Casinhas podem esconder problemas se animais não receberem tratamentos adequados

Abrigo, água e comida são importantes para os animais, especialmente no frio, mas cuidados devem ir além desses para evitar outras complicações

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Além de abrigo e alimentação, animais precisam de cuidados de higiene e saúde para evitar que se tornem difusores de zoonosesAlém de abrigo e alimentação, animais precisam de cuidados de higiene e saúde para evitar que se tornem difusores de zoonoses
Além de abrigo e alimentação, animais precisam de cuidados de higiene e saúde para evitar que se tornem difusores de zoonoses
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A iniciativa é nobre: cuidar de animais que vivem nas ruas e oferecer abrigo, água e alimento a eles. No entanto, as casinhas para cães de rua que se espalham pela cidade