Um mundo singular

Dia Mundial do Autismo celebra a diferença e a conscientização acerca dos problemas enfrentados por aqueles que, muitas vezes, são descritos como indivíduos que vivem em seu próprio mundo

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Quando se trata do autismo, a incompreensão e falta de apoio são dois dos principais obstáculos enfrentados por quem sofre do transtorno. Estima-se que a cada cem partos, um bebê nasce com o problema, que pode se manifestar em diferentes níveis. Apesar do número elevado, a ignorância, perceptível em diversas das esferas que cercam um autista, traz urgência na conscientização acerca do transtorno, como as ações desenvolvidas no Dia Mundial do Autismo, lembrado em 2 de abril.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento cerebral, que tem causa desconhecida. Os indivíduos que sofrem deste transtorno costumam ter dificuldade de comunicação e relação interpessoal, movimentos repetitivos e alterações de comportamento constantes, como choro imotivado e episódios de agitação. “Existem níveis no autismo. No leve, o autista é capaz de desenvolver a fala no tempo certo, mas tem um pouco de dificuldade em interagir com outras pessoas. Em um segundo nível, ele apresenta uma dificuldade ainda maior de interação com pessoas da mesma faixa etária e é possível perceber um comportamento fora do padrão. Em graus mais severos, o autista nunca vai desenvolver a fala e o relacionamento com outras pessoas fica extremamente difícil. Normalmente, esses casos graves são associados à doença mental”, esclarece a neurologista do Hospital São Vicente de Paula, Ana Paula Dozza.

Para saber se a criança é provável portadora do transtorno, a fim de encaminhá-la a um especialista que realize o diagnóstico correto, os pais devem ficar atentos ao comportamento da criança desde cedo. Principalmente, à demora no desenvolvimento da fala e à dificuldade na comunicação em modos não verbais, como apontar objetos, acenar, mandar beijos e outros tipos de mímica. Crianças autistas também têm dificuldade em manter contato visual e expressar carinho. “A gente não sabe se é por uma motivação, talvez, aos agrotóxicos que estejamos sendo expostos, mas hoje em dia o diagnóstico de autismo aumentou muito”. Ainda de acordo com a neurologista, o TEA é quatro vezes mais comum em crianças do sexo masculino. A cada 70 meninos, pelo menos um é diagnosticado como autista.

Embora não exista tratamento curativo para o autismo, existem tratamentos multidisciplinares que podem auxiliar no desenvolvimento da fala e melhorar a interação psicossocial. Em alguns casos, quando há muita agitação e agressividade, o autismo pode ser tratado com medicação. Um tratamento contínuo, para toda a vida.

Auxiliando na qualidade de vida

“Ele fica no mundinho dele e não consegue se misturar com outras pessoas”, define o professor Cleiton Bona, referindo-se aos portadores do TEA. Ele é um dos coordenadores da única escola especializada no ensino para autistas em Passo Fundo, e sabe bem a importância de oferecer estímulo intelectual e psicossocial para estes indivíduos especiais, sem excluí-los da sociedade. Quando descreve as atividades da Escola Municipal de Autistas Professora Olga Caetano Dias, Bona salienta que o local serve como um espaço de apoio e reforço às crianças autistas, mas que não substitui a inclusão em escolas regulares. “Nosso objetivo é oferecer uma estrutura melhor para essa criança que tem dificuldade de aprendizagem e de relação, mas ainda é importante que frequentem a escola regular”.

A Escola de Autistas abre em dois turnos. De manhã, funcionam as turmas da educação infantil e do ensino fundamental, onde os alunos têm reforço de todas as disciplinas importantes na área educacional. No turno da tarde, as atividades estão voltadas para jovens e adultos que não conseguiram ser inseridos na sociedade a nível educacional. “Para estes jovens e adultos excluídos, a gente oferece somente oficinas. São oficinas de atividade física, psicomotora, avidez, artes, música, culinária e informática. Quem não tem condições de aprender a mexer com informática, trabalha com jogos de mesa lúdicos e jogos cognitivos”, explica Bona.

