O Brasil tem acompanhado, assustado, as notícias recentes envolvendo a cracolândia em São Paulo e as polêmicas ações realizadas, entre elas as internações compulsórias dos dependentes químicos. Em Passo Fundo, a situação enfrentada por muitas famílias e pessoas não é diferente. O consumo da droga continua crescendo, assim como os pedidos de internações hospitalares para desintoxicação. Atualmente, do total de internações solicitadas para pessoas com dependência química, um quarto é relacionado a menores de idade. O crack tem efeitos tão devastadores que é capaz de mudar as percepções do mundo e de si, além de alterar o comportamento de tal forma que a pessoa se torna incapaz de discernir sobre a própria situação.
Diariamente, a Secretaria Municipal de Saúde recebe entre quatro e cinco pedidos de internações de usuários de drogas. Deste total, um quarto é de pedidos para internação de menores de idade. De acordo com a promotora de Justiça Clarissa Simões Machado apesar de esses jovens serem encaminhados para tratamento, o ideal seria que duas importantes fases fossem oferecidas localmente: a internação compulsória para desintoxicação e a de atendimento prolongado em comunidade terapêutica. “O crack é uma droga extremamente destrutiva e que vicia nas primeiras oportunidades de uso e, portanto, dificilmente vai conseguir tratar o dependente químico em crack sem ele passar pela fase de desintoxicação compulsória, mediante internação em regime fechado e contenção contra fugas”, argumenta.
Conforme a promotora, as crianças e adolescentes que precisam de internação para desintoxicação são encaminhadas para o Hospital de Carazinho. Se precisarem de atendimento prolongado em comunidade terapêutica, são encaminhados para outros municípios. “O município não deixa de ofertar, mas como oferta fora, ao meu ver, isso traz prejuízos sérios no que diz respeito à participação do familiar no tratamento e também no que diz respeito ao segmento que o serviço ambulatorial que é oferecido pelo CAPS i”, enfatiza. Para ela, mesmo que as equipes de atendimento local entrem em contato com quem atendeu a criança ou o adolescente nas primeiras fases do tratamento ainda assim não é o ideal. Da mesma forma, o número de profissionais e as oficinas oferecidas precisariam ser revistos.
Conforme a promotora, o constante número de pedidos de internação encaminhados pelo Ministério Público, além daqueles que nem chegam ao órgão, são preocupantes. “Frente a isso tudo, empiricamente pensando, o que se conclui é que a situação está fora de controle, não temos meios minimamente condizentes para tratar um problema de tamanha complexidade”, avalia.
Internação involuntária
A defensora pública, Elis Regina Taffarel, é uma das três que atuam na área. Ela observa que o número de pedidos é expressivo e cada vez maior. “A maioria dos casos é por dependência química em relação ao crack, temos pedidos para outras drogas lícitas e ilícitas, mas a maioria é dependência por crack”, reforça. Nos casos de internação compulsória, entre o pedido, a decisão do juiz e a liberação da vaga, o período médio de espera é de um mês. “Não vejo grandes dificuldades. Encaminhamos e, geralmente, o juiz defere a condução coercitiva inclusive para avaliação se é o caso de internação ou qual o tratamento a ser determinado, os pedidos geralmente são deferidos”, pontua.
Após a decisão, os pacientes são incluídos na fila de leitos que, na visão dela, ainda não são suficientes para atender a demanda. Existem casos em que é avaliada a situação e a necessidade de internação, o CAPS insere na fila de leitos e quando a vaga é liberada e a equipe faz a busca do paciente muitas vezes eles não são encontrados. “Em muitos casos eles estão em situação de rua e perde-se aquele leito, e a demora às vezes também acontece em relação a isso”, pondera.
90% de internações são por crack
A coordenadora de Promoção à Saúde e secretária adjunta de Saúde, Eliana Bortolon, explica que nos últimos anos se observou um aumento no número de pedidos de internação de usuários de drogas. Diariamente, são entre quatro e cinco pedidos que chegam à secretaria. Deste total, cerca de 90% são relacionados ao uso de crack. Além disso, um quarto dos pedidos é de encaminhamentos de adolescentes e jovens. Em Passo Fundo, apesar do Hospital Municipal Dr. César Santos manter leitos para atendimento psiquiátrico a partir dos 12 anos, muitas internações não podem ser feitas aqui por não haver leitos com contenção de fuga. Esses casos são, geralmente, encaminhados para Carazinho.
Eliana explica que o sistema de internação hospitalar é regionalizado e quem regula esses leitos é o Estado a partir da 6ª Coordenadoria Regional de Saúde. As avaliações são feitas pelos profissionais que atuam nos três Caps. “Sempre que encaminham para internação, a pessoa é incluída no SISREG, e a partir daí o Estado nos disponibiliza o leito em hospitais gerais”, reitera ao avaliar que hoje não faltam vagas para internação. “Há alguns anos esperávamos meses para leito, hoje, com essa política de descentralização e regionalização, temos leitos em sete a dez dias depois de solicitado”, justifica.
Hoje, nos três Caps, são realizados em média 1,2 mil atendimentos por mês. No Caps Ad são 348 usuários cadastrados no serviço, em atendimento; no Caps i são 350 usuários cadastrados no serviço, em atendimento; e no Caps II 200 pessoas em atendimento.
Leitos para saúde mental
Hoje, cerca de 50% dos leitos do Hospital Municipal Dr. César Santos são utilizados em atendimentos de saúde mental de pacientes a partir de 12 anos. Ele atende tanto pessoas que procuram ajuda, quanto internações por ordem judicial. O Hospital já tem um projeto arquitetônico de ampliação elaborado e as obras devem ser iniciadas nos próximos meses. O projeto inclui a criação de uma ala para atendimento em saúde mental que deverá manter 12 leitos permanentes.
A polêmica internação compulsória
O psiquiatra Jorge Carrão explica que, apesar da polêmica, as internações compulsórias são um grande recurso terapêutico para ajudar as pessoas. Ele explica que há muitos questionamentos que estão sendo feitos quanto ao livre arbítrio dos sujeitos usuários de droga. Ele enfatiza que os direitos humanos e de escolha devem ser sim defendidos, no entanto, o crack é uma substância tão poderosa que é capaz de causar alterações químicas e modificações no funcionamento cerebral. “Isso nos leva a uma situação que a pessoa não tem uma noção real do seu estado e isso pode trazer consequências muito graves”, alerta. Essas consequências implicam em alterações na percepção do mundo, de si mesmas e da própria condição. “Ele não tem noção do que se passa com ele. E pode seguir nesse rumo inexoravelmente até ter uma complicação grave de saúde ou até a morte”, explica.