Um novo século, um novo modelo paternal

Mudanças sociais influenciaram, ao longo das últimas décadas, em significativas mudanças nas famílias brasileiras. Entre elas, a função e o papel do pai

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Professor Ginez de Campos, economista e doutor em sociologia e docente do IFCH e da FEAC da UPFProfessor Ginez de Campos, economista e doutor em sociologia e docente do IFCH e da FEAC da UPF
Professor Ginez de Campos, economista e doutor em sociologia e docente do IFCH e da FEAC da UPF
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Discutir o papal do pai na atualidade é um tanto quanto complexo. Se num passado não tão distante a figura masculina tinha a responsabilidade de ser o provedor financeiro da família, hoje o conceito de paternidade vai muito além. Em um mundo onde as novas configurações familiares são cada vez mais comuns, ser pai é um desafio diário que implica no conhecimento das necessidades básicas de quem mais precisa desta presença: os filhos. Em poucas palavras, vale aquele dito popular: não basta ser pai, tem que participar.

A mudança do conceito paterno começou a ser acentuada no século XX em função de várias mudanças que aconteceram na sociedade. A professora do curso de Psicologia da Imed, Me. Susana Konig Luz, explica que na época da industrialização, o papel do pai era fornecer suporte econômico à família. No entanto, mais recentemente, os pais foram requisitados a se envolver com seus filhos e emergiu no final dos anos 70 o papel do “pai nutridor” que exercia papel ativo na vida das crianças. “O grande boom para as mudanças ocorridas nas famílias foi a entrada da mulher para o mercado de trabalho, isso, sem dúvida, provocou um crescimento dos cuidados paternais e impulsionou um maior envolvimento do pai no desenvolvimento dos filhos, por outro lado, devido às demandas contemporâneas, ainda temos o modelo individualista e competitivo, que faz com que os pais se ausentem da vida dos filhos, abrindo espaço para “outros pais” no cuidado e atenção  dos mesmos , quais sejam, um avó ou um tio”, detalha.

Menos diferenças

Além disso, os avanços científicos deste nosso século, cada vez mais, tem apagado as diferenças imaginárias entre homens e mulheres, pais e mães na contemporaneidade. “Por conta disto, cada vez mais, a função paterna tem papel importantíssimo na formação da personalidade da criança. O exercício desta função pressupõe muito mais do que a presença física e sim uma presença atuante junto às demandas e sentimentos da criança e isso vai além da mera ocupação de papeis sociais de mãe ou de pai e independe de sexo ou gênero”, salienta a psicóloga. A partir dessas mudanças das famílias e a atuação diferenciada do pai que participa mais diretamente da criação dos filhos, são construídas novas definições das atribuições masculinas no que se refere à paternidade. “O pai tornando-se mais comprometido nas interações familiares favorece o desenvolvimento de uma imagem nova de si mesmo”, avalia.

Desconstrução do modelo tradicional de família

Ainda de acordo com a professora, apesar dessas mudanças contemporâneas no exercício da parentalidade, a responsabilidade pela criação dos filhos ainda é atribuída, sobretudo, às mães. “O exercício da parentalidade está passando por uma transição entre o reconhecimento da importância da participação do pai no desenvolvimento da criança e a manutenção de papeis tradicionais do pai como ajudante da mãe nos cuidados e educação do filho. A família também está passando por transformações nestas últimas décadas. Hoje temos inúmeras configurações, recasamentos, famílias monoparentais, uniões homoafetivas com filhos, paternidade ou maternidade socioafetivas, mas a função paterna continua sendo de essencial importância, assim como a materna, pois não se trata exclusivamente do pai biológico, mas de uma construção simbólica que vai impactar no desenvolvimento psíquico da criança”, argumenta. Para isso, é necessário desconstruir o que era conhecido como família tradicional ou patriarcal para deixar entrar a diversidade e suas implicações, quais sejam, construir novos lugares e exercer novos papéis.

Que pai é você?

