Os milhares de livros retirados do lixo pelo papeleiro Valdelírio Nunes de Souza, conhecido como seu Chicão, continuam espalhados pelas prateleiras da biblioteca comunitária montada por ele, mesmo depois de nove meses do seu falecimento. Dois cartazes colados em um dos pilares que sustenta o recinto, com indicações para não rasgar os livros e não fazer barulho, mostram a preocupação em preservar aquilo que foi deixado por Chicão. No entanto, os esforços podem ser perdidos se uma solução para abrigar o acervo não for encontrada. É que o pavilhão que se divide entre biblioteca e habitação para a família do papeleiro pertence ao Estado, e a viúva de Chicão, Antônia Lima Silva de Souza, teme que a família seja obrigada a deixar o local.
Além do medo de ser despejada, em dezembro do ano passado, um mês depois da morte do marido, a falta de recursos para custear as despesas da família fez com que Antônia precisasse vender a uma empresa de reciclagem parte das obras literárias do acervo que Chicão construiu nas quase três décadas que dedicou à reciclagem. Comovidos com a situação, voluntários iniciaram uma campanha nas redes sociais, na tentativa de encontrar uma solução definitiva para o caso. O ato resultou na realização de uma reunião com o secretário de Gestão da Prefeitura de Passo Fundo, Diórges Oliveira, o secretário de Cultura, Pedro Almeida, e o secretário de Educação, Edemilson Brandão, onde foi estabelecido que o poder público ampliaria o espaço físico da Escola Municipal de Ensino Fundamental Guaracy Barroso Marinho,para abrigar um museu em homenagem ao papeleiro e o acervo bibliográfico deixado por ele. Enquanto as obras não fossem transferidas para um novo espaço, ficou estabelecido que Antônia não venderia as obras, desde que, em troca, a família recebesse alguma ajuda financeira mensalmente.
Hoje, mais de oito meses depois da reunião, apenas uma parte do acordo foi concretizada: a prefeitura encaixou Antônia em um programa de trabalho remunerado, mas o projeto de ampliação da Escola Guaracy Barroso não saiu do papel. A viúva queixa-se sobre não saber o que fará com os livros, caso precise deixar o pavilhão. “Eles não me falaram mais nada, não me procuraram, não sei o que vai acontecer”. Um dos voluntários que encabeçaram a campanha, o professor Ironi Andrade, também lamenta o descaso do município e diz que, passado tanto tempo desde a reunião e da respectiva promessa, ele continua abastecendo a família, mensalmente, com uma sacola de alimentos, mas que, do Poder Público, nunca mais recebeu qualquer retorno. “Aguardo tão somente completar-se o aniversário anual da promessa e, então, abandonarei a causa, deixando a responsabilidade sobre o caso totalmente a quem não tem demonstrado o menor interesse em resolver o problema, o Município de Passo Fundo”, declara.
Sem respostas
A redação de O Nacional entrou em contato com a Secretaria de Educação, mas a equipe não soube informar a respeito do andamento do projeto de ampliação da escola e da construção do museu e da biblioteca em homenagem ao papeleiro Chicão. A Secretaria de Cultura informou que tentaria localizar o projeto e averiguaria o andamento da proposta, no entanto, até o fechamento desta reportagem, não houve qualquer retorno.