Na noite de quarta-feira (14), mais uma mulher se tornou estatística. Marielle Franco, de 38 anos, vereadora do PSOL, foi morta enquanto voltava de um evento destinado às mulheres negras no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. O assassinato da vereadora vem acompanhado de um dado que assusta: 12 mulheres são mortas todos os dias no Brasil, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A morte de Marielle ainda alerta para outra pauta: a falta de representatividade da mulher na política. Mulher, negra, militante das causas sociais e das minorias, Marielle era uma das vozes mais proeminentes na política do Rio de Janeiro: foi a quinta vereadora mais votada da capital.
Recentemente havia se tornado relatora da comissão que deve acompanhar e fiscalizar a intervenção militar que ocorre na cidade. A vereadora vinha denunciando os abusos e a truculência policial na comunidade de Acari, no Rio de Janeiro, em decorrência das operações realizadas pelo 41° batalhão da polícia militar – batizado de “Batalhão da Morte.” A principal linha de investigação da Delegacia de Homicídios é a execução.
O fato, que virou notícia nos principais jornais do país e também repercutiu internacionalmente, gerando manifestações desde o Uruguai até o Parlamento Europeu, causou comoção e revolta nas redes sociais e nas ruas, sendo convocados protestos imediatos em inúmeras capitais do país. A morte de Marielle reacendeu a discussão sobre a representatividade feminina e negra na política, assim como a da conquista por direitos.
A coordenadora do Projur Mulher de Passo Fundo, Josiane Petry Faria chama atenção para a legislação que prevê que os partidos, para terem as candidaturas aceitas, precisam apresentar no mínimo 30% de mulheres concorrendo aos cargos eletivos, mas essa legislação não fala em porcentagem de mulheres eleitas. “A lei é uma política pública afirmativa, no sentido de uma política que tenta mudar uma realidade de desigualdade, interferindo diretamente nessa realidade. A pretensão de uma política pública afirmativa é transformar uma realidade com distribuição de força e reequilíbrio de poder. Mas se você estabelece uma cota de 30%, você não estabelece um nível ou um padrão de igualdade. Igualdade de 30% nunca existiu, igualdade é 50%, então existe sim uma baixa representatividade da mulher.”.
No Brasil, apenas 10,8% dos assentos do parlamento eram ocupados por mulheres em 2015. O dado é do Relatório de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU). Em outro ranking, de 190 países, o país ocupa o 152º lugar em porcentagem de mulheres na Câmara dos Deputados. Das 513 cadeiras, apenas 55 eram ocupadas por mulheres. O estudo é da União Interparlamentar (Inter-Parliamentary Union – IPU).
E a representação feminina não é baixa somente no legislativo brasileiro. No poder Executivo, a participação chegou próxima de 12% nas eleições municipais de 2016. Foram 641 mulheres eleitas ao cargo de prefeita. O número apresentou queda em relação ao pleito de 2012, quando elas somavam 659 prefeitas eleitas, o que correspondeu a 11,84% do total. Apesar da legislação impor cota de gênero, a participação feminina na política ainda é pequena se comparada aos homens, que só nestas eleições elegeram 4.898 prefeitos, total de 88,43%.
A coordenadora Josiane alerta para as consequências das mulheres não se enxergarem nos espaços de poder e cargos eletivos, o que gera pouco respaldo a aquelas que conseguem alçar um desses postos. “Se você não tem representação, você não dá visibilidade às suas demandas e, portanto, você não vai ter projetos a serem construídos, apresentados e aprovados”. E não é preciso ir longe para observar a falta da mulher na prática: em Passo Fundo, nenhuma vereadora ocupa o plenário. Assim, o desafio de construir políticas públicas que beneficiem as próprias mulheres se torna muito maior.
A questão da violência
Em 2017, foram 4.473 homicídios de mulheres, dos quais 946 são femincídios, ou seja, o homicídio cometido em decorrência do sexo* feminino. Traçando um paralelo entre a violência e a representatividade, o assassinato de Marielle pode ser um dos reflexos da baixa participação da mulher em cargos de poder, conforme Josiane. “Além dela [Marielle] estar sendo extremamente combativa, denunciando forças autoritárias, é uma mulher fazendo isso, é uma mulher denunciando corporações que são maciçamente compostas por homens.”
A coordenadora da Associação das Promotoras Legais Populares de Passo Fundo (PLPs), Valda Maria Belitzki, conta que são muitos os atendimentos às mulheres nos casos de violência doméstica na cidade, e que inúmeras vezes o medo da retaliação impede as mulheres violentadas de procurar ajuda. “Faltam política públicas destinadas a essas mulheres, para que elas possam se empoderar, para que elas possam sair da dependência do marido agressor”, explica Valda. A coordenadora explica que essas políticas seriam demandas de vereadoras, mas lamenta a falta da representatividade no município “os partidos indicam mulheres muitas vezes para cumprir a cota obrigatória”, afirma. Dessa forma, muitas dessas demandas acabam não recebendo atenção.
*A reportagem utilizou o termo “sexo” em referência ao texto da Lei do Feminicídio (Lei n° 13.104, de 9 de março de 2015)