"Estamos carregando o peso da armadilha feita para nosso filho"

Mãe do velejador passo-fundense, Daniel Guerra, condenado em Cabo Verde, a professora aposentada Fátima Guerra, em entrevista ao ON, contou um pouco sobre a rotina naquele país, onde está, acompanhada do marido, há mais de 100 dias prestando apoio ao filho

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A decisão da Justiça de Cabo Verde em condenar o passo-fundense Daniel Guerra, juntamente com outros dois brasileiros e um francês, a uma pena de 10 anos de prisão, por associação ao tráfico, não abalou a esperança da família em reverter a sentença. Os três estão presos desde agosto do ano passado, após a polícia local ter encontrado mais de uma tonelada de cocaína no veleiro tripulado por eles. Numa vigília incansável, a mãe, Fátima Guerra, e o pai, Telio Carlos Guerra, 68, desembarcaram em Mindelo, na ilha de São Vicente, em 14 de dezembro do ano passado, para apoiar o filho, e não arredaram mais o pé de lá. O julgamento terminou no dia 29 de março.

 

A defesa dos brasileiros já prepara recurso para recorrer da decisão e levar o caso ao Tribunal de Justiça. Relatórios enviados pela Polícia Federal brasileira apontaram que os tripulantes embarcaram em Salvador. Uma semana depois partiram para o porto de Natal, Rio Grande do Norte. A PF realizou duas vistorias na embarcação e não encontrou nenhum vestígio da droga. A conclusão é de que a cocaína foi escondida no veleiro ainda em Guarapari, no Espírito Santo, antes da chegada da tripulação. No entanto, a justiça acabou acatando a versão do Ministério Público de Cabo Verde, a qual alega que droga teria sido embarcada no meio do Oceano Atlântico. Pela maneira como estava acondicionada, a PF descarta totalmente esta hipótese.

 

Desde o momento em que o casal partiu do Brasil para Cabo Verde, já se passaram mais de 100 dias de muitas incertezas, em um país desconhecido, distante aproximadamente 4,6 mil quilômetros de casa, da família e dos amigos. O pai, Telio, mesmo aposentado, segue na ativa. Motorista de caminhão boiadeiro, teve de interromper o trabalho e deixar a estrada, por onde já cruzou mais de 80% do país, em 48 anos de profissão. O casal chegou a alugar um apartamento para acompanhar de perto, o desfecho de uma história que tinha todos os ingredientes para ser bem sucedida e que acabou virando pesadelo. A espera angustiante dos pais, é aliviada pelas mensagens de apoio enviadas por amigos brasileiros e, até mesmo, dos cabo-verdianos nas ruas de Mindelo. “Neste país fomos bem recebidos. As pessoas nos tratam com carinho e respeito. Reconhecem a inocência de nosso filho, muitas choram quando tocam no assunto” disse a mãe.


Na última segunda-feira, a professora aposentada, Fátima Guerra conversou com a reportagem do ON, através da troca de mensagens via aplicativo. Por mais de três horas, ela contou como tem sido a rotina em Mindelo, lembrou das andanças do filho pelo mundo. Também recordou o drama enfrentado pela família, ao descobrir, por acaso, que Daniel, à época com apenas 17 anos, tinha um câncer, que por muito pouco não abreviou a do jovem. Por último, ela falou da esperança em voltar ao Brasil, acompanhada do marido e do filho, livre da acusação.

 

ON – Qual sua avaliação sobre a decisão da Justiça e também em relação ao fato de não considerar os documentos enviados pela Polícia Federal brasileira?

 

Fátima Guerra- Isso foi uma lástima. O juiz não considerar os documentos enviados do Brasil. Nem considerou as testemunhas, toda a documentação de Daniel Guerra e, tão pouco, as declarações enviadas de pessoas idôneas do Brasil sobre o caráter de meu filho. Também não levou em conta o contrato feito pela The Yacht Delivery da Holanda.

 

ON - A defesa já recorreu da decisão?
Fátima Guerra - Os advogados iniciaram a análise dos documentos para recorrer da sentença.

 

ON - A senhora e seu esposo têm contato com o Daniel, conseguem conversar com ele?


Fátima Guerra - Sim, temos contato duas vezes por semana. Na quinta feira e no domingo. Cada visita é de uma hora e meia.

 

ON - E como ele está após a condenação, segue otimista em reverter a decisão?

 

Fátima Guerra - Quando recebeu resposta do juiz no tribunal ficou arrasado. Acreditava que o juiz seria justo, que lesse e interpretasse os documentos apresentados com a luz da verdade. Agora está um pouco mais calmo e otimista, pois serão três juízes para analisar com calma e muita atenção os documentos e também ouvir o clamor das pessoas daqui e do Brasil.

 

ON -Vendo algumas fotos do Daniel no Facebook, demonstra o espírito aventureiro dele. Era um sonho dele fazer uma travessia?

