Instituições da região sofrem com cortes de orçamento

Embrapa, UPF e Ifsul estão entre as instituições que tiveram projetos de pesquisa e em outras áreas prejudicados pela escassez de recursos

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Embrapa Trigo estima que pesquisas podem demorar até o dobro do tempo para serem concluídasEmbrapa Trigo estima que pesquisas podem demorar até o dobro do tempo para serem concluídas
Embrapa Trigo estima que pesquisas podem demorar até o dobro do tempo para serem concluídas
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Os cortes orçamentários do Governo Federal neste ano têm prejudicado o andamento do trabalho de diversas instituições da região, especialmente no que diz respeito à pesquisa. Em 2017, houve um corte no orçamento que representa apenas um terço dos recursos disponibilizados em 2013. Com isso, muitas pesquisas tiveram de diminuir o ritmo, outras nem puderam ser iniciadas e a formação de novos pesquisadores tem sido prejudicada.

Conforme a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) O contingenciamento dos recursos para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e comunicações (MCTIC) em 2017 reduziu o orçamento de custeio e investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para apenas R$ 3,0 bilhões – um terço do valor de 2013. Uma carta entregue pela categoria aos parlamentares brasileiros destaca que a comunidade científica vem repetidamente solicitando ao presidente a liberação de R$ 2,2 bilhões contingenciados para atender minimamente às necessidades do MCTIC. No entanto, do descontingenciamento global de R$ 12,8 bilhões para 2017, anunciado no final de setembro, apenas R$ 500 milhões foram destinados ao Ministério.
Conforme a entidade, o cenário para 2018 é ainda mais catastrófico. A previsão de recursos para o CNPq é suficiente para cobrir as despesas para o pagamento dos 100 mil bolsistas somente no primeiro semestre do ano; os recursos da Capes no PLOA 2018 sofreram redução de cerca de 32%; os recursos não reembolsáveis do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para CT&I serão R$ 350 milhões, que corresponderá a apenas 8% dos R$ 4,5 bilhões a serem arrecadados pelo Fundo em 2018. A carta cita ainda que “o investimento em CT&I é essencial para garantir o aumento do PIB em períodos de recessão econômica. E é notável o retorno que o investimento em C&T já proporcionou ao Brasil. As pesquisas nas universidades públicas e na Embrapa levaram o país a ser um dos líderes mundiais na produção agrícola”.

Reflexos regionais

Essas reduções de investimentos também causam reflexos aqui. Passo Fundo conta com várias instituições, públicas ou não, que desenvolvem pesquisa e que acabaram sento atingidas por essa situação. A Embrapa Trigo é uma delas. O chefe-geral, Osvaldo Vasconcellos Vieira, explica que nos últimos quatro anos a empresa trabalha para modernizar práticas de gestão, organizar e reestruturar processos administrativos, financeiro, organizacional e estrutural. De acordo com ele, essas melhorias de processos proporcionaram uma gestão mais eficiente e dinâmica e com isso ficou mais fácil administrar os cortes de recursos, principalmente nas questões de custeio.
Mesmo assim, os investimentos na aquisição de equipamentos, máquinas, implementos e construções estão em patamares mínimos e isso traz reflexos na pesquisa, pois a mesma é uma fonte de inovação e necessita sempre estar atualizada, conforme Vieira. “Esse é o ponto mais sensível dos cortes, pois sem investimentos alguns setores podem ficar obsoletos. Outro ponto que ficou prejudicado nos cortes orçamentários é a participação dos empregados em congressos, seminários e viagens de estudos. Estes eventos proporcionam trocas de ideias, atualizações científicas e arranjos de equipes em trabalhos de pesquisa. A informação e o conhecimento são muito dinâmicos e a falta desse ‘networking’ prejudica a organização de novos desafios de pesquisa”, destaca.

A pesquisa não para

Vieira enfatiza que, mesmo com os corte, as pesquisas na Embrapa Trigo não pararam, mas houve uma readequação de prazos de entrega de resultados. “Por exemplo, uma tecnologia que seria disponibilizada para sociedade em três anos, será entregue em cinco ou seis anos, ou seja, teremos um atraso nas soluções para o setor produtivo, esse é o principal efeito e sem dúvida isso refletirá na sociedade”, pontua, lembrando que 2018 ainda será um ano duro para as empresas públicas. “Mas sou otimista. Com a reação da economia, logo serão restabelecidos os fluxos de recursos e a situação se reverterá”, projeta.
Um dos fatores que mitigou os problemas, na opinião dele, foi a preparação para situações adversas, com ações de análise e planejamento. “40% do sucesso das empresas é perceber o timing do que está ocorrendo. Dessa forma a Embrapa Trigo buscou maior interação com a iniciativa privada, incluindo produtores de sementes, universidades, empresas e associações. Com isso novas fontes de recursos foram obtidas, minimizando os efeitos dos cortes orçamentários. Penso que a participação do setor privado em pesquisa é baixa, se comparado com outros países, mas também vejo uma oportunidade para a Empresa se reaproximar da iniciativa privada, pois os interesses da Embrapa precisam ser convergentes com o mercado e as necessidades da sociedade”, completa.

