O Bike Light Passo Fundo vai se reunir na tarde deste sábado (16), como o faz costumeiramente há cerca de três anos. O trajeto, dessa vez, inicia na Praça Tamandaré em frente à Igreja Matriz, às 14h e tem como destino o Santuário Nossa Senhora Aparecida. Porém, este não será um pedal comum, mas de luto e protesto pela morte trágica de um dos integrantes do grupo, o médico oncologista Jonatas Conterno, de 36 anos.
A vítima pedalava no acostamento da ERS 153, em frente ao Santuário, quando foi atingida pelas costas por um Fiat Brava, de cor branca, que trafegava em alta velocidade. O condutor, de 30 anos, estava embriagado e fugiu sem prestar socorro. Ele foi preso logo em seguida, pela Brigada Militar. Sem documentos, o corpo demorou a ser identificado. Foi o sogro do ciclista quem reconheceu a bicicleta, ao passar pelo local. Ele havia saído na mesma direção, com intuito de encontrar o genro e continuar a atividade física. No meio do caminho, entretanto, se deparou com a cena.
Comovidos pelo fato, os diversos grupos de ciclistas existentes em Passo Fundo organizaram o protesto de hoje. “Foi uma vontade coletiva. Por mais que a maioria não tivesse contato com ele, está todo mundo na mesma situação. Parece que é uma pessoa da nossa família”, resume a nutricionista Fabrícia Perozzo, também ciclista e integrante do grupo Pedala Guria.
Organizado coletivamente, a manifestação já contava com mais de 400 pessoas confirmadas em evento no Facebook na sexta (16). Junto de amigos, familiares e conhecidos, a reivindicação do grupo é por um trânsito mais seguro com respeito às leis e ao espaço de ciclistas, pedestres e motoristas. “O objetivo principal é que o trânsito não seja motivo de agressão, de violência e de mortes. Que o trânsito seja seguro e que não seja motivo de doença e de estresse como ele é hoje” pontua o médico oncologista Álvaro Machado.
Ghost Bike
No local do acidente, os amigos, familiares, ciclistas e demais pessoas farão uma oração ao médico. Será colocada uma Ghost Bike, ou bicicleta branca, que homenageia um ciclista vítima de acidente. O objeto também serve de alerta para outros ciclistas. A ida até o santuário será de bike. Todos estão convidados a participar.
Um dos organizadores da manifestação, Fabio Eduardo Woitchunas, informou no evento do Facebook que, por medidas de segurança, a Brigada Militar solicitou que o protesto fique restrito aos ciclistas. O motivo é “para que todos, em um mesmo ritmo, permaneçam unidos não causando tumulto nem grandes dispersões do aglomerado de pessoas”.
Os grupos de ciclismo
O ciclismo ganhou muitos adeptos nos últimos anos. Os atletas e amantes da atividade geralmente pedalam em grupos. Há pelo menos dez deles em Passo Fundo. “São grupos que se formam por conveniência, em razão da intensidade da pedalada e dos horários disponíveis. Há uma integração entre todos os grupos de ciclistas existentes em Passo Fundo. É um objetivo comum. O pedal é uma atividade física regular, que é necessária para a saúde. Também é uma forma de aliviar o estresse de uma semana de trabalho intenso e um espaço de convivência de pessoas de diferentes origens sociais e profissionais”, comenta Álvaro Machado.
Machado é um dos integrantes do Bike Light. O grupo, de aproximadamente 20 ciclistas, tem uma rotina. É nas tardes de sábado que sempre se reúne o maior número de pessoas. “A gente se comunica por redes sociais e marcamos expedições quando se tem oportunidades. Nosso pedal é para fora, na estrada de chão. Apesar de vários integrantes participarem de outros grupos de pedal no asfalto, o nosso pedal é mais tranquilo, como diz o nome”, observa.
Apesar de a atividade ser light, há medidas de segurança, como pedalar sempre de capacete e com sinalização de luz dianteira e traseira à noite. Outros grupos, como o Pedala Guria, também adotam dessas regras. No grupo das mulheres, existente há cinco anos, são solicitados também óculos e luvas. As gurias se encontram para pedalar sempre às 19h30, nas terças.
“Sempre antes dos pedais a gente conversa com quem é nova no grupo ou na atividade. Explicamos algumas regras de trânsito, como se portar, sinalizar tudo o que for fazer. A gente preza muito por respeitar as leis de trânsito, por isso paramos em todas as sinaleiras, entramos na ciclovia todos em fila indiana, respeitamos quando a prioridade é do carro ou do pedestre. A gente tenta educar através do nosso pedal para que as pessoas aprendam do formato certo e para que não haja imprudência da nossa parte”, pontua uma das integrantes do grupo, Kristi Becker Kochhann.
Apesar dos cuidados com a segurança, os ciclistas que não passaram por uma situação de risco, já presenciaram uma. Kristi e Fabrícia costumam treinar juntas. As parceiras de pedal já tomaram vários sustos com carros ou caminhões que passaram muito perto delas.
O médico oncologista já presenciou uma situação de intimidação. Ele conta que certa vez, um caminhoneiro se sentiu agredido porque teve que reduzir a velocidade em virtude dos ciclistas. Ele parou o caminhão no acostamento e desceu com um cabo de aço com o intuito de agredir os ciclistas. “Temos relatos quase cotidianos de motoristas que não respeitam a distância mínima, que passam em velocidade excessiva. Carece de muita educação e respeito”, enfatiza o médico.
“Grande perda”
Natural de Porto Alegre, Conterno morava em Passo Fundo há cerca de três anos. Ele era médico oncologista no Hospital da Cidade e professor universitário. Deixou a esposa e um filho, de cinco meses. Por onde passou, deixou boas lembranças. É assim que o médico oncologista Álvaro Machado se refere à Conterno. Os dois tinham proximidade pela medicina e por integrarem o mesmo grupo de bike. “Ele foi uma pessoa cativante. Era muito tranquilo, parceiro de todos os integrantes do grupo do pedal. Por onde ele passou, ele sempre deixou bons amigos e companheiros. Ele era um excelente médico. Só tinham elogios a ele, era professor da faculdade, uma pessoa que certamente teria um futuro brilhante. Foi uma perda muito grande para a família, para nós colegas, para os amigos. Era uma pessoa especial”, finaliza.