Direitos Humanos, Violações e Mitos

Você sabe para quem são e para que eles servem? Esta segunda parte da reportagem especial abordará os principais mitos e as violações dos Direitos Humanos

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“Os Direitos Humanos só defendem quem não presta”. “Direitos Humanos para humanos direitos”. Você provavelmente já ouviu, ou até proferiu algumas dessas afirmações. Nesta segunda parte da reportagem especial, serão abordados os mitos relacionados aos Direitos Humanos (DH) – como estes citados anteriormente – e também elencadas algumas das principais violações que acontecem em nossa comunidade e nem sempre são percebidas.


O advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) Leandro Scalabrin explica que a principal distorção que a sociedade tem atualmente em relação aos DH é que ela não se reconhece como produtora dos direitos. “É a sociedade que cria e institui os direitos e as instituições que existem para garantí-los e defendê-los. Então, quando uma sociedade não se reconhece nos direitos humanos e nos direitos, é porque ela está em crise consigo mesma em relação aos seus valores, em relação àquilo que pressupõe como seu fundamento de ser e de existir”, introduz.


Para ele, o Brasil vive um momento de enfraquecimento dos direitos sociais fundamentais como o enfraquecimento dos direitos trabalhistas e previdenciários, do acesso ao ensino superior, reforma agrária, acesso a medicamentos e moradia, por exemplo. “Todos esses direitos que necessitam de políticas públicas para sua materialização estão sob ataque. A principal consequência é menos moradia, menos saúde, educação, direitos previdenciários e os movimentos populares que reivindicam esses direitos têm menos conquistas e maior criminalização. Porque quanto maior for a crise, maiores serão as demandas perante o estado para satisfação desses direitos e menor a capacidade do estado de atendê-los”, argumenta.


Violações de direitos
Em Passo Fundo, as violações dos Direitos Humanos são relacionadas aos direitos das mulheres que, com a crise econômica, estão em subemprego e em trabalhos com menor remuneração, além da situação de violência doméstica em que em média 300 mulheres são vítimas anualmente. Também há violações na educação, saúde e segurança pública. “Uma das principais violações que existe hoje na cidade de Passo Fundo é a violação ao direito humano da moradia adequada. Mais de 20 mil famílias, cerca de 40 mil pessoas, sem moradia digna, morando em ocupações na beira trilho, na beira de estrada, beira de rio, em áreas de preservação permanente, sem saneamento e energia”, enfatiza Scalabrin.


O pesquisador e integrante da CDHPF Paulo Carbonari explica que as violações de direitos humanos são fenômeno massivo em sociedades desiguais e que separam humanos como se uns fossem melhores do que os outros. “Nossa sociedade é desigual em todos os sentidos. Recentemente o IBGE divulgou dados dizendo que os 5% mais ricos abocanham o mesmo que os outros 95%. Estimativas para 2017 indicam que, os seis maiores bilionários do Brasil juntos possuíam riqueza equivalente à da metade mais pobre da população. Na outra ponta está a população em condições de extrema pobreza: 8,5 milhões de pessoas vivendo com até R$140 mensais. Em suma, a renda do 1% mais rico é 36 vezes a renda média da metade mais pobre da população (PNAD Cont). Numa sociedade com tanta concentração de riqueza não dá para acreditar que haja a realização dos direitos humanos”, argumenta. Ele complementa que neste contexto, o discurso da meritocracia “é de um cinismo atroz”. “Quando não há condições e oportunidades iguais, não dá para advogar o mérito, já que ele obviamente vai assistir somente aqueles que estão em melhores condições. E essas condições e oportunidades não podem ser promessas fictícias ou formais, tem que ser condições reais, concretas, históricas. Por isso, a desigualdade é um fator decisivo para compreender a violações de direitos humanos. Passo Fundo é uma cidade que, mesmo tendo uma renda média razoável, é profundamente desigual como todo o Brasil”, compara.

 

Pessoas atingidas
Carbonari pontua ainda que tais violações atingem a jovens negros e pobres, a mulheres, mulheres negras, crianças e adolescentes, LGBTs, indígenas, trabalhadores/as pobres, idosos, pessoas com deficiência, entre outros. Ele reitera o dado apontado por Scalabrin de que Passo Fundo é uma das cidades que mais registra ocorrências de violência contra a mulher, com altos índices de homicídios, com altos índices de violência contra crianças, o que inclui exploração sexual. Ele complementa ainda que a manifestação pública de muitas pessoas, seja por redes sociais, participação em programas de rádio ou mesmo atos públicos, demonstram que há um estranhamento, por parte da sociedade, com relação aos DHs. “Mas isso não difere do que vem ocorrendo em outros lugares do país, com o crescimento do fascismo social e de todas as piores formas de supremacias e de exclusões”, pontua.