É preciso discutir a ciência

Para o vice-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade de Passo Fundo (UPF), professor Leonardo José Gil Barcellos, este momento de crise deve servir para levar a discussão sobre a ciência à sociedade. Para ele, é necessário se discutir junto à falta de recursos, a qualidade da pesquisa desenvolvida no Brasil, aliada a um letramento científico da população. A falta de recursos atinge, principalmente, pesquisas que demandam muitos recursos em equipamentos e materiais, além de prejudicar os novos pesquisadores. “Existe um impacto imediato, mas ao reduzir o ritmo de formação e a fixação de novos doutores demora muitos anos para recuperar. Às vezes a gente não pode reter um novo talento porque não tem dinheiro. O quadro é muito perigoso. Tem como reverter, mas estamos falando de um corte em cima de um orçamento que já era pífio”, analisa.

Essa dificuldade de reter pesquisadores acaba por criar um fenômeno conhecido como evasão de cérebros, quando pesquisadores deixam o país por não terem condições de desenvolver suas pesquisas aqui. Além disso, o professor reitera que a falta de recursos têm impedido muitos pesquisadores de participar de congressos e de realizar viagens previstas em pesquisas feitas em parcerias entre instituições, o que compromete ainda mais a evolução dos trabalhos.

Outro problema que fica evidente em períodos de crise como esta, segundo o professor, é a falta da consciência da sociedade sobre a importância da ciência. “Se a gente pensa na ciência como a base de tudo, os reflexos são enormes, principalmente no nosso atraso como país. A sociedade não percebe ainda porque não entende a ciência como a base das outras coisas. Percebe como um setor. Se tem que cortar, corta da ciência e não da segurança ou da saúde, mas não percebe que a ciência pode ser a base para uma melhor segurança e melhor saúde”, observa.

Apesar do momento crítico para a ciência, o professor acredita que este é um período para também se repensar o modo como a pesquisa é feita no Brasil. Para ele, é necessário aproveitar a mobilização da classe para também se rediscutir a qualidade dos estudos que, em muitos casos, não é só determinada pelos recursos. Prova disso, é que muitos pesquisadores, inclusive ele, acabaram mudando de foco a fim de continuar a produção com menos investimento e ainda assim obtendo importantes resultados.
Impactos também no ensino e na extensão

As instituições que dependem apenas de recursos federais são as que mais sofrem com os cortes. O Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (Ifsul), campus Passo Fundo, teve cortes em todas as áreas. A chefe do Departamento de Ensino, Pesquisa e Extensão, Maria Carolina Fortes, estima que nos últimos anos houve uma redução entre 80% e 90% nos recursos destinados à pesquisa. Com isso, hoje são desenvolvidos apenas 20 projetos de pesquisa, que já estavam em andamento, alguns inclusive com encaminhamentos de registro de patente. Caso houvesse recursos, a estimativa é de que pelo menos o dobro pudesse ser desenvolvido.
Neste ano, o Ifsul Passo Fundo completa dez anos. Atualmente são cerca de 1,3 mil alunos em sete cursos. “Se não tivéssemos esses cortes, certamente teríamos chegado aos 2 mil alunos. Isso significa que menos pessoas estão tendo possibilidade de construir e produzir”, avalia. Mesmo assim, os esforços estão voltados para minimizar os efeitos da falta de verbas nas atividades do campus. “Tínhamos previsão de ampliar a área do campus, oferecer novos cursos e novos prédios, realizar melhorias em laboratórios, mas não foi possível. Isso prejudica sim a questão pedagógica”, enfatiza.
Para 2018, o cenário ainda é pessimista. “Como somos federal, toda nossa capacidade de investimento vem do governo e os efeitos são devastadores, não temos como remanejar recursos, eles são específicos, mesmo na manutenção tivemos que reduzir muitas coisas. Tínhamos incentivo para participação de eventos de pesquisa e há dois anos nenhum professor participa. Não estamos tendo como pagar diária para os professores participarem de evento. É algo que nos afeta bastante”, complementa. Os reitores de institutos federais estão tentando articular politicamente junto ao Congresso Nacional a fim de tentar mudar o quadro e ampliar a liberação de recursos para a educação.

 

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