“Agora conseguimos ter uma noite inteira de sono”, relata um dos moradores da rua General Netto. Ele, que preferiu não se identificar, comemora o primeiro mês em vigor da lei que proíbe o consumo de bebidas alcoólicas nos espaços públicos de Passo Fundo. A escolha pela não-identificação não vem do acaso: a perturbação ao sossego público chegou a um ponto tão crítico nos últimos meses que muitos dos moradores da região relatam ter recebido ameaças após denúncias. “Depois da lei melhorou muito, pelo menos uns 90%. Claro, ainda vemos gente bebendo nas ruas, mas não tem mais aquela algazarra”, relata outra moradora, sob a mesma condição. “Acredito que se a fiscalização seguir do modo que está, teremos bons resultados até o verão, que é quando tem mais movimento”, completou ela, que perdeu a conta de quantas vezes discou o 190 para denunciar o barulho à Polícia.
Em 30 dias, as principais ruas do centro - Independência, Moron, General Neto e General Osório - receberam cinco intervenções da Coordenadoria de Fiscalização e Brigada Militar. No total, 18 pessoas foram multadas. Destas, quatro ingressaram com pedido de recurso - o que é possível acontecer em até 15 dias depois da autuação. O coordenador da fiscalização da Secretaria de Finanças, Jorge Pires, afirma que até o momento só foi registrada uma resistência de parte do autuado. “Ele estava embriagado, mas não teve violência”, lembra. Ainda assim, os três fiscais da Secretaria só trabalham com o auxílio da BM. “Sem [eles] não tem como ser feito. Na última semana não fizemos [a operação] porque eles estavam sem efetivo. Acreditamos que agora, a partir do retorno do BOE, as operações voltem ao normal”, apontou Pires. De qualquer forma, ele relata ter sentido mudança no comportamento de quem circula pela Independência desde o anúncio de vigência da lei. “Já na segunda operação vimos que diminuiu bastante aquela perturbação que se via antes. Na última que fizemos até tirei fotos, porque parecia outro lugar. Não era mais a Independência que víamos desde o final do ano passado”, completa.
“Agora é manter”
O presidente da Associação de Amigos e Moradores do Centro (AMAC), José Rodrigo Santos, ressalta a importância de manter as operações com regularidade na cidade. “Temos acompanhado o trabalho dos fiscais e, realmente, os pontos com maior registro de perturbação não existem mais”, disse ele. Por enquanto, como afirma, não foi identificada migração para outros espaços. “Agora a nossa luta continua para evitar que a fiscalização caia no desuso. Tomamos como exemplo a lei que proíbe fumar em espaços fechados. No começo até teve gente que se negou a cumprir, mas hoje é constrangedor você acender um cigarro em um lugar assim”, comentou. Neste sentido, a defesa é por uma mudança de cultura na cidade. “A partir das multas, vamos educando e, consequentemente, mudando a cultura. Isso não acontece de uma hora para outra”, terminou. Para completar, a AMAC está produzindo 20 mil panfletos informativos sobre a lei para distribuir nas faculdades e escolas estaduais do município. Esta é uma parceria da entidade com o Ministério Público, o Conselho Tutelar, a Brigada Militar, Polícia Civil e Agenda 21. Os próprios moradores do centro devem arcar com a impressão, que passa a ser distribuída a partir da semana que vem.
O que diz a lei
Na prática, a autuação funciona da seguinte forma:
#1 O agente que presenciar a infração deverá estar, preferencialmente, acompanhado de duas testemunhas devidamente identificadas. É junto delas – e de preferência no mesmo local da infração – que deverá ser lavrado o auto de infração (a multa);
#2 O auto de infração deverá ser claro e preciso, sem entrelinhas, rasuras ou emendas. Deve mencionar os dados do infrator, local e data da infração e descrição dos produtos apreendidos.
#3 Não tem escapatória. Quem se recusar a assinar este documento vai recebê-lo por via postal com Aviso de Recebimento.
#4 Se os infratores não forem identificados, os agentes deverão lavrar um auto onde consta esta informação.
E a multa?
Se você for pego, prepare o bolso. De acordo com a lei, na primeira autuação a multa é de 50 UFM (Unidade Fiscal Municipal) – o que significa um gasto de R$ 167,57. Caso seja autuado novamente, o valor sobe para 100 UFM – ou R$ 335,15. Se houver uma terceira vez, são mais R$ 502,72 (150 UFM). O dinheiro arrecadado vai para uma conta específica do Fundo Municipal de Prevenção às Drogas (FUNPRED). Além da multa, a bebida do usuário também vai ser apreendida. Tudo deverá ser descartado, já que se trata de um produto perecível.
Medidas tomadas
Os estabelecimentos também sentiram a diferença. De acordo com o gerente de um deles, Antônio Prates, como a mudança fez com que o consumo se resumisse a área interna, houve ampliação no negócio: a empresa aumentou o espaço para receber os clientes. “Também ajudou a filtrar o público. Aumentamos o espaço porque sabíamos que esta lei entraria em vigor e, por isso, resolvemos ampliar o nosso ambiente”, disse. Outro debate também se destacou nos últimos dias: a própria AMAC denunciou ao MP sobre uma série de pedidos para extensão de gradios nas calçadas em frente a bares e restaurantes. Segundo a entidade, ações do gênero são desculpa para burlar a lei. No documento endereçado ao promotor Paulo Cirne, a entidade pede fiscalização por parte da Secretaria de Transportes e Serviços Gerais para que os donos dos estabelecimentos cumpram a lei. Neste caso, a referência é para a legislação municipal nº 3.051/1995, atualizada em 2013 (nº 5.032).
Além de desobedecer aspectos da lei, a AMAC chama a atenção ao fato de que, com a extensão para as calçadas, os clientes poderão beber na rua sem prejuízo ou risco de multa. Isso por que, de acordo com a lei que regulamenta sobre a proibição do consumo de álcool em vias públicas, é possível beber nos entornos dos estabelecimentos – o que pode gerar variadas interpretações. Prova disso foi o surgimento de novas solicitações para instalar uma extensão no passeio público: foram três pedidos desde julho, além das renovações. A própria Coordenadoria de Fiscalização da Secretaria de Finanças solicitou que nenhuma licença fosse liberada para evitar o descompasso da lei. “Aumentou o número de pedidos de licença. Por isso chegamos a solicitar que nenhuma fosse liberada para evitar que se burle a legislação”, pontuou Pires, na ocasião.
Como afirmou o secretário municipal de transportes e serviços gerais, Cristian Thans, inúmeros estabelecimentos já possuíam a autorização para os espaços, mas a tendência é que a procura aumente. “Sem dúvida, até por conta da fiscalização, muitos que não tinham vieram solicitar. Se tudo estiver ok, cumprindo as formalidades da lei, não temos porque não autorizar”, disse ele. Thans também definiu que a secretaria toma o cuidado de autorizar a instalação nas calçadas onde sobre, no mínimo, 1m10 de passagem ao pedestre.