Violência na escola: responsabilidade coletiva

Caso de professora agredida em Santa Catarina reacende debate sobre os papeis dos agentes envolvidos a começar pela família

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Marcia Friggi postou em sua página no facebook relatos da agressãoMarcia Friggi postou em sua página no facebook relatos da agressão
Marcia Friggi postou em sua página no facebook relatos da agressão
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Uma professora foi agredida por um aluno na última semana. Em sua página no Facebook, Marcia Friggi descreveu a violência: “ele estava com o livro sobre as pernas e eu pedi: - coloque seu livro sobre a mesa, por favor. - Eu coloco o livro onde eu bem quiser. - As coisas não são assim. - Ahhh, vai se f****. - Retire-se por favor. Ele levantou para sair, mas no caminho jogou o livro na minha cabeça. Não me feriu, mas poderia. Na direção eu contei o que tinha acontecido. Ele retrucou que menti e eu tentei dizer: - Como, menti? A sala toda viu. Não deu tempo para mais nada. Ele, um menino forte de 15 anos, começou a me agredir. Foi muito rápido, não tive tempo ou possibilidade de defesa. O último soco me jogou na parede”. O fato foi no município de Indaial, no interior de Santa Catarina. 

 

O post, que havia superado os 350 mil compartilhamentos ainda na terça-feira, fomentou o debate acerca das violências na escola. Quatro a cada dez professores afirmam já terem sido vítima de violência no ambiente escolar. O dado é da pesquisa Violência nas escolas: o olhar dos professores, realizada em São Paulo pelo Sindicato do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e pelo Instituto Data Popular e divulgada em 2013.

 

Os números são consequência de um sistema que desrespeita o docente, conforme o presidente do 7° Núcleo do Cpers Orlando Marcelino. “Essa realidade, que a gente encontra, é fruto de vários processos que levam à desvalorização dos professores que faz com que as pessoas, principalmente os educandos, percam o respeito e acabam levando até à agressão. É uma agressão individual, mas que tem reflexos de todo processo social do que acontece no país, principalmente por causa do tratamento dos governos em relação aos educadores, fazendo com que a gente esteja submetido a esse tipo de violência”, argumenta Marcelino.

 


O Brasil está no topo do ranking de violência em escolas segundo levantamento mundial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado em 2014. Mais de 12% dos professores brasileiros afirmaram sofrer intimidação ou agressão verbal pelo menos uma vez por semana. Foram analisados 34 países e nos demais essa média ficou entre 3,4%. A pesquisa foi feita com mais de 100 mil professores do ensino médio e fundamental.

 


Na publicação, a professora se dizia dilacerada. Ela lamentou pela situação de desamparo em que se encontram os professores brasileiros e por este ser um fato recorrente. Em Passo Fundo, a categoria recebeu a notícia com indignação, conforme o professor e membro da diretoria do Centro Municipal de Professores (CMP), Eduardo Albuquerque. “Agressão a professores tem sido uma constante pelo Brasil a fora e, inclusive, aqui em Passo Fundo já tivemos relatos de agressões físicas a professores e que demonstra claramente o nível no qual chegamos. Primeiro com relação à estrutura da educação que hoje é oferecida e segundo ao nível de violência que se instalou na sociedade brasileira em que professores, que deveriam ser respeitados pela importância que têm no contexto social, são atacados fisicamente”, defende Albuquerque.

 


Um caso local

Uma dessas agressões teve como vítima a diretora da Escola General Prestes Guimarães, localizada no bairro São José. Professora de química, física e matemática há 28 anos, Teresinha Aparecida Rodrigues Hermes nunca havia passado por uma situação como aquela vivida em abril de 2016. “Eles estavam brigando no pátio da escola, a gente tentou separá-los. Veio o monitor e me ajudou. Nós estávamos trazendo eles para a sala da vice-direção para entender o motivo da briga. Um deles foi tentar bater no outro e acabou me agredindo. Já trabalhei com meninos de rua, convivi todo tipo de adolescente infrator e nunca sofri ameaça e agressão e aqui na escola aconteceu isso”, relembra. O aluno tinha 11 anos.

 

Muito além dos números e fórmulas, o amor pelo ofício levou Teresinha para dentro das salas de aula. “Eu amo a profissão que eu tenho. É muito doído [quando acontecem casos de violência] porque a gente trata eles com muito amor e carinho. A gente faz o possível e o impossível para passar questões como amor, solidariedade, valores e, muitas vezes, a gente não consegue. Ao mesmo tempo eu me sinto muito feliz porque hoje eu tenho filhos de alunos que hoje são alunos ou estão representando minha escola. Isso é muito gratificante. A gente sabe que se consegue salvar um, dois de 100, já é uma grande coisa”.


