A tão aguardada reunião para o início das negociações das obras de recuperação do edifício Gralha, na rua Olimpio Loss, Cohab I, se transformou em pesadelo para os 16 proprietários dos apartamentos. Durante o encontro de terça-feira à noite, no ginásio esportivo do bairro, o engenheiro contratado pelas famílias apresentou o resultado do laudo de vistoria. Na conclusão do estudo, a situação do imóvel foi classificada como risco crítico. Diante da constatação, a única alternativa recomendada pelo especialista foi a demolição do prédio.
Com quase quatro décadas de existência, a situação do edifício Gralha começou a ter repercussão no início do ano passado, depois que alguns moradores procuraram a imprensa e mostraram a quantidade de rachaduras espalhada pela laje, escadarias e paredes. Baseado em um laudo técnico, o qual já apontava graves problemas estruturais e o risco de desabamento, a prefeitura, juntamente com o Corpo de Bombeiros, interditou o local por tempo indeterminado. Os 16 moradores tiveram de desocupar os apartamentos e buscar outra moradia. Passado mais de um ano, a maioria deles segue pagando aluguel.
Na esperança de abreviar a condição de inquilino e voltar para suas casas, eles se reuniram e decidiram contratar os serviços de um escritório de engenharia para elaboração de um laudo completo sobre as reais condições do Gralha. Durante 90 dias, o engenheiro civil, Eduardo Madeira Brum, especialista em projeto, execução e controle de estruturas e fundações, examinou minuciosamente cada detalhe da edificação, inclusive, a cobertura com uso de um drone. O resultado, segundo ele, foi 'assustador'.
Conforme o engenheiro, o Gralha tem prolemas na fundação, revestimento e também no material utilizado, já sem vida útil. Num curto espaço de 60 dias, foram feitas três medições e constatado que prédio baixou sete milímetros, além de sofrer inclinação de quatro centímetros em uma das fachadas. O laudo também aponta material inadequado, como no caso de tijolo de seis furos, que não tem função estrutural, usado na fundação e na região da escadaria. “Hoje o prédio está sem móveis, não tem pessoas circulando. As escadas estão todas escoradas. Este escoramento é que está mantendo o prédio em pé. A gente não tem como precisar quando vai acontecer, a não ser com a utilização de outros equipamentos. Colocar alguém lá para para fazer a recuperação é um risco muito grande. Temos que priorizara vida”, disse Brum.
O engenheiro evita fazer comparações com a obra realizada há quase 40 anos, dizendo que naquela época não havia as normas existentes hoje. No entanto, afirma nunca ter se deparado com uma situação semelhante. “ Foi uma surpresa muito grande o que a gente encontrou lá dentro. Conseguimos constatar isso através da inspeção, de ir lá e ver o que tinha”.
“Nós emudecemos”
Mesmo sem saber o resultado do laudo, os moradores já sonhavam com uma data de retorno para casa: 16 de janeiro de 2018. Este seria o dia da entrega das chaves, simbolizando a conclusão da obra. O prazo havia sido estipulado pela pessoa que faria a restauração do Gralha, num contato prévio com os moradores. A presença dele na reunião de terça-feira, reforçou ainda mais a certeza de que sairiam dali com uma solução bem encaminhada. O rapaz chegou a distribuir alguns cartões da empresa construtura.
Na apresentação do laudo, Brum utilizou um data-show, com recursos de vídeos, fotos, textos e explicações. Conforme o trabalho avançava, a riqueza de detalhes técnicos revelavam uma situação caótica. A informação de que não havia mais possibilidades de recuperar o prédio silenciou a sala. “Nós emudecemos. Ontem (terça), era o dia da minha realização. As lágrimas vieram, não aguentei”, definiu Raquel da Rosa Eli, 64 anos.
Primeira moradora do Gralha, a aposentada levou 25 anos para quitar o financiamento do apartamento 4 A, no segundo andar. Ansiosa em voltar a morar no edifício que já foi considerado modelo no bairro Cohab, na década de 80, ela se antecipou em buscar recursos para pagar o conserto ao construtor, cujo valor ainda não havia sido orçado. No sábado passado, familiares e amigos realizaram uma ação beneficente e arrecadaram cerca de R$ 2 mil com a venda de cachorro-quente. “A gente já vinha pagando o trabalho do engenheiro. Fiquei muito preocupada em não ter dinheiro para pagar o construtor, aí as pessoas me ajudaram. Agora sabemos que não voltaremos mais para lá”, disse emocionada.
Com a interdição do prédio, Raquel teve de se mudar para a casa da filha, distante cerca de duas quadras. Já a irmã, Rose Rosa, 60, que morava no apartamento ao lado, segue pagando aluguel. Umas responsáveis pela mobilização dos moradores, ela disse ter deixado vários móveis e objetos no apartamento. “Não tive tempo de tirar minhas coisas. Saímos do edifício na mesma época eu que nosso pai faleceu. Foi um momento muito difícil. Acredito que vamos encontrar uma solução, com ajuda dos amigos” revelou.
Ação segue na Justiça
Advogada das famílias, Katiane Gehlen disse que o processo segue tramitando na Justiça Federal contra a Caixa Econômica Federal. Ela ingressou com um pedido de antecipação de tutela, para pagamento de aluguel social aos moradores e conserto do prédio (antes da apresentação do laudo), mas o pedido foi negado pela Justiça e a defesa recorreu no Tribunal Federal. Segundo ela, A Caixa já foi aceita como parte no processo. Katiane afirmou ainda que três moradores ingressaram na Justiça com o pedido individual de seguro e que dois deles foram negados. Presente na reunião, o vereador Saul Spinelli (PSB), que acompanha a situação dos moradores desde o ano passado, afirmou, após apresentação do laudo, que o estudo precisa ser levado até o Ministério Público Federal e Justiça Federal. “É uma situação delicada, mas vamos fazer o possível para que estas 16 famílias não fiquem sem moradia”. Segundo Katiane, o documento de 43 páginas, será imediatamente anexado ao processo.
O que disse a CEF
A Caixa Econômica Federal já havia se manifestado, através da assessoria de comunicação, sobre o caso. Na oportunidade, declarou que a construção e financiamento aos mutuários do edifício Gralha, foram realizados pela Companhia de Habitação do Estado do Rio Grande do Sul (Cohab), e não pelo banco. Disse ainda que, entre os anos de 1999 e 2002, a Cohab, que já se encontrava em processo de liquidação, cedeu ao banco créditos a receber de financiamentos habitacionais por ela concedidos, sendo 14 contratados do edifício Gralha, mantendo a propriedade dos imóveis. Contratos estes, que de acordo com a Caixa, encontram-se inativos.