Escolas offline

Sem sinal de internet nas salas de aula, professores e estudantes perdem interesse por netbooks distribuídos pelo Governo do Estado

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Em julho de 2015, o governador José Ivo Sartori, acompanhado do então secretário estadual de Educação, Vieira da Cunha, reuniu dezenas de estudantes e professores, no Salão Negrinho do Pastoreio, no Palácio Piratini, numa entrega simbólica de netbooks para escolas de ensino médio da rede estadual. Denominado de Laboratórios Móveis, o projeto iniciado ainda no governo anterior, distribuiu, em três etapas, 24,6 mil máquinas para 661 instituições de ensino, 14 delas localizadas em Passo Fundo. Passados quase três anos da solenidade, os equipamentos praticamente não foram utilizados nas escolas  por uma única razão: falta sinal de internet nas salas de aula.

Melhorar a tecnologia nas escolas estava entre as metas anunciadas pelo titular da  pasta da Educação, nos primeiros meses do governo Satori. Dos três projetos apresentados  por Vieira da Cunha, dois eram de continuidade. O já mencionado Laboratórios Móveis e Um computador por aluno. O terceiro era  a aquisição de 2 mil lousas digitais para instituições de ensino que integravam o Programa Escola em Tempo Integral. O investimento total  previsto para as três ações foi de R$ 38 milhões, com recursos do Banco Mundial.

As 14 escolas estaduais de Passo Fundo listadas no programa receberam os netbooks acompanhados de armários com rodinhas para armazenar e carregar os aparelhos. Além de usar programas e aplicativos já instalados nas máquinas, o programa possibilitaria  ampliar as possibilidades de acesso ao conhecimento  em sala de aula conectado na rede via Wi-fi.

Obra inacaba

Para dar este suporte, em 2014, o então governador Tarso Genro iniciou a instalação de fibra ótica em 18 escolas estaduais de Passo Fundo, no chamado programa Reestruturação Lógica. Formadora do Núcleo de Tecnologia do Estado (NTE), Sandra Fossatti dos Santos, disse que a primeira parte do projeto priorizou a área administrativa das instituições de ensino, incluindo secretaria, biblioteca, direção e coordenação. “A preocupação era garantir uma internet de boa qualidade nestes setores para dar andamento à escola como um todo” afirmou.

A rede foi estendida para as salas de aula e o  passo seguinte seria a instalação dos pontos (roteadores) para liberar o sinal de Wi-fi. No entanto, o projeto não foi levado adiante pelo atual governo. Coordenador da 7ª Coordenadoria Regional de Educação, Olavo Santos Misturini, explicou que não foi possível manter o projeto na integra em razão das altas despesas que não estavam no planejamento do Estado. Segundo ele, para garantir uma conexão veloz seriam necessários entre 10 a 15 pontos de Wi-fi por cada escola. “Acontece que o governo teria que pagar mensalmente  um alto valor  por cada um destes pontos. Não tem dotação orçamentária para isso. Ficou em compasso de espera. Tem que se usar nas condições que tem” argumenta. Na avaliação do coordenador, também faltou um treinamento mais qualificado aos professores para aproveitar as possibilidades dos equipamentos.

A falta de uma  conexão de internet capaz de  de dar fluxo ao trabalho, desmotivou o uso dos netbooks na maioria das escolas de Passo Fundo. Na Fagundes dos Reis, as 32 máquinas recebidas permanecem como chegaram há quase três anos:encaixotadas. Diretora do educandário, Cleopatra Maria Schmitt diz que optou em manter os nets guardados porque não há sinal de internet nas salas de aula. “Os professores até tiveram treinamento. Os técnicos ficaram uns dois meses aqui fazendo instalações, passando os cabos. As salas receberam tomadas novas, mas sinal de internet que é bom nada. Não tem a menor possibilidade de fazer algum trabalho de pesquisa sem acessar o sistema” argumenta.

