”, finaliza o professor.
Portaria 66/2017
A Operação Consumo Seguro, foi desencadeada simultaneamente em todo o RS. Foram mais de 160 estabelecimentos fiscalizados, em mais de 30 municípios. Mais de 25 toneladas de carne foram apreendidas. Após a ação da Polícia Civil, foi criada a portaria estadual 66/2017, que regulamenta questões ligadas a venda de carnes em estabelecimentos. A portaria está em vigor desde 26 de janeiro de 2017.
O presidente do Sincogêneros relaciona a fraude a essa portaria, que torna mais rigorosa a comercialização em estabelecimentos pequenos. “Há poucos dias tivemos uma operação em Passo Fundo sobre a questão dos estabelecimentos que deveriam seguir padrões para comercializar produtos de origem animal, claramente com interesse de empresas grandes do setor. E hoje tu acaba vendo que tem um cenário diferente que reverte toda situação”, explana.
Manfroi acredita que o decreto pode inviabilizar o negócio do pequeno comerciante, uma vez que “o diferencial dele é a manipulação de carnes, trabalhar com temperados, facilitar a vida do consumidor e nesse momento, se o decreto permanecer, ele vai inviabilizar o pequeno negócio. Quanto aos grandes, aparentemente tem muita coisa para surgir porque é um assunto novo, mas que vai mexer com toda cadeia do agronegócio, principalmente na produção de carne”.