Instituições buscam fugir da dependência do Fies

Programas de apoio ao estudante com recursos próprios ganham força com a redução de verbas federais no ensino superior

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Financiamentos próprios tem sido alternativa para instituições como a UPF
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Reconhecido polo educacional, Passo Fundo viu a crise na economia brasileira afetar as instituições de ensino superior do município. O principal meio de financiar o setor no país, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), antes com verbas crescentes, começou a sofrer cortes em 2015. No primeiro semestre daquele ano, 1700 alunos pediram o financiamento na Universidade de Passo Fundo (UPF), mas apenas 67 conseguiram.

Essa tendência de queda se repetiria nos próximos anos no ensino superior brasileiro. Atualmente, a UPF tem 4,5 mil alunos com o Fies. "Isso significa que quase um terço da receita da universidade está na mão do governo", explica o reitor da UPF, José Carlos Carles de Souza. Esse percentual representa 27% do total de estudantes. A UPF, uma instituição comunitária e filantrópica, não recebe verbas diretamente do governo federal, apenas através do Fies, e de projetos específicos.

Quase três anos depois do início dos cortes, a situação não foi normalizada. Pelo contrário: a verba tende a encolher. Segundo o reitor, a universidade recebeu 28 milhões do Fies no primeiro semestre de 2017. Neste segundo, o valor - que deverá ser o mesmo - deveria ser recebido em agosto, mas apenas R$ 10 milhões devem ficar à disposição da UPF no mês que vem. "Se o governo não repassa, eu sou obrigado a tomar [empréstimo] no banco. Só que para o banco, eu vou acabar pagando juro, encargo financeiro alto. Isso acaba aumentando a despesa", explica o reitor.

Isso acontece, segundo ele, porque o governo não encaminha recursos mensalmente, e sim em uma ou duas vezes no semestre. Assim, a UPF chega a ficar cinco meses sem receber recursos federais. Em 2015, a Universidade de Passo Fundo recebeu R$ 72 milhões de recursos do Fies. Em 2016, o repasse caiu para cerca de R$ 64 milhões; neste ano, para R$ 56 milhões. E a expectativa é que continuem a cair nos próximos anos, conforme o reitor.

Alternativa: financiamento próprio

Diante da queda nos investimentos federais, a UPF precisou inovar para não perder alunos. Ainda em 2015 foi criado o Programa de Apoio Estudantil (PAE). Ele prevê que o estudante pague metade da mensalidade todo mês e o restante um ano depois de formado. A expectativa é que, até o fim de 2019, o PAE, que hoje representa 10% do total de alunos da instituição, supere o número daqueles que têm o Fies.

A UPF chegou a ter 22 mil estudantes em 2014. A recessão impactou também nesse aspecto: hoje, a instituição tem por volta de 19 mil. Com o avanço do PAE, a expectativa é que a universidade volte a aumentar o número de estudantes no futuro. "Se mantivermos o mesmo número de alunos no ano que vem, quer dizer que a coisa estabilizou, porque antes vínhamos caindo. Nosso próximo passo é subir", projeta o reitor.

José Carlos Carles de Souza avalia que, para a universidade, 2017 acabará melhor do que acabou 2016. Mas ele faz ressalvas. "Quando olhamos para o cenário da conjuntura econômica, ainda é ruim. Embora a economia esteja crescendo, o reflexo na educação vai demorar um pouco, não é imediato", diz ele.


A UPF foi a primeira a criar um programa próprio de ajuda a estudantes. Esse modelo foi adotado por diversas outras universidades. "As instituições de ensino superior vão acabar encontrando uma maneira de se autofinanciar. É preferível diferir metade do recebimento e manter o aluno, do que não aceitar o aluno e não receber nada no futuro", comenta o reitor da UPF, que também é presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung).

Apoio ao aluno

José Carlos Carles de Souza acredita que o modelo de apoio financeiro é essencial para manter alunos que não têm condição de arcar com todo o custo da mensalidade. Além disso, outro aspecto a ser avaliado na hora de apoiar financeiramente o estudante diz respeito ao período posterior ao fim do curso. "Hoje temos muitos alunos que precisam de algum tipo de auxílio, e que não podemos deixar uma conta muito grande para ele depois [de formado]", explica. Nesse aspecto, o reitor ressalta também que o PAE não tem cobrança de juros e taxas para o aluno.

Imed: redução no número de vagas chega a 90%

A Imed também sofreu com a crise e precisou se adequar à nova realidade da economia brasileira. A exemplo da UPF, o início do atraso e redução nos repasses do governo federal começou em 2015. Atualmente, a instituição tem cerca de 5300 alunos, 1104 deles são bolsistas do Fies. No entanto, desde 2015, a oferta de vagas diminuiu em torno de 90%. Em anos anteriores à redução do investimento no programa, 350 alunos conseguiam o Fies na Imed. Em 2017, esse número chegou a 35. Segundo o diretor geral da instituição, Eduardo Capellari, neste ano, a expectativa é que o governo cumpra todas as obrigações, ainda que com atrasos.

