Desde a última semana, os supermercados e hipermercados são considerados como atividade essencial da economia. A mudança, que foi publicada no Diário Oficial da União na quinta-feira (17), confere, ao setor, segurança jurídica para contratar seus funcionários e negociar com prefeituras e sindicatos a abertura dos estabelecimentos aos domingos e feriados, em todo o Brasil. A mudança de status, que parece algo simples, divide opiniões e pode gerar impasses com os trabalhadores.
Em Passo Fundo, um acordo firmado em convenção coletiva entre os funcionários e a classe patronal, proíbe o uso de mão de obra em um domingo por mês. Ainda que o decreto nacional tenha sido publicado, as coisas não deverão mudar neste ano no município. Isto porque o Convenção Coletiva tem validade até dezembro de 2017. Após esse período, poderá haver negociação.
O presidente do Sindicato dos Comerciários, Tarciel da Silva, frisa que o decreto não foi bem recebido pela categoria e que a medida é um agrado aos patrões. “Os governos são comprados pela burguesia, por donos de empreiteiras, por donos de frigoríficos. Neste país se compra deputado, senador, presidente, ministro do Supremo [Tribunal Federal]. Essa medida não é nenhuma novidade para nós, depois de aprovada a reforma trabalhista”, analisa.
O comerciário relembra de do inciso I da Lei 11.603/2007, que autoriza “o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal”. O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios (Sincogêneros) de Passo Fundo, Ivan Manfroi, ressalta que são três instrumentos que regulamentam a autorização de mão de obra em domingos: a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a convenção coletiva e a legislação municipal.
Em Passo Fundo, a Lei 3562, de 5 de janeiro de 2000 define que o horário de abertura e fechamento do comércio é livre, salvo a abertura em domingos e feriados que deve ser definida em convenção coletiva. “O acordo não proíbe a abertura dos estabelecimentos, a única coisa que ele regulamenta é que não pode utilizar mão de obra. Todas as empresas familiares estão abrindo e tentando evitar de deixar o cliente na mão”, ressalta Manfroi.
O presidente da classe patronal frisa que o acordo foi firmado em um momento de “apagão de mão de obra”. “A gente não estava conseguindo contratar pessoas para trabalhar em supermercado. A gente perdia funcionários para a construção civil, para a indústria, que tinham jornadas de segunda a sexta-feira, por um salário praticamente igual. Então nós pensamos em dar um benefício a mais que é a questão do domingo, pelo menos um no mês com folga. O momento mudou, a questão da mão de obra não tem mais a mesma carência”, pontua. Manfroi informa que o Sincogêneros está em negociação com o sindicato laboral e o item que trata do trabalho aos domingos está dificultando o acordo.
Tarciel da Silva afirma que o Sindicato dos Comerciários não pretende abrir mão da conquista de não trabalhar um domingo por mês. “Mais uma vez mostra que só a categoria junta vai conseguir barrar isso”, diz. O presidente dos Comerciários garante que vai chamar os trabalhadores em assembleia para discutir as reformas que estão sendo aprovadas pelos políticos em Brasília e para rever o reajuste da data-base, que é abril, e até agora não houve negociação.
Crise econômica
Questionado sobre a possibilidade da abertura de novos empregos caso ficasse autorizado o trabalho em todos os domingos do mês, Ivan Manfroi diz que o momento econômico dificilmente permitiria a contratação de mais funcionários. Sobre as vendas no setor, o presidente pontua que o retorno ainda não é o esperado pelos empresários. “Está estável, algumas empresas estão repetindo o valor nominal do ano passado, algumas estão abaixo, algumas estão explorando segmentos diferentes no setor que estão com crescimento nas vendas. O que percebemos é que parou de cair. Está começando a normalizar. Tinha-se uma ideia que 2016 seria um ano ruim e 2017 iria melhorar, mas não foi isso que a gente encontrou”, conclui.
A mudança de status
Segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, a mudança da norma atende a uma solicitação feita no ano passado pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) e é um pleito antigo do setor varejista. Para o ministério, a alteração na legislação melhora o ambiente de negócios, dá mais competitividade ao segmento, permite o crescimento das empresas e, consequentemente, a geração de emprego.
A legislação que reconhece as atividades essenciais da economia brasileira, o Decreto nº 27.048, de 1949, não menciona expressamente supermercados em seu anexo, apenas pequenos mercados, como peixarias e padarias. “Todas essas atividades foram incorporadas ao sistema do supermercados. E o fato de não estarem inseridos no rol de atividades essenciais fazia com que houvesse uma necessidade de negociação para que pudesse exercer sua atividade em domingos, feriados e horários especiais”, disse o secretário de Comércio e Serviços do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcelo Maia.
O secretário explicou que os municípios têm autonomia para legislar e que o funcionamento do varejo está sujeito a negociações, mas agora isso passa a ser legalizado automaticamente. “O decreto evita questionamento na justiça depois. Dá segurança ao supermercadista de poder contratar seu funcionário e alocá-lo para trabalhar em domingos e feriados”, disse Maia. Ele acrescentou que as normas de remuneração dos funcionários seguem a legislação trabalhista.
“Nós estamos modernizando [a legislação], não só em favor dos empresários, mas do povo brasileiro, que quer ir ao supermercado no feriado e nos fins de semana”, disse o presidente Temer, após assinar o decreto.
Para Temer, os atos e reformas do governo federal estão modernizando o ambiente econômico e produtivo para o país voltar a crescer. “E o comércio varejista nos dá uma medida clara de como anda a economia, porque o varejo é o último elo de uma cadeia de produção e distribuição. Do varejo, vai para o cidadão, e os números do setor são expressivos”, disse o presidente.
Ele ressaltou que o comércio varejista teve o terceiro mês consecutivo de aumento. “Significa que as pessoas voltaram a consumir, sinal de que a economia se recupera e volta a gerar empregos.”
De acordo com dados da Abras, os supermercados representam 83,7% da comercialização de produtos de primeira necessidade. Para o presidente da entidade, João Sanzovo, o decreto faz justiça ao setor supermercadista. “Desde seu surgimento em 1953, o setor evoluiu, mas a legislação não acompanhou essa evolução. Agora seremos reconhecidos como atividade essencial que somos. O decreto está fazendo justiça para os consumidores que precisam se abastecer nos feriados e domingos e tínhamos muitos obstáculos para satisfazer a demanda em alguns lugares do país”, disse.
Conforme dados do setor, existem cerca de 89 mil supermercados no Brasil, que empregam mais de 1,8 milhão de pessoas.