Quem você salvaria se um meteoro estivesse prestes a atingir em cheio o planeta Terra? Nas duas telas destinadas à pintura do Slam, tinha desde rinocerontes até pizza e vídeo games. A atividade da 8ª Jornadinha, que aconteceu no fim da manhã de ontem (5), envolveu tinta, cor e muita interação. Em resumo, o Slam é como uma batalha de arte: artistas se reúnem e desenham juntos sobre um mesmo tema em uma única ou mais telas. Mas no palco principal da Jornada, no espaço Ariano Suassuna, algo diferente aconteceu: o público foi dividido em dois grandes grupos para que os próprios alunos participassem da atividade.
De um lado, ficaram os artistas Roger Mello e Daniel Kondo – ambos representando o grupo ‘Yow!’. O time oposto era o ‘Miau!’, liderado pelos ilustradores Ivan Zigg e Mariana Massarani. Os dois “gritos de guerra” foram escolhidos pelos próprios estudantes que interagiam na plateia. Escolhido na hora, o tema era sobre um suposto fim do mundo: um meteoro estaria vindo para a Terra e seu alvo era exatamente a lona da Jornada. “Vocês, caros ilustradores, precisam salvar alguém. A pergunta é: que personagens vocês colocariam em uma nave para salvar toda a raça humana em outro planeta?”, jogou o coordenador Volnei Canônica. Depois da contagem regressiva, os ilustradores alternavam a arte na tela: quando a plateia gritava ‘Yow!’ ou ‘Miau!’, quem estava pintando precisava parar tudo que estava fazendo para dar espaço ao companheiro da equipe. Para ajudá-los, subiram ao palco oito alunos que se dividiram em quatro para cada lado.
O que você escolheria?
Não faltou tinta para contar a história. No decorrer da atividade, todos acabaram desenhando juntos nas duas telas da “batalha”. “E agora, gente?! Como a gente vai escolher o melhor se todo mundo desenhou nas duas telas?’, questionou Volnei para a plateia. “Então eu quero palmas para todo mundo”, comandou ele. As duas telas cheias de tinta e desenhos foram ovacionadas pelos mais de 2 mil adolescentes presentes. Entre as ilustrações estavam personagens do imaginário infanto-juvenil, como o Batman e o Capitão América, por exemplo, além de caracteres de livros como o Senhor dos Aneis. Tinha também coisas comuns aos jovens: símbolos e ícones de redes sociais – como os emojis, por exemplo – vídeo game, televisão, livros, animais (aves, gatos, cachorros, girafas, rinocerontes, etc) e até alimentos, como frutas e, principalmente, pizzas.
No fim, cada um dos integrantes dos dois grupos pôde relatar aquilo que imaginou para contar as histórias desenhadas no papel. Tudo foi livre: eles iam observando os elementos do papel e contando no microfone. Timidez passou longe: todos os alunos estavam a vontade falando para o público. No grupo ‘Yow!’, a história começou com uma bruxa que teria enfeitiçado um livro e mandado todo mundo para o planeta Júpiter. Aí, então, nenhum deles estava na Terra quando o meteoro destruiu tudo. Mas isso, claro, só foi descoberto no fim da história. “E depois disso tudo, ainda descobriram que os dinossauros não foram extintos da Terra. Eles estavam na verdade escondidos lá em Júpiter porque tinham previsto que tudo isso ia acontecer”, falou no palco o estudante da Escola Básica Municipal Natureza, de Concórdia, Wesley Finger. Já no grupo ‘Miau!’, o protagonista foi o Capitão América. No fim, todos os personagens estavam construindo uma indústria bélica de chapéus para que o personagem Kevin salvasse o mundo. “Foi muito legal”, disse Kevin Lúcio, aluno da Escola Municipal de Ensino Fundamental Antonino Xavier, aqui de Passo Fundo.
Ilustração em festa
O Slam não é muito comum no Brasil – a Jornada, pode-se dizer, é uma das pioneiras no gênero. Antes disso, os artistas Mariana Massarani e Roger Mello já haviam participado juntos anteriormente em uma feira literária de Xangai, na China. “Fizemos juntos algumas vezes por lá porque chamavam a gente para desenhar sozinho, mas não tinha muita graça. Aí surgiu este novo modelo, que é muito bacana. No final, além do desenho ficar maravilhoso, você entra em contato com os adolescentes, as crianças, aquele ilustrador que você conhece, mas nunca trabalhou junto; e todos viram amigos”, disse Mariana enquanto ainda limpava os pingos de tinta que ficaram pelo rosto e braços. Ela também elogiou os alunos que subiram ao palco. “Todos descolados, bem resolvidos. Uma menina logo começou a desenhar com um traço super rápido, firme. Muito legal”, contou. O ilustrador Ivan Zigg também se surpreendeu com a destreza dos alunos escolhidos. “Essa ideia de dividir em dois grupos deu uma ideia de animação, de gincana, algo mais jovem. É legal a gente mostrar como desenhar também é uma atividade que pode ser colocada para fora. Desenhar também é contar história. Isso que aconteceu aqui foi incrível, porque envolveu os alunos, fez com que eles se reconhecessem em quem estava no palco. Os dois times estavam ótimos. As versões das histórias foram melhores ainda”, riu. Para Zigg, a experiência foi interessante porque somou-se a leitura da imagem. “Ler também significa ler imagens, criar desenhos. Melhor ainda quando é em conjunto, quando temos pessoas em volta. Isso cria uma motivação, todos unidos por um mesmo objetivo”, completou.
Ilustrador
O ilustrador passo-fundense Daniel Kondo confirma a teoria da importância da coletividade. “Quando vi o resultado fiquei muito feliz porque não foi nada combinado. A gente soube o tema quente, na hora, e tivemos que improvisar. Sabemos que a arte do improviso é muito importante. Quando os alunos subiram e vieram trabalhar com a gente, conseguimos estabelecer um discurso horizontal: nós somos como vocês e vocês são como nós: artistas. O que mais emociona no Slam é tornar essa relação possível entre o artista e o público que nos assiste”, disse. “A Jornada tem uma importância nacional para que todos possamos pensar não só a narrativa ficcional de texto verbal, mas também a de narrativa visual. Na prática, isso tudo é tirar o livro da estante e trazer para a vida, para o cotidiano”, completou Roger.
Programação da Jornadinha
No último dia da Jornada, estão previstas mais duas edições do Slam: uma às 10h30 e outra às 15h30, depois da apresentação da banda Roudini & os Impostores e do espetáculo ‘Jornada de Livros e Sonhos’, da Cia da Cidade. Assim como foi na quinta-feira, a sexta é reservada para os alunos do 6º ao 9º ano das escolas públicas e privadas de toda região. Nas tendas da escritora Clarice Lispector – Yara, Malazarte, Negrinho do Pastoreio e Curupira – segue o rodízio de autores nas conversas com alunos. Participam os escritores Felipe Castilho, Renata Tufano, Heloísa Prieto, Luiz Antônio Aguiar, Pablo Morenno, Edson Gabriel Garcia, Renata Ventura, Ondjaki e Rosana Rios. Os encontros acontecem pela parte da manhã, das 9h às 11h30, e pela parte da tarde, das 14h às 16h30.