Olhar para algo e imaginar um novo uso pode evitar que toneladas de materiais se tornem um problema ambiental. Em Passo Fundo, o uso de containeres na construção civil é algo que pode ser visto em alguns pontos da cidade, especialmente utilizados para construção de bares e restaurantes. Em outros lugares do mundo, a reutilização destes sistemas é comum tanto para comércio e serviços, quanto para moradia. É exatamente para este último tipo de uso que as arquitetas Cris Dilly e Frantieli Andreetta querem chamar a atenção no município.
Em parceria elas duas projetaram e construíram o primeiro residencial em container da cidade. O projeto chama a atenção de quem passa pelo local e vê os quatro apartamentos no terreno localizado em espaço privilegiado de um novo loteamento. Conforme Crys, as quatro moradias foram construídas utilizando containeres de 40 pés HC, que são os mais altos. “Ele tem 12m de comprimento por 2,44m de largura e 2,89m de altura. Quando não é HC ele é 20cm mais baixo”, inicia a explicação. Se por fora eles chamam a atenção por manterem a aparência convencional de um container, por dentro, em quase nada lembram sua origem.
Em um dos apartamentos que está mobiliado é possível conhecer o projeto integrado que inclui áreas para sala de TV, cozinha, área de lavanderia com tanque e espaço para máquina de lavar roupas, banheiro e dormitório. “Nos móveis usamos linguagem diferente com OSB e os móveis da cozinha com compensado naval”, detalha sobre a escolha dos materiais. No revestimento as arquitetas utilizaram lã de PET e gesso acartonado, que oferecem isolamento acústico e térmico. O piso original é feito em compensado naval, mas como ele é arranhado pelo uso ao longo dos anos, foi feito um nivelamento e posteriormente foi coberto com piso vinílico.
A ideia
Crys conta que mora em Passo Fundo há pouco mais de dois anos e que antes havia residido em São Paulo por oito anos. “Quando cheguei aqui queria trabalhar com algo diferente. Quando vim conhecer o loteamento, surgiu a ideia de fazer um empreendimento com uma linguagem e uma proposta bacana. Conversando com o dono do loteamento, ele perguntou o que eu queria fazer e eu disse que era uma casa em container, e ele me disse que se eu fizesse esse projeto ele me cederia o terreno até vender o imóvel. Ao invés de fazer uma casa única, surgiu a ideia de fazer um condomínio que já é comum e outros países”, conta.
O objetivo inicial era o de trazer todo pronto de Santa Catarina, mas ela decidiu executar todo o projeto aqui. “Teve uma dificuldade normal quando se trabalha com algo pela primeira vez. Tivemos uma dificuldade um pouco maior na prefeitura que nos exigiu uma série de laudos para mostrar que era possível habitar em questão de conforto”, lembra.
Por que container?
Os containeres podem durar entre 100 a 120 anos. No entanto, o uso dele para o transporte de carga varia entre oito e dez anos. Depois desse período eles são deixados em depósitos. Inicialmente, os containeres foram utilizados como depósitos para obras e outros usos mais rústicos. “Hoje estamos vendo que dá pra usar essa superestrutura que é super resistente, ele suporta uma carga de 28 toneladas internas e pode ser empilhado até quatro em obras. É muito mais rápido e prático. Ele é montado no galpão. É uma obra rápida, prática e com muito menos geração de resíduo e uso de recursos naturais”, explica sobre a escolha.
Antes de comprar um container é feita uma vistoria para evitar comprar algum que, eventualmente, possa ter algum mau cheiro em decorrência do uso anterior e também para verificar as condições gerais. Posteriormente, eles são descontaminados e o trabalho se inicia no galpão onde são eliminados possíveis pontos de corrosão e são feitas as instalações hidráulicas e elétricas e também os revestimentos e acabamentos.
Instalação
Depois de finalizada a parte de preparação, o container é levado para o local onde será instalado. No caso do residencial, ele está fixado no solo com quatro estacas, nos quatro pontos de apoio, a um metro e meio de profundidade, mais uma chapa metálica na qual ele é soldado. Além disso, eles são soldados uns aos outros. Nos andares inferiores, as portas originais também são usadas como aberturas. Nos superiores, as portas se tornaram uma sacada.
Custo e burocracia
Hoje ainda há uma dificuldade para financiar casas construídas em containeres, mas para condomínios é mais viável o financiamento. Além disso, o custo de produção de uma casa de container em relação a uma casa de mesmo tamanho em alvenaria convencional chega a ser de 20% a 30% inferior. Uma casa montada nos moldes das apresentadas no condomínio pode ser entregue ao proprietário por um valor de aproximadamente R$ 40 mil apenas a estrutura finalizada ou a R$ 55 mil com o mobiliário.
Uso no meio rural
Outra utilização dos containeres proposto pelas arquitetas é para o armazenamento de agrotóxicos e embalagens vazias de agrotóxicos para produtores rurais. Neste caso, os espaços são preparados para garantir a segurança dos materiais armazenados e são preparados com equipamentos de proteção individual entre outros itens. Além dos cadeados externos, há um sistema de abertura interna que impede o uso de alicates para a abertura das portas. Ele também conta com uma barreira de contenção para casos de vazamentos.
Apesar de não necessitar de uma licença específica, o projeto foi apresentado para a Fepam para verificar se poderia ser usado. Conforme a arquiteta no meio rural, o armazenamento incorreto de agroquímicos é preocupante. “O produtor armazena embaixo da cama, no banheiro, ele esconde, tem um caso em que guardava em uma ilha no meio de um açude”, pontua sobre as situações de risco. Com o galpão de container é possível economizar até 40% em relação à construção de um galpão de alvenaria convencional. Quando o galpão é entregue, junto vai um guia com todas as orientações sobre a escolha do local em que ele pode ser instalado.