Reformas geram instabilidade ao país

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O presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Luis Felipe Silveira Difini esteve esta semana em Passo Fundo participando do Seminário promovido pela Agert e TJ-RS sobre a relação Judiciário e Imprensa. Ele também proferiu Aula Magna na Faculdade de Direito da UPF. Pouco antes dos dois eventos, Difini deu entrevista à UPFTV onde manifestou seu posicionamento sobre as questões nacionais e a crise do Rio Grande do Sul. Crítico da gestão do atual governo, Difini tambémfoi duro em relação ao pacote de reformas do governo federal, dizendo que, lamentavelmente, elas alteram um pacto social de 60 anos no país. O Nacional reproduz a íntegra da entrevista. Acompanhe.

Como o senhor define o momento vivido pelo Brasil hoje?

Todos temos a consciência de que o Brasil vive um momento de crise. Eu costumo dizer que nós não escolhemos o momento para desempenhar, por exemplo, a presidência do Tribunal. Sabíamos que o Brasil vivia um momento de crise, mas quando eu assumi [fevereiro de 2016], não se imaginava por exemplo que iríamos ter tão rápido o impeachment de um governo. Então o Brasil vive uma situação de crise e isso de forma aguçada, porque é um governo de legitimidade limitada – pela forma que [Michel] Temer assumiu – e que está procurando fazer algumas reformas que alteram o que era um pacto social do país por 60 anos; que são as reformas Previdenciária e Trabalhista. Isso naturalmente gera uma instabilidade bastante grande.

E qual é o papel do Judiciário neste contexto?

O Judiciário assume um maior protagonismo quando os poderes políticos não conseguem desempenhar adequadamente as suas funções. Por exemplo, no processo de impeachment houve um protagonismo judiciário a nível federal. Isso sempre ocorre: no caso do impeachment, havia uma crise entre Executivo e Legislativo e o chamado a arbitrar esta crise, como em qualquer país do mundo, é o Judiciário. Mas eu creio que onde há a necessidade de maior protagonismo é quando Executivo e Legislativo não conseguem desempenhar com maior eficácia as suas funções. Quando eles estão funcionando normalmente e se resolvendo pelo canal normal, que é o do Legislativo, os problemas da sociedade, o Judiciário se limita àqueles conflitos interpessoais tradicionais.

E sobre as reformas propostas pelo governo: elas estão em um caminho correto?

Primeiro vou falar sobre a Reforma Previdenciária: não, eu não acredito que ela está no caminho correto. Eu realmente vejo que algumas coisas precisam ser revistas na questão da Previdência, porque o mundo está mudando e a expectativa de vida está aumentando. Mas esse formato que exige 49 anos de contribuição para poder se aposentar... ora, quem é que tem 49 anos de carteira assinada? Isso num âmbito privado. Também o fato de que a Reforma da Previdência deixou de fora algumas categorias como, por exemplo, os militares, ao contrário de outras. Isso gera uma ideia de que alguém está contribuindo menos para a superação das dificuldades. E com relação aos servidores públicos, já se falou “n” situações, mas acredito que o maior problema seja a regra de transição. Todos que entram nesta regra, para se aposentar com integralidade, precisam ter 65 homens ou 62 mulher. Vamos citar um exemplo: temos uma pessoa de 57 anos, que já pode aposentar. Se a reforma for aprovada um dia antes de ela cumprir suas condições, esse trabalhador vai ter que ficar oito anos a mais na função. Isso não parece uma transição razoável. Então eu acho que isso demonstra algumas dificuldades no tramitar desta reforma no Congresso. Também agrava o fato de essas reformas estarem sendo negociadas só com o Congresso, e não com a sociedade. Será que o Congresso hoje tem uma real representatividade da sociedade brasileira? Eu fico com dúvida, sobretudo pelo fato de a grande maioria dos congressistas estar sendo ou investigado, ou denunciado, ou de alguma forma sob suspeita.

Dentre os projetos que tramitam no Congresso está o de ajuste fiscal dos estados. Renegociar a dívida com estados endividados, como o Rio Grande do Sul, é uma alternativa?

Nós temos que fazer alguma coisa com relação a nossa dívida, não restam dúvidas. Eu só tenho dúvida sobre este projeto. Neste caso, eu tenho receio e quase certeza de que ele vai ser um alívio a curto prazo, mas o preço disso vai ser aumentarmos a nossa dívida e seu prazo, e criarmos um débito ainda maior para o Estado a médio e longo prazo. Eu tenho convicção de que este movimento que é capitaneado pela Assembleia Legislativa de revisão da Lei Candir é muito importante. Quando essa lei foi feita, uma das coisas que se apresentou foi a panaceia aos estados: não ia ter sobretaxa na exportação e os estados iam receber reembolso da União. Não foram. A União não regulamentou uma forma de ressarcir estas perdas e a cada ano dava uma esmola aos estados quando eles conseguiam se mobilizar e pressionar. Agora o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a matéria seja regulamentada em um ano pelo Congresso e se não o fizer, que o Tribunal de Contas faça a repartição dos valores entre os estados. Eu creio que seria importante o estado capitaneado pelo seu governador, que é a liderança no âmbito regional, realmente se unificar, dar um exemplo de unidade e reclamar este ressarcimento que temos direito. E se este ressarcimento, na pior das hipóteses, for daqui para frente, ele equivale ao valor da nossa dívida, então uma coisa com a outra se compensa. Eu tenho receio de um projeto que dá contrapartidas muito sérias e, ao mesmo tempo, só dá uma dilação. No pagamento da dívida, claro, vai dar três anos de certo alívio, mas a médio e a longo prazo a dívida vai aumentar.

Como está a relação do Judiciário com o governo do Estado? No ano passado o Estado quis mudar os repasses para outros poderes alegando o compartilhamento destas dificuldades, que acabou não passando na Assembeia.

Em primeiro lugar, a relação tanto com o Poder Executivo quanto com o Poder Legislativo, de nossa parte, se aliou ao figurino constitucional; que é uma relação de harmonia e independência. É uma relação respeitosa, mas claro que eventualmente há discordâncias e seria bom ter menos discordâncias e mais consensos, sem sombra de dúvida, em nível de estado. Não se chegou a alterar a ordem de repasse porque a matéria foi submetida pelo Governo do Estado, unilateralmente, sem diálogo prévio, e acabou rejeitada pela Assembleia Legislativa, que tem a competência constitucional para tal. Então não chegou a ser alterado. Teve somente uma alteração na forma da proposta que cortaria em 15% o orçamento dos outros poderes, o que acabaria inviabilizando-os totalmente. De 13 folhas, íamos conseguir pagar 10 – e não é nem atrasar, é não pagar. Isso teria um efeito total nos nossos serviços. Por exemplo, nomeação zero. Tivemos ano passado 296 aposentadorias e hoje faltam no judiciário do RS mais de dois mil servidores e agora é que conseguimos nomear 200 servidores e 200 estagiários, o que repõe minimamente. A própria comarca de Passo Fundo foi contemplada com alguns servidores. Se passasse a proposta do governo, obviamente que isso jamais se cogitaria. Aí obviamente nossos serviços iam piorar. Ainda há pouco foi dito que quer se retomar o nível de educação que nós tínhamos. Se começar a cortar, cortar e cortar, isso pode acontecer com a Justiça. Nós temos hoje um nível bom comparativo a outros estados, assim como já tivemos na educação – e não queremos perdê-lo. 

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