Mitos
No senso comum é muito fácil encontrar afirmações pejorativas relacionadas aos Direitos Humanos e àqueles que trabalham em sua defesa. Estas afirmações refletem muitos mitos. Confira alguns:


O pessoal dos Direitos Humanos
Carbonari destaca que atualmente virou moda bater impiedosamente “no pessoal dos direitos humanos”. “Aqui mais um equívoco, pois os direitos humanos não são “um certo pessoal”, os que defendem os direitos humanos. Direitos humanos são garantias de todas as pessoas. O que “esse pessoal dos direitos humanos”, conhecidos como defensores de direitos humanos, faz é lembrar o tempo todo a todos os humanos têm direitos, mesmo os piores seres humanos”, explica. Ele ainda argumenta que o que se condena numa pessoa é sua conduta, não a própria pessoa. “A não ser que se invente um novo estado de direito, não mais democrático, no qual seja possível “fazer justiça com as próprias mãos”, mas fazer isso seria vingar-se e não justiciar”, diferencia.


Vingança e justiça são a mesma coisa
Confundir justiça com vingança é um dos mais elementares erros de qualquer pessoa, de qualquer sociedade, define Carbonari. “Fazer julgamentos e execuções sumárias de suspeitos ou de supostos infratores é chamar contra si mesmo a injustiça, pois rompe com a legalidade do estado democrático de direito. Sim. Se isso vale para mim deve valer para todos, sob pena de o direito se tornar um privilégio dos mais fortes e dos mais poderosos. A luta por direitos humanos sempre foi, de alguma forma uma luta contra os poderosos que acham que estão acima da lei e que por isso só querem defender seus privilégios contra os mais pobres e os que sofrem com a violência e a exploração”, contrapõe.


Os Direitos Humanos só defendem bandidos
Outro mito muito difundido, especialmente em casos polêmicos, é o de que os Direitos Humanos só servem para defender criminosos. Leandro Scalabrin destaca que esse é um mito propagandeado na sociedade por uma onda conservadora contra os direitos das mulheres, imigrantes, das pessoas LGBTs e dos movimentos populares. “Esse mito faz com que as pessoas dissociem a sua vida e seu interesse pessoal dos direitos humanos. Se perguntar a cada uma se são a favor do direito a saúde, moradia ao trabalho, todas elas vão dizer que são favoráveis, mas com essa ideologia contrária aos DH que esconde a realidade dos mesmos, as pessoas ficam com essa falsa compreensão do que são os direitos humanos”, rebate.


Carbonari complementa que quem a repete, o faz ou por desconhecimento, ou por malandragem, para confundir as pessoas mais simples. “Ora, se direitos humanos trata das condições necessária a cada um e a todos os seres humanos para que possam viver sua humanidade no máximo da plenitude, defender a ideia de que direitos humanos só protegem bandidos seria incorrer no erro de pretender que todos os seres humanos fossem “bandidos”, o que é falso”, orienta.


Direitos Humanos não protege as vítimas
Do mesmo mito anterior, surge o de que “os direitos humanos não protegem as vítimas”. Carbonari lembra que os direitos humanos nasceram exatamente em 1948, no pós-guerra, como a afirmação de que nenhum ser humano, daí em diante, deveria ser submetido ao tratamento cruel, desumano, degradante, à tortura, à eliminação, como ocorreu na prática nazista e fascista dos campos de concentração. “Foi em nome das vítimas, das atrocidades dos campos de concentração que se afirmou e que as Nações Unidas proclamaram os direitos humanos. Extensivamente, é em nome de todas as vítimas de todo tipo de violação que se afirma os direitos humanos. Quem repete este tipo de afirmação não faz justiça à história, não faz justiça às vítimas da história”, situa.


Por outro lado, Carbonari pondera que no caso de vítimas de violência e de crimes graves, lamentavelmente as sociedades ainda precisam avançar para que efetivamente sejam reconhecidas e tratadas adequadamente. “O direito penal, infelizmente, ainda toma a vítima não mais do que como expediente jurídico. Ainda estamos engatinhando no sentido de produzir condições adequadas de proteção a vítimas de violência: casas de proteção a mulheres e crianças vítimas de violência são ainda experiências muito incipientes e ainda temos muito a avançar. Em suma, não há dúvidas de que precisamos encontrar bons caminhos protetivos para vítimas de violência, mas não será atacando os direitos humanos, que estes caminhos serão encontrados”, conclui.

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