Hoje o pai não é apenas o biológico. Existem vários tipos de paternidade no mundo contemporâneo: o pai biológico, o pai judicialmente responsável, o pai social e o pai psicológico.  A professora Susana esclarece que o pai biológico refere-se à origem biológica da criança: o homem cujo esperma fertilizou o óvulo. O jurídico é o pai legal da criança, ele é a pessoa que estabeleceu a paternidade legal, que implica em certos direitos e deveres legais dados a ele. O pai social é o homem que divide seus dias com a criança, morando junto com ela e respondendo pelas necessidades diárias da mesma, entretanto não é o pai biológico. Já o pai psicológico é o homem que estabeleceu um relacionamento próximo e recíproco com a criança, morando ou não com a mesma, mas, em todos os eventos ela se refere a ele como pai, assim, o termo psicológico refere-se ao relacionamento ou ao vínculo entre a criança e o homem, e a partir daí este tipo de pai ou paternidade poderá ser acessado com sentido de pai.

Reorganização da sociedade e a mudança das famílias

O professor da UPF, economista e doutor em sociologia Ginez de Campos reforça que a virada do século XX pode ser caracterizada pela decadência do modelo familiar centrado no patriarcado, o que fez com que a família perdesse sua rígida hierarquia baseada na preponderância e dominância masculina. “O prolongamento da família nuclear dependia, neste modelo patriarcal, da resignação histórica das mulheres e dos filhos à autoridade masculina. A crise deste modelo de família aos poucos foi acontecendo a partir do ingresso da mulher no mercado de trabalho, por conta também das reivindicações do movimento feminista, dos métodos anticoncepcionais e da possibilidade mais frequente do divórcio. Estes fatores em seu conjunto foram desmoronando gradualmente este modelo de família no qual as decisões estavam basicamente centralizadas na figura paterna”, rememora.

De acordo com ele, nos dias atuais as relações entre homens e mulheres estão mais igualitárias, e neste sentido a provisão financeira da família passa a ser uma responsabilidade partilhada entre homens e mulheres. “A figura masculina do pai provedor financeiro e da mãe ‘dona de casa’ e cuidadora dos filhos é hoje em dia um modelo familiar em completa superação. A vida financeira e emocional da família requer o envolvimento do casal e não apenas de um dos cônjuges”, reitera. Para ele, a responsabilidade na educação dos filhos também precisa ser devidamente partilhada entre pai e mãe, e neste sentido é necessário entender que a figura paterna precisa se envolver de forma participativa diante das necessidades materiais e emocionais dos filhos. “A paternidade se faz incompleta quando ela se restringe apenas ao sustento financeiro da família”, enfatiza.

A(s) nova(s) família(s)

O professor destaca que hoje estamos vivendo um momento de muitas mudanças sociais e comportamentais que afetam a principal instituição social da sociedade: a família. Isso tem reflexos também na figura paterna. “As chamadas ‘novas configurações familiares’, ao meu ver, acabam afetando em muito o papel fundamental da figura do pai, vinculada portanto ao gênero masculino. Me parece que estamos vivenciando uma fragilização da "figura paterna" e de seu importante papel na vida emocional dos filhos. Alguns estudos sociológicos se baseiam na constatação de que uma proporção cada vez maior de famílias sem pai (pais ausentes) é um dos fatores a explicar a grande diversidade de problemas sociais, desde o aumento da criminalidade até o aumento dos gastos públicos de assistência social para a infância”, explica.

Não existe ex-filho

Conforme Campos, mesmo em casos de pais separados, é preciso compreender que o que existe de fato são "ex-maridos" e "ex-esposas", mas nunca existirá a figura de "ex-filho". “Portanto, um dos maiores erros cometidos pela figura paterna em muitas situações é esquecer do cuidado emocional e material dos filhos após o divórcio. Muitos estudos no campo da psicossociologia sugerem que a principal questão, não é se o pai (figura paterna) está presente fisicamente, mas o quanto ele se envolve emocionalmente na vida familiar e na criação dos filhos. Em outras palavras, o mais importante é a qualidade do cuidado, da atenção e apoio emocional que os filhos recebem do pai mesmo depois do divórcio”, enfatiza. Para o professor, não se pode relativizar o papel da figura paterna na família. “A figura do pai é tão importante quanto a mãe. Nenhum deles poderá substituir o outro, ambos exercem papeis profundamente distintos, mas que são complementares na vida emocional e sexual dos filhos”, conclui.

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