Novas formas de construir, novos jeitos de pensar

Construção em sistema steel frame ainda é pouco difundida no Brasil, apesar de ser muito utilizado na América do Norte e Europa. Escritório de Passo Fundo aposta na técnica para reduzir uso de recursos naturais e evitar desperdícios

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Esta série de duas reportagens será publicada neste final de semana e na edição de segunda-feira de O Nacional. Ela apresenta diferentes métodos construtivos que foram escolhidos por profissionais por seus benefícios aos clientes e, especialmente ao meio ambiente. Elas mostram que, apesar do convencional ainda ser a maioria, é possível fazer e pensar diferente em busca de um mundo mais sustentável econômica e ambientalmente.

 

Quando os irmãos Gustavo e Mateus Bastian se formaram em Engenharia Civil e Arquitetura e Urbanismo, respectivamente, ambos tinham em mente que precisariam ter um trabalho diferente do convencional. Não apenas no que se trata de design de residências e outras edificações, mas algo que envolvesse desde o modelo construtivo até o controle dos impactos ambientais de seus projetos. Como a construção civil já era parte da rotina deles que cresceram vendo o trabalho da construtora do pai, a identificação do que poderia ser mudado foi um processo natural. Incomodados com os desperdícios de materiais e recursos dos modelos convencionais de construção, eles decidiram que fariam diferente.

 

No começo ainda precisaram, por algum tempo, adotar a alvenaria tradicional em seus projetos, mesmo assim, os projetos já se baseavam em conceitos de aproveitamento de luz e ventilação naturais que pudessem contribuir para o menor gasto com energia para iluminação e climatização dos ambientes, além de isolamentos e o reaproveitamento da água da chuva. Conforme o mercado se abriu para os profissionais, decidiram que deveriam seguir adiante com o plano. “Hoje, em qualquer casa que construímos não abrimos mão de, no mínimo, o reaproveitamento de água de chuva, e, pelo menos, a espera para aquecimento solar. Se não quiser instalar não precisa, mas as esperas já estão inclusas e a partir disso conseguimos várias outras melhorias”, enfatiza Gustavo.


Hora de inovar
Com a equipe atual do escritório formada ainda pela arquiteta Giulianna Bortolin e pelo engenheiro civil Guilherme Casali, e o especialista em steel frame Francisco Vargas, investiram em um modelo de construção pouco convencional no Brasil. Apesar de ser popular na Europa e na América do Norte, o steel frame ainda é pouco difundido por aqui. Por isso, além de terem uma dificuldade inicial para encontrar fornecedores, tiveram de capacitar a equipe responsável pelos projetos e também a mão-de-obra para executar as obras. “O steel frame gasta menos energia, reduz desperdício, não leva tanta energia, nem água, reduz o tempo de obra, a montagem é mais industrializada então não é tão penosa. Com isso, conseguimos oferecer um produto bem acima da média no quesito sustentabilidade”, explica.

 

Steel frame
O modelo de construção steel frame utiliza estrutura metálica pré-moldada. Em comparação com a construção convencional, os tijolos e estruturas de concreto, são substituídos por uma estrutura de aço galvanizado leve revestida com placas (OSB, cimentícia, drywall) prontas para receber pintura ou revestimentos.


A aceitação do produto, no entanto, ainda varia. “Depois que o pessoal conhece, aceita muito bem. A barreira que a gente tem é mais do conhecimento da tecnologia do que da aceitação. Tem pessoas mais resistentes à mudança, e é natural”, pontua Gustavo. Segundo ele, nos Estados Unidos 90% das obras são baseadas em steel frame ou wood frame (variação do processo que utiliza estrutura de madeira ao invés de metálica). “ O steel frame é utilizado nas mais diferentes condições climáticas e é consolidado. O receio é mais uma questão cultural e basicamente quem está com a cabeça mais aberta e consegue entender, aceita de primeira. No ano passado conseguimos expandir bastante as obras. E tem uma nova geração, com mais acesso à informação que inclusive procura. Teve gente que nos procurou porque fazíamos steel frame”, conta.


Hoje a maioria dos fornecedores não é de Passo Fundo. Eles trabalham, principalmente, com distribuidores internacionais, com representantes na região metropolitana de Porto Alegre. Mesmo com todas as vantagens que o sistema oferece, com o tempo de obra podendo chegar a um terço do tempo do método convencional, o custo da obra fica bem parecido com a alvenaria convencional, variando apenas entre 5% e 10%.


Quem escolheu
Desde que Anubis e Valerio Rossetto iniciaram o planejamento da casa, priorizaram o conceito de uma construção sustentável com o objetivo de reduzir os desperdícios durante a obra, agilizar o processo de construção, bem como projetar mecanismos para a economia dos recursos naturais. A obra ainda está em andamento, mas as expectativas são grandes. “Conseguimos viabilizar nossas ideias quando descobrimos as empresas Cubbo Construção Sustentável e a Encore Sistemas Construtivos aqui em Passo Fundo. Hoje, com nossa construção em andamento, estamos muito satisfeitos e com grande expectativa para aproveitarmos nosso novo lar”, relatam.