 

Fátima Guerra - Não só um sonho, como estava se profissionalizando para ser um navegador. Ele precisava das milhas náuticas para agregar no currículo e então foi contratado para levar o veleiro e não o que estava nele, motivo pelo qual está sendo julgado, jamais.

 

ON - Como tem sido a rotina sua e do seu marido aí. Tiveram de deixar tudo aqui no Brasil para acompanhar ele de perto?

 

Fátima Guerra - Sim, deixamos tudo, ainda bem que temos pessoas de coração e dispostas a nos ajudar. A rotina aqui é muito difícil. Estamos carregando o peso da armadilha feita para nosso filho pelo dono do barco e agora o peso da injustiça.

 

ON - Que tipo de ajuda estão recebendo?

 

Fátima Guerra - Ajuda? Moral dos amigos daqui do Brasil e de fora tmbém. A Embaixada do Brasil, através do cônsul Celso têm nos dado o apoio moral.

 

ON - Vocês vão permanecer em Cabo Verde acompanhando, até esgotar todas as possibilidades na Justiça?

 

Fátima Guerra - Ainda vamos decidir como fazer, pois estamos aqui há mais de 100 dias. No Brasil temos muitos assuntos a resolver. O objetivo é ficar junto com nosso filho e levá-lo de volta conosco. Quem sabe dar uma ida de poucos dias e retornar o mais breve possível para ficarmos com ele. Estamos a pensar como fazer. Alugamos um apartamento aqui. Outro motivo que precisamos retornar ao Brasil é que tenho consultas médicas para fazer, pois meus remédios estão quase terminando, são medicamentos controlados para depressão e não existem aqui. É muito difícil.

 

ON - O Daniel está com os outros brasileiros?

 

Fátima Guerra – Sim, dois brasileiros e o capitão. Ele está no mesmo recinto com o brasileiro Rodrigo Dantas. Outro brasileiro com o capitão francês.

 

ON - Ele comenta com vocês sobre os planos futuros de quando isso tudo passar? O que pretende fazer, uma pessoa aventureira como ele?

 

Fátima Guerra- Sim. Vai continuar a navegar. Meu filho tem um espírito livre e liberto. Uma alma com energia positiva. Ele fez relações internacionais em Florianópolis, mestrado de empreendedorismo, e internacionalização na cidade do Porto, em Portugal. É autor do projeto Liberbik. Ama o esporte. Fez toda a América do Sul de bicicleta. Foi até o fim do mundo no Ushuaia. O lema de seu projeto Liberbike é ‘Conquiste Sua Liberdade’. Veja! será que ele algum dia pensou em fazer tal tipo de besteira que o Juiz o acusa?. Não. Sua vida é limpa. Nós o educamos para o bem.

 

ON - O Daniel deixou Passo Fundo com que idade?


Fátima Guerra- Saiu depois que passou por um problema sério de saúde, teve derrame interno. Foi um tumor no intestino que rompeu dentro dele. Câncer, sério. Foi na faculdade que aconteceu. Ele me ligou, eu estava no Bom Conselho. Disse, ‘mãe estou com muita dor na barriga estou indo para casa’. Pegou o ônibus e foi. Eu pedi para a irmã do colégio e fui rápido para casa. Meu esposo e eu o levamos rapidamente para hospital. Fizeram exames e aí partiram para cirurgia para resolver o problema do derrame. Depois viram que era câncer. Os médicos falaram que por cinco minutos, mais ou menos, o teríamos perdido. Foi seria a coisa. Fez várias sessões quimioterapia. Nesta época tinha quase 18 anos, iniciando faculdade Engenharia Civil na UPF, mas cancelou devido ao problema. Depois foi com 19 para 20 anos mudou para Florianópolis. Ficou um ano e meio na Austrália estudando Inglês. Voltou e fez vestibular para Relações Internacionais. Se formou, aí foi fazer metrado na Cidade do Porto em Portugal e voltou a morar em Florianópolis.


ON – Como está o sentimento do casal, passando por este momento em um país distante, para prestar o apoio necessário ao Daniel. Que mensagem a senhora gostaria de deixar?

 

Fátima Guerra - Sentimento de tristeza, de revolta com as pessoas do mau . Sempre educamos nosso filho para o bem, para ter o respeito por si e pelos outros. Tristeza por estarmos passando por isso. Neste país fomos bem recebidos, as pessoas nos tratam com carinho e respeito. Reconhecem a inocência de nosso filho, muitas delas choram quando tocam no assunto. Nós temos a certeza da inocência do Daniel. Queremos agradecer a todos que apoiam incondicionalmente, inclusive, quero registrar aqui a presença de sete pessoas vindas do Brasil para testemunhar a favor dele. Sendo cinco capitães, dois deles donos de barco em que Daniel trabalhou, uma médica, um engenheiro e um ciclista. Minha mensagem é que temos muita fé em Deus, pois ela remove montanhas. Nossa gratidão a todos, sentimos aqui essa energia positiva que nos enviam.

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