Mudando o conceito de moradia

Casa de biólogo, no bairro Lucas Araújo, terá telhado verde e paredes de garrafas

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O argentino Valentin (e), auxilia o amigo Lucas, considerado o construtor da obra. De acordo com ele, o único material não reutilizável na construção é a madeira da estrutura. "Mesmo assim, são árvores retiradas de áreas de  reflorestamento", obs Crédito:O argentino Valentin (e), auxilia o amigo Lucas, considerado o construtor da obra. De acordo com ele, o único material não reutilizável na construção é a madeira da estrutura. "Mesmo assim, são árvores retiradas de áreas de  reflorestamento", obs Crédito:
O argentino Valentin (e), auxilia o amigo Lucas, considerado o construtor da obra. De acordo com ele, o único material não reutilizável na construção é a madeira da estrutura. "Mesmo assim, são árvores retiradas de áreas de reflorestamento", obs Crédito:
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Ao passar pela rua já é possível perceber os contornos de uma casa surgindo por entre os galhos mais altos das bergamoteiras espalhadas pelo terreno. Para quem se aproxima, a mistura de sotaques das pessoas trabalhando indica de que não se trata de uma obra convencional. A futura moradia do biólogo Alexandre Giusti, 30 anos, se difere, tanto pelo material que ele pretende utilizar, como no próprio processo de construção.

 

Seguindo os princípios dos três R's da educação ambiental: redução, reutilização e reciclagem, a casa ecológica, na rua 1º de maio, nº 307, bairro Lucas Araújo, terá boa parte das paredes construídas com garrafas de vidro. O telhado será coberto com telhas feitas a partir do aproveitamento de caixas de leite. Produzido por uma empresa de Passo Fundo, o material é considerado mais resistente, mais leve e térmico. Toda a água consumida na casa terá tratamento e reaproveitamento.

 

Quem explica cada detalhe é o próprio Alexandre. Assim que se formou em biologia, pela Universidade de Passo Fundo, em 2011, cujo trabalho de conclusão de curso foi na área da bioconstrução, ele colocou uma mochila nas costas e partiu vivenciar outras experiências sobre o assunto. Na passagem por Santo Aleixo, no Rio de Janeiro, conheceu um alemão que construiu uma pousada inteira apenas aplicando material reutilizável. Também acompanhou outra obra do gênero em um sítio, onde trabalhou.

 

De volta a Passo Fundo e, com o terreno disponível, herança de família, foi a vez dele colocar em prática o próprio projeto. Parceria para isso não faltou. Se os materiais da casa fogem dos padrões tradicionais, o processo de criação não poderia ser diferente. Alexandre reuniu os amigos, montou um verdadeiro acampamento no terreno, com quatro barracas, e não arredou mais o pé de lá. Em apenas 20 dias de trabalho, a base e estrutura de madeira da casa estão quase concluídas.


A construção é feita de maneira coletiva e voluntária entre amigos. Não há horário para começar nem para terminar. Eles se revezam durante a manhã, tarde e até mesmo no turno da noite. Natural de Sapucaia do Sul, radicado na Bahia, Lucas Garcia, 29 anos, é considerado o construtor. Ele é o único que recebe pagamento pelo trabalho. No entanto, não deixa de ser um dos principais incentivadores e parceiros da iniciativa. “Paguei as passagens aéreas e também pago diária para ele. Mesmo assim, vai trabalhar durante dez dias sem cobrar nada”, revela Alexandre.

 

Experiente neste tipo de obra, Lucas conta ter adquirido os postes para a estrutura da casa por um preço bem abaixo de mercado. “Estavam pedindo R$ 64 o metro de caibro. Fui na empresa que recebe o material retirado das ruas pela companhia de energia elétrica e paguei apenas R$ 15.A única coisa que não é reutilizável aqui é a madeira da base’, conta, revelando na fala influências da mudança para a Bahia.
Enquanto mede e corta a madeira, ele recebe ajuda de outro voluntário, dono do sotaque mais diferente do grupo. O argentino Valentin Boveri, 27 anos, deixou sua cidade, Mendoza, onde cursa a faculdade de agronomia, em junho de 2017, para participar de um intercâmbio na Universidade de Passo Fundo, até dezembro passado.

 

Após este período, repetiu o gesto de Alexandre e ‘pegou a estrada’. Acompanhado do pai, decidiu conhecer uma parte do Rio Grande do Sul e o litoral catarinense. “Passei pela região dos cânions, em Cambará do Sul e fui até Garopaba. Tinha passagem comprada para a Bahia, mas quando soube da ideia de construir esta casa, decidi retornar a Passo Fundo e ajudar no que eu puder”.

 

Na próxima semana, ele deve voltar para Mendoza e terminar o último ano de faculdade, mas enquanto lhe resta mais alguns dias, não poupa esforços para colaborar e elogiar os companheiros. “Isto aqui é um sonho. Já havia participado de algumas experiências de construção, mas nada como aqui. Estou aprendendo muito com este cara”, afirma, apontando para Lucas, que imediatamente retribuiu. “Pensa num cara parceiro, é este argentino aí”.

 

A troca de elogios entre os amigos recentes demonstra o clima na obra. Enquanto alguns trabalham, outros descansam sob lonas estendidas, ao som de uma música que sai do computador conectado a uma caixa de som.

 

Um ambiente que surpreende até mesmo quem tem experiência em obras. Atuando há 10 anos no mercado, onde já comandou diversas equipes, o engenheiro civil Diogo Formighieri Machado, disse nunca ter vivenciado algo parecido. "Fui convidado pelo Alexandre, um amigo que mudou minha forma de ver o mundo. Aqui é diferente de tudo. Existe uma consciência coletiva que não vi em outras obras. Todo o serviço, do mais pesado ao mais leve, é dividido. Ninguém se omite. Há uma generosidade muito grande entre as pessoas. Conversam, trocam ideias sobre as decisões" afirma.

 

Responsável pela assinatura do projeto, Diogo explica que, apesar de ser uma residência alternativa, ecológica, ela segue todos os padrões de segurança exigidos pela lei, inclusive, afirma, com algumas vantagens em relação a uma casa convencional.
"A eficiência energética será maior. Uma abertura no porão vai permitir a entrada e circulação do ar para os demais cômodos. A água será coletada da chuva. A chamada água cinza, que sai da pia, será bombeada para cima do telhado verde e filtrada por ele. O excesso voltará para um pequeno lago. As garrafas vão permitir a entrada de luz”, explica.

 

Custos
Outra grande vantagem do projeto é o baixo custo. Para concluir a primeira parte da moradia, tendo o banheiro, cozinha, uma pequena sala, e um quarto, no segundo andar, Alexandre estima gastar, entre material e mão de obra, aproximadamente R$ 17 mil. Conforme Diogo, uma casa convencional, com a mesma medida, aproximadamente 62,8 metros quadrados, custa em torno de R$ 42 mil. Mais tarde, este valor deve subir para R$ 20 mil, com a construção de outro banheiro e de uma sala mais ampla na parte da frente do terreno.

 

Se o ritmo de trabalho for mantido, a previsão do engenheiro é de que a casa ecológica seja concluída dentro de 15 dias. Na nova moradia, Alexandre pretende manter a mesma harmonia no local, desenvolvendo terapia holística, através de técnicas de Reiki e cristais. “Não tenho casa ainda, e já estou recebendo muitas visitas. Isso aqui é uma coisa nossa”, comenta.

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