O coordenador ainda salienta que todas as atividades são desenvolvidas respeitando a individualidade de cada aluno. Por isso, as turmas precisam ter número de alunos menores que em escolas regulares, para que seja possível garantir essa atenção especial. “Atualmente, estamos com 64 alunos, divididos em turmas bem reduzidas. De manhã, algumas turmas têm de quatro a cinco alunos e outras têm dois ou três. Nas turmas da tarde, a gente costuma trabalhar com quatro alunos. Vai depender muito do nível do autismo, se são agressivos ou não e se têm um cognitivo com maior capacidade de aprendizagem”.

Projetos de inclusão

Além de coordenar a Escola de Autistas, Cleiton Bona é coordenador de extensão da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia (FEFF) da Universidade de Passo Fundo (UPF), onde dois projetos voltados ao público portador de TEA são desenvolvidos. Um deles, o “Educação Inclusiva Equoterapêutica”, funciona nas segundas e quartas-feiras, na Fazenda da Brigada Militar. Com o projeto, crianças e adultos melhoram sua qualidade de vida por meio de atividades que estimulam a convivência e aproximação com o cavalo. O projeto conta com parceria da Prefeitura de Passo Fundo, Cavaleiros do Planalto Médio, Centro de Assistência Socioeducativo (Case) e Brigada Militar.

O outro projeto se chama “Atividades Motoras Para Pessoas com Espectro Autista” e oferece exercícios aquáticos na piscina da FEFF. Neste, são desenvolvidas atividades psicomotoras, trabalhos de coordenação motora, psicomotricidade, convívio e interação social entre crianças. “Temos crianças a partir de três anos e meio participando. É muito bacana porque essas crianças bem pequenas conseguem ter um bom desenvolvimento. A gente vê o desenvolvimento deles muito rápido, por estarem sendo estimulados desde novos. A parte dos neurônios, da neuroplastia, consegue armazenar aquilo e melhorar cada vez mais. Quando passa de certa idade, fica mais complicado”, explana Bona.

Semana do Autismo

Para celebrar o Dia Mundial do Autismo, a Prefeitura Municipal em parceira com a UPF, a Escola de Autistas e Associação dos Pais e Amigos da Criança Autista (AUMA) promoveu diversas atividades de 29 de março a 2 de abril. Entre elas, esteve uma visita gratuita ao cinema, esportes da aventura no pátio da Escola com os alunos autistas (slackline, tirolesa, e outros) e piquenique na Fazenda da Brigada, com a participação de todos os alunos da Escola no Projeto de Educação Inclusiva Equoterapêutica.

Por fim, o grande evento ocorreu no domingo (2), no Parque da Gare, onde foi realizada divulgação da conscientização do Dia Mundial do Autismo. Durante a tarde, houve música, apresentação de danças, roda de chimarrão e distribuição de panfletos informativos.

Alegrias e desafios em criar uma criança autista

Pensando em ajudar outros pais ou pessoas interessadas em entender o autismo para além do seu conceito, Marco Barbiero e Cinara Machado, moradores de Passo Fundo, escreveram o livro “Mariana no Mundo dos Saltisonhos – umas palavras do autismo”. O casal é pai de uma menina de oito anos diagnosticada com autismo leve que, como brincam, “se comporta ora como uma adorável princesinha e ora como um verdadeiro bárbaro”. Na obra, retratam de forma bem-humorada, mas comprometida, a experiência de conviver com um filho autista. “A nossa intenção é divulgar o autismo e ajudar as pessoas a compreendê-lo. Percebemos muito a falta de informação sobre o assunto. Aqui na comunidade, muitas vezes nos deparamos com crianças que são autistas, mas que nunca receberam um diagnóstico do transtorno”, explica Barbiero. 

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