Sem estatísticas

A violência na qual Teresinha foi vítima não é passível de dados mais precisos. Tanto o Cpers quanto o CMP não têm números dos casos registrados em Passo Fundo. “Não temos dados porque muitos casos não vão para estatísticas. São agressões morais e verbais e ficam dentro da escola. O professor muitas vezes não faz um registro policial e isso não aparece nas estatísticas e as coisas parecem que estão muito bem, mas não estão. Nosso problema de dados é que as coisas não são levadas adiante”, esclarece Albuquerque.

 


O presidente do 7º Núcleo do Cpers afirma que o sindicato não tem permissão para divulgar os casos, que acontecem tanto na rede estadual quanto municipal, pela necessidade de preservar a vítima, que em muitos casos não quer ser identificada. Esse anonimato geralmente está associado a um constrangimento, segundo Eduardo Albuquerque. Essa situação é descrita, entre os pares, com o termo mal-estar docente*. “Nós temos uma questão de estrutura das escolas que não contempla a realidade. Temos um ataque direto aos salários. Os colegas do Estado há três anos não recebem e ainda têm os seus salários parcelados. No município tivemos assalto e um sequestro há alguns dias. A falta de segurança afeta o professor. Há um mal-estar docente que advém de toda estrutura e que não é decorrente só da questão salarial, mas de todas as outras questões que envolvem a desvalorização do trabalho”, alerta.

 


A Secretaria Municipal de Educação alega que não se tem registro de casos de agressão física a professores. Em situações semelhantes à visualizada em SC, é aberto um inquérito para investigar o fato e, se comprovado, descobrir a origem da violência, de acordo com o titular da pasta, Edemilson Brandão. A reportagem de ON questionou o número de casos na rede estadual, mas a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) não respondeu às solicitações.

 

É uma agressão individual, mas que tem reflexos de todo processo social do que acontece no país, principalmente por causa do tratamento dos governos em relação aos educadores, fazendo com que a gente esteja submetido a esse tipo de violência - Orlando Marcelino, presidente do 7° Núcleo do Cpers

 


Violência psicológica e moral é mais recorrente


“Tu não tens medo lá fora? Eu sei onde tu moras. Eu sei qual é o teu carro”, essas são intimidações recorrentes nas escolas conforme a diretora da Escola Prestes Guimarães. “É comum. Sempre tem um que faz ameaça. Nós tivemos uma ameaça de agressão com faca há alguns anos”, relata Teresinha. Marcelino e Albuquerque confirmam que a violência psicológica a qual os professores são expostos é mais presente no cotidiano do que as agressões físicas. “A agressão psicológica tem sido bastante frequente. Muitas vezes não é identificada e também não noticiam tanto quanto a agressão física”, frisa Orlando Marcelino.


Nesses casos, os conflitos são resolvidos no ambiente escolar, conforme a pasta de Educação. “É o papel da escola tratar questões como violência psicológica. São questões de convivência dentro do espaço público, em que muitas vezes acontece desacato ao professor, uma reclamação, uma exaltação. O papel da escola, por ser um local público que reúne diferentes pessoas de diferentes origens, é trabalhar esses conflitos. A escola é plural, universal e inclusiva. Dentro desse espaço sempre vai acontecer uma discussão mais acirrada, algo que possa provocar uma exaltação dos ânimos, mas é tratado dentro da escola, não há uma intervenção externa”, explica o secretário de Educação do Município.
Além disso, Brandão reitera que é importante esclarecer o que é violência. “A violência, que muitas vezes é retratada pela imprensa, não é violência e sim característica natural de uma faixa etária”, afirma. Quando por exemplo um aluno dirige um palavrão a uma professora é preciso levar em consideração que ele é adolescente. “Ele responde de uma maneira aparentemente agressiva, mas não é agressividade. É característica natural de uma faixa etária. Ele não vai responder com gentileza para a professora. Ele vai responder da maneira que ele costuma responder, como nós costumávamos responder quando éramos adolescentes. Isso não é violência”, frisa o secretário.

 

 

* Para conferir a matéria completa, leia a edição de O Nacional desta segunda-feira (28).  

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