Antes da crise, nos anos de 2013 e 2014, a instituição tinha como objetivo ter metade dos alunos com bolsas do Fies. Na época, a Imed chegou a ter um terço. O cenário, hoje, aponta para a ideia de depender cada vez menos da verba federal, explica o diretor geral. "Você não pode depender do governo sendo que eventualmente, a cada 10 ou 15 anos, pode ter uma crise e eles não repassarem o dinheiro. Então também queremos diminuir a dependência do governo federal", conta ele e explica que, sem o repasse, a alternativa foi o empréstimo bancário para reforçar o caixa. "As instituições tiveram de pagar seus compromissos e o que todo mundo fez foi buscar endividamento bancário para pagar as contas. Isso endividou todo o sistema universitário brasileiro." Atualmente, a Imed tem 23% da receita comprometida com o Fies.

Menos verba, menos vagas

Mesmo com os repasses praticamente em dia, Capellari alerta que a redução no investimento deve continuar nos próximos anos. "Nós não estamos enxergando nenhum compromisso deste governo ou qualquer perspectiva de que se invista pesado em educação. Ou é feito isso por duas ou três gerações, ou o país vai ficar sempre como um país tecnologicamente de segundo nível", alerta ele.

A redução nos recursos para do financiamento influencia diretamente no crescimento no ensino superior no país. De acordo com Eduardo Capellari, atualmente, a política do governo federal aponta para uma redução de gastos para pagar as contas. "O grande problema é que, a educação superior no Brasil, não vai ter um incremento de matrículas nos próximos anos sem o financiamento federal", diz.

Sem esse foco da União, segundo Capellari, um dos objetivos do Plano Nacional de Educação (PNE)- de ter 30% dos jovens com idades entre 18 a 24 anos na faculdade - não será alcançado. Hoje esse percentual está em cerca de 14%. "Mesmo se a gente dobrasse esse número [fosse para 30%], nós ainda teríamos um dos piores percentuais da América Latina; Chile e Argentina já tem muito mais que 40%; e muito menos que nos Estados Unidos, onde 85% dos jovens fazem na faculdade." Ele trata a situação como um "beco sem saída". "É preciso fazer com que a população estude e se qualifique para enfrentar a concorrência global de tecnologia. Mas para o pessoal estudar, precisa de dinheiro. Sem o investimento de dinheiro privado e público, nós não vamos dar a volta por cima em 20 ou 30 anos", projeta.

Fundacred: uma alternativa

Diante do cenário de cortes do Fies, a Imed passará a contar a partir do 1º semestre 2018, com o sistema Fundacred. Nele, o aluno poderá financiar até 50% da semestralidade da sua graduação e o pagamento será efetuado somente após a conclusão de seu curso. "Nós somos obrigados a fazer isso porque não tem outra forma. Nós perderíamos muitos alunos com condições de frequentar [a faculdade] se não tivéssemos essa possibilidade", afirma Capellari. A IMED ofertará 121 bolsas pelo Fundacred para o próximo ano.

Faculdade João Paulo II

A Faculdade João Paulo II chegou a ter 70% do total de alunos com financiamento do Fies. Esse percentual hoje está em torno de 45%, aponta o diretor administrativo/financeiro, Carlos Fernando Oliveira Romero. "Antes da crise, a quantidade de vagas era ilimitada. Se quisesse botar uma turma inteira pelo Fies, poderia botar. O aluno que quisesse contratar o financiamento bastava ter interesse e fazer os trâmites legais", lembra.

Segundo ele, a oferta de vagas foi reduzida a no máximo 10 por semestre. "A perspectiva é que continue caindo. O objetivo da instituição é se tornar autossuficiente e não precisar mais depender do governo", diz. Para isso, a faculdade oferece alternativas de financiamento e apoio ao estudante, nos moldes oferecido pela UPF; o aluno paga metade da mensalidade durante o curso e o restante depois de formado.

Os repasses do segundo semestre deste ano não foram ainda estinados à faculdade, o que deve ocorrer apenas em novembro. A João Paulo II tem seis anos de história e conta com 700 alunos em três campi, Passo Fundo [onde estudam cerca de 500], além de Porto Alegre e Pelotas.


Histórico

O Fies foi criado em 1999, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e sucedeu outro programa, o Creduc, também voltado ao financiamento de estudantes de baixa renda no ensino superior. Em 2003, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência, o Fies foi mantido. Quatro anos depois, passou a ser possível financiar 100% das mensalidades de um curso no ensino superior — antes, o máximo era de 70%. Para conseguir o Fies, o candidato deve obter pelo menos 450 pontos na média das provas e nota acima de zero na redação de qualquer edição do Enem a partir de 2010; além de ter renda familiar bruta mensal de no máximo três salários mínimos por pessoa.


Últimos anos

O pico de adesões ao programa ocorreu em 2014, com 731 mil vagas ofertadas. Desde então, houve uma queda no número de bolsas. No primeiro semestre deste ano foram disponibilizadas 150 mil vagas; no segundo, 75 mil. Segundo o governo federal, a partir de 2018, o programa irá garantir 310 mil vagas, das quais 100 mil a juro zero para estudantes com renda mensal familiar per capita de até três salários mínimos.


Vagas no Fies

2013: 560 mil
2014: 731 mil
2015: 315 mil
2016: 325 mil
2017: 225 mil


Fonte: Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior e governo federal

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