Para Paula Carvalho, construir a casa sempre foi um sonho, por isso ao iniciar o projeto, também optou por algo que trouxesse benefícios não apenas para ela. “Ao planejar a construção, pensar na sustentabilidade não foi uma escolha, foi uma necessidade. Não imaginava um lugar meu que não estivesse em sintonia com a preservação do meio ambiente”, conta sobre ter optado pela construção com o sistema de steel frame.


Casa Cubo
Um dos primeiros projetos do grupo com steel frame foi chamado de “casa cubo”. O planejamento previa uma residência de dois dormitórios, sala, cozinha e banheiro, construída com sistema de steel frame, cobertura com telhas ecológicas, aproveitamento de iluminação natural, ventilação cruzada, parede verde para reduzir o aquecimento do lado da casa com maior incidência solar, reaproveitamento de água da chuva, espera para placa fotovoltaica eexpansão planejada, tudo isso a um custo relativamente baixo. O público visado com o projeto não correspondeu à expectativa. “Acabamos abocanhando outra fatia que até não esperava que é o mercado de alto padrão que acabou tendo uma aptidão maior para a nova tecnologia”, conta. Um dos projetos que está em fase final (fotos) é um exemplo para o grupo. “Ele foi desenvolvido sob medida e está em fase final. Conseguimos aplicar todas técnicas que tínhamos disponíveis”, orgulha-se.


Mesmo sendo um sistema construtivo bastante eficiente, o steel frame não resolve todos os problemas . Por isso, para que a aplicação seja eficiente os projetos visam o menor impacto possível na topografia dos terrenos, análises da incidência solar para garantir o melhor aproveitamento da luz para aquecimento ou geração de energia, por exemplo.

 

Palavra de especialista
O Nacional - A construção com steel frame tem tanta qualidade quanto um sistema convencional? Quais os destaques?


MaiaraMorsch - O steel frame consiste em uma construção a seco e há anos é muito difundido em países desenvolvidos. Este método pode possuir mais ou menos qualidade que o método comum. Isto efetivamente irá depender, em primeiro lugar, de que tipo de qualidade que estamos falando e, em segundo lugar, de que forma que ele será executado. Um edifício, por exemplo, possui qualidades no que se referem ao conforto térmico e acústico, à modulação e flexibilidade do projeto, à sua durabilidade, à sua estrutura, etc. De qualquer modo em ambos os casos a qualidade do sistema vai depender das escolhas realizadas na etapa do projeto que se adequem as condições específicas do local e da perfeita execução do que for especificado. Cada técnica possui as suas limitações e competências.

 

ON - Esse método, realmente representa um ganho quando se fala em cuidado com o meio ambiente?


MM - Sabemos que atualmente o setor da construção civil é uma das atividades humanas de maior impacto ambiental, isso se dá pelo consumo de recursos naturais, pelas emissões de gases do efeito estufa, pelo consumo de energia elétrica, pela alta produção de resíduos e pelo uso de água. Os esforços em direção à sustentabilidade se dão no sentido de diminuir os impactos em uma ou mais destas vertentes, uma vez que a construção sempre irá repercutir no meio ambiente e nunca será 100% sustentável (pelo menos por enquanto, com a tecnologia que temos disponível).


O método steel frame possui características positivas neste aspecto, como o menor impacto no canteiro de obras, a rapidez da execução, menor produção de resíduos e de desperdício de material, facilidade de desmontagem e a reciclagem do aço após o seu uso. Outros ganhos em relação à sustentabilidade, assim como em outros métodos, irão depender de decisões de projeto desde o seu lançamento até as especificações dos materiais. Por exemplo, se eu especificar uma obra em steel frame com painéis de fechamento vindos de São Paulo provavelmente será menos sustentável neste quesito do que uma obra com fechamento em tijolos produzidos na região. São muitos fatores que devem ser colocados na balança.


ON - Hoje existem métodos mais econômicos e sustentáveis para a construção, por que, na sua opinião, no Brasil o método convencional ainda é tão popular?


MM - No campo da arquitetura sempre existiram vários métodos construtivos. Com o passar do tempo estes métodos se aprimoram e outros surgem incorporando novas tecnologias que geram avanços significativos no modo de construir.


O método do concreto armado surgiu na Europa no século XIX a partir de técnicas conhecidas desde a antiguidade, como a alvenaria. Historicamente o Brasil possui esta cultura construtiva enraizada, o que fortaleceu o mercado no setor industrial e também no setor de mão de obra, aonde as técnicas são passadas de geração em geração e não demandam de estudo aprofundados para executá-la, levando trabalho a pessoas que não encontram outras oportunidades. Esta cultura se estabeleceu também no lado do cliente, que muitas vezes vê esta como a única forma de se construir.