Situação que se mantém nos demais estabelecimentos de ensino. Na Escola Estadual Nicolau de Araújo Vergueiro (EENAV), com 1,2 mil estudantes matriculados, foram entregues 70 netbooks e dois armários. Somando os sinais fornecidos pelos governo estadual e federal, através do MEC, a velocidade da internet  é de apenas sete megabytes.

“Qualquer tentativa de uso vira um pesadelo. Imagina 30 alunos  conectando ao mesmo tempo, fica impossível” diz a vice-diretora do turno da tarde,  Maria Helena Marquetti. Segundo ela, as máquinas permanecem nos armários sem uso desde o ano passado.

Na Escola Cecy Leite Costa, considerada a maior de ensino médio na cidade, são 60 netbooks divididos em dois armários. De acordo com a vice-diretora, Marlei Biondo, alguns professores utilizam os aplicativos, mas reconhecem que as possibilidades ficam muito restritas. Professora da escola, Elisena Battistella Maidana chama a atenção para a necessidade de um treinamento técnico mais aprofundado aos professores. Também observou que, pelo valor investido no projeto, o uso teria que ser mais efetivo. “Nem todo professor tem o mesmo conhecimento nesta área. É preciso qualificar o profissional  para poder explorar o potencial da maquina ao máximo. Pelo investimento, o uso teria de ser de pelo menos três horas diárias” afirma.

Alternativa

Na tentativa de resolver o problema da  baixa velocidade da internet, a direção da escola Arco Verde foi buscar auxílio fora do Governo do Estado. O Círculo de Pais e Mestres (CPM) assumiu o pagamento de uma mensalidade no valor de R$ 294 para uma empresa fornecedora do serviço. Conforme a diretora Salete Boldori Vassoler, o sinal melhorou em alguns setores da escola, mas ainda não é suficiente para o uso dos nets em sala de aula.

Professor de língua portuguesa no educandário, Adalmir Jacobi Schaffer, depois de algumas experiências mal sucedidas com o equipamento, acabou desistindo de usá-lo. Ele diz que sem conexão a utilidade  é limitada, destinada para   produção de textos e formatação de trabalhos. “Estas seriam a segunda fase de um trabalho. A primeira parte, envolvendo a pesquisa fica totalmente comprometida. Trabalho com alunos do terceiro ano. Estão se preparando para o Enem, precisam consultar links, blogs, realizar leituras sobre os mais variados assuntos” justifica.

Schaffer revela que já tentou, inclusive, trabalhar apenas com parte da turma, em forma de rodízio, ou em duplas, para reduzir o número de acesso e agilizar a conexão, mas também não teve um resultado satisfatório. “Tem que ter muita disposição e calma. Abre a página de um e cai de outro. Fiz duas tentativas apenas e desisti”.

Na escola Mário Quintana, a supervisora dos turnos da manhã e noite, Luciane Coelho Rezer argumenta que com uma velocidade  de apenas dois megabytes, usar os netbooks é praticamente impossível. Os professores segundo ela, são obrigados a encaminhar e-mails ou outras correspondências eletrônicas da própria casa. Já os alunos, quando necessitam,  realizam pesquisas usando celulares. “Raramente os nets são usados porque o sinal é muito lento e  cai muito” justifica.

Tem internet hoje?

A dificuldade para usar a internet nas escolas estaduais de ensino médio de Passo Fundo não está relacionada apenas aos netbooks. Nos laboratórios de informática a situação é praticamente a mesma. A conexão lenta ou inexistente acaba desestimulando os professores. “Você preparara uma atividade, antecipa para os alunos, mas quando chega no dia combinado não tem conexão. Todo mundo se frustra. Tem que ter sempre um plano B na manga” diz o professor Schaffer. O próprio coordenador da 7ª CRE, Santo Olavo Misturini reconhece a dificuldade. “Infelizmente temos esta dificudade em nossas escolas, mas no momento não há previsão para resolvermos” diz.

 

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