“Eu tenho que falar?”, começou Luís Fernando Veríssimo, o patrono da Feira do Livro de Passo Fundo. Sem deixar a timidez de lado - sua principal característica frente ao público -, conversou com a plateia sobre política, seus principais personagens e o histórico de seus 81 anos no início da tarde de sexta-feira (3), dia de abertura de mais uma edição do evento. “Apesar de não ter muito jeito com o público, sempre aceito quando recebo estes convites, porque sinto que dá um ânimo para essa garotada que se interessa por literatura”, completou, no palco. A conversa, mediada pelo professor do curso de Letras da Universidade de Passo Fundo (UPF), Eládio Vilmar Weschenfelder, trouxe a tona alguns dos principais pontos da trajetória do escritor, roteirista, tradutor, jornalista e músico, autor de personagens como ‘O Analista de Bagé’ e ‘Família Brasil’.
O caminho até a escrita
“Nunca tive a intenção de ser escritor, muito menos jornalista”, começou Veríssimo, quando questionado sobre o início de sua relação com a literatura. “Até os 30 anos tentei fazer muitas coisas, que não deram certo. Quando comecei a trabalhar na Zero Hora - que, por sinal, era muito diferente do que é hoje -, já sabia como escrever justamente pelo fato de sempre ter lido muito”, lembrou. No veículo de comunicação, atuou como editor das editorias ‘Brasil’ e ‘Internacional’ e, depois, como conta, como ‘editor de frescura’. “Era como a gente chamava o caderno mais cultural. Lá eu tinha uma coluna onde falava sobre bares e restaurantes de Porto Alegre. Foi aí que tive a minha primeira experiência como ficcionista: muitas vezes inventava lugares e até personagens”, contou. Foi aí que lhe deram espaço para atuar como cronista. “Finalmente descobri a minha vocação. Foi um pouco tarde, mas foi isso”, completou. A contribuição de Veríssimo no jornal encerrou em setembro deste ano. Hoje ele escreve somente para a Agência Globo.
Personagens lendários
O ‘Analista de Bagé’ ainda é um dos personagens mais lembrados por seus leitores. Tanto é que foi interpretado pelo estudante de Letras da UPF, Adelair Lescano, durante o encontro na Feira. “Foi de longe o que deu mais repercussão”, comentou Veríssimo. “É que ele representa uma certa incongruência entre o personagem e o meio. O psicanalista requer certa sensibilidade - e o analista não tinha nenhuma”, riu. O personagem foi criado para um quadro humorístico do Programa do Jô, inicialmente como um garçom grosseiro de restaurante francês. Com o encerramento da participação no programa, acabou virando analista - mas mantendo o mesmo espírito. Outro protagonista foi a ‘Velhinha de Taubaté’. “Criei a ‘velhinha’ para combater a falta de credibilidade da população no governo”, explicou. Seu surgimento se deu ainda durante o governo do general João Baptista Figueiredo - o último da ditadura militar. “A ideia era que a velhinha fosse a única pessoa do Brasil que ainda acreditava no governo, então ela era muito ligada a política. As pessoas iam até Taubaté conhecer aquele fenômeno que ainda tinha esperança. Isso seguiu até surgir o escândalo do Mensalão, que envolvia o PT e o [Antônio] Palocci. Como ela era fã do Palocci, resolveu que não podia mais acreditar em nada e decidiu morrer. Mas hoje em dia não teria mais lugar para ela, porque todo mundo acredita no governo”, ironizou.
E o momento político?
Veríssimo é claro ao falar do momento atual da política: são tempos perigosos, entende ele. Muito disso se dá em razão do descrédito à classe política. “Por mais que fiquemos indignados com este governo, é muito mais perigoso perder qualquer credibilidade porque a alternativa para isso é a ditadura. O “forçar” de um governo é muito pior que qualquer abuso da democracia. Não sei qual é a saída, mas é perigoso, principalmente por conta desta desmoralização da política de modo geral”. Segundo ele, em tempos como este, a tendência é que voltem alguns ‘hábitos ruins pré-democráticos’ como, por exemplo, a censura a exposições, textos e livros. “Me lembra a ditadura, a censura. Enfim, aquela sociedade que a gente imaginava que tivesse ficado para trás”, pontuou.
E a literatura?
Durante a conversa, o escritor também foi questionado sobre os moldes atuais da literatura. Para ele, o momento é de transição justamente por conta das mudanças tecnológicas. “Meu pai, por exemplo [o também escritor Érico Veríssimo], antes de começar um romance desenhava. No livro ‘O tempo e o vento’, que se passa numa cidade chamada Santa Fé, ele antes de escrever desenhou toda a planta da cidade e também alguns dos personagens. Hoje em dia isso é mais difícil de acontecer”, contou. A tecnologia acabou determinando muitas coisas na literatura atual, como o aparecimento de escritores já formados nestes mundo da informática. “Hoje em dia qualquer um pode fazer o seu livro sem sair de casa. É uma mudança radical. Estão, sim, aparecendo cada vez mais escritores hoje, mas isso não significa que necessariamente sejam escritores bons ou importantes”, completou.
O que é uma boa crônica?
Uma das principais características de Veríssimo é a composição de crônicas: são 49 livros do gênero. Para ele, o mais importante - e difícil - é definir o que é a crônica. “Não sabemos quando ela deixa de ser crônica e passa a ser conto ou exercício de estilo. De certa forma, isso é muito bom, porque dá certa liberdade: a gente pode fazer o que quiser naquele espaço. Pode ser sobre futebol e depois sobre cinema e depois sobre política e depois sobre uma história delirante. A melhor definição de crônica que eu já encontrei é que a crônica envolve tudo que é crônico”.
Acervo registrado
Neste ano, a Unisinos terminou de catalogar o acervo de Veríssimo. “Achei que não era a hora. Podiam esperar eu morrer, né? Porque um acervo é para quando a obra ou o autor estiverem acabados. Mas aí insistiram e eu não me opus. Talvez foi um pouco intempestivo”, brincou.