É fato que a construção civil no Brasil avança de forma mais lenta do que em outros países, uma vez que a incorporação de novas tecnologias provoca mudança cultural, tecnológica e abre uma disputa de mercado. Mas, o avanço lento não implica a nossa estagnação. Felizmente nosso mercado tem se diversificado e, aos poucos, outras tecnologias estão sendo incorporadas. Fatores como a crise financeira e o aumento do conhecimento criam novas lacunas no setor, aqui o papel do arquiteto é fundamental para que esta lacuna seja preenchida com qualidade.
Em minha opinião, dentre tantos fatores, a abundância de mão de obra qualificada nesta área ainda é um fator determinante dos passos lentos em que avançamos. Como arquiteta vejo muita resistência no canteiro de obras, mas iremos vencer esta barreira com persistência e com a produção de uma sociedade com mais educação e oportunidades.


ON - Passo Fundo viveu nos últimos anos um boom no setor imobiliário. Esse crescimento foi acompanhado pela adoção de técnicas modernas no que se refere à sustentabilidade ambiental?


MM - Infelizmente não. Por vários motivos as últimas construções ainda estão muito aquém no sentido da sustentabilidade (que não pode ser rotulada como uma técnica e sim como um conjunto de boas escolhas), vejo que ocorreu no mercado mais marketing verde do que ações concretas. Mas, em contrapartida uma nova centelha de esperança está surgindo, hoje estamos começando a ver no mercado atitudes que visam iniciativas sustentáveis e tenho certeza que há uma tendência de crescimento, este é o caminho e não teremos como escapar. Estamos começando a viver uma realidade que já é comum em países desenvolvidos.


Um forte propulsor da sustentabilidade é a crise, pois com a baixa de mercado as empresas precisam buscar um diferencial competitivo. Outro fator é a dissipação de conhecimento que não deixa mais o consumidor se iludir, a atualização e a exigência do cliente será fundamental neste processo. E ainda, vejo que os grandes responsáveis pela transformação serão os jovens desta e das novas gerações, tanto no papel de consumidor quanto no papel de profissional. O exemplo disso são as experiências que tenho no meio acadêmico na Universidade de Passo Fundo, o fomento da sustentabilidade está intrínseco nos projetos dos alunos devido à sua própria conscientização e ao nosso incentivo incessante, em menor ou em maior grau não se separa mais uma coisa da outra.


ON - O que falta para termos um sistema de construção que agrida menos o meio ambiente, promova a eficiência energética e traga outros benefícios para a população como um todo?


MM - Para responder esta pergunta retorno à minha primeira frase. Existem muitos métodos construtivos e certamente surgirão mais, porém não haverá um único método ideal ou uma solução mais eficiente que a outra, o próprio método convencional está constantemente evoluindo neste sentido. Este rótulo não irá existir. A promoção de atitudes mais sustentáveis devem atingir dimensões que integram os vieses econômico, social, ambiental e cultural.


Para fazer escolhas bem feitas deve-se ter um olhar holístico, um sistema construtivo engloba mais variáveis do que a obra em si e tudo deve ser colocado na balança. A construção civil engloba o envolvimento de pessoas em todos os processos, abrangendo, por exemplo,a difusão de conhecimento e de pesquisa, o processo de extração, o manejo e o tratamento industrial de diversos materiais, o transporte, a gestão em canteiro, aocupação e manutenção do edifício até o fim do seu ciclo de vida que envolverá o descarte ou reciclagem. Além disso, devemos considerar a qualidade de vida do ser humano que ali irá habitar, o edifício deve proporcionar felicidade e ser usado de forma sustentável e este é o fator que mais pesa na balança.


Diversos sistemas podem ser usados com o intuito de promover a sustentabilidade e a eficiência energética. Fundamentalmente o que irá determinar o nível de eficiência será o conjunto de escolhas bem feitas no seu planejamento. Estas envolvem o respeito pelas necessidades do cliente, pelas decisões conceituais do projeto e pela cultura local, a correta inserção do edifício no terreno e as estratégias voltadas para o clima local, que chamamos de Arquitetura Bioclimática, e que naturalmente proporcionarão conforto térmico, acústico e lumínico e eficiência energética.


Evidentemente que as escolhas que diminuam a quantidade de resíduos e desperdício em obra, que encurtem o tempo de execução, que envolvam a modulação,aindustrialização, a reciclagem, que reduzam o transporte, que envolvam uma extração consciente, que não liberem elementos tóxicos no ar, etc., irão resultar em uma obra de menos impacto ambiental. O mais importante em se ter em mente é que sustentabilidade é resultado de projeto e planejamento.


*MaiaraMorsch é arquiteta e urbanista, especialista em Sustentabilidade e Eficiência Energética em Edificações, Mestre em Engenharia e Meio Ambiente, Doutoranda em Arquitetura. Já trabalhou com construções eficientes em Nova York nos EUA, trabalhou em obra com selo verde (LEED Gold) em Porto Alegre. Hoje além de atuar na área e prestar consultorias é docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Passo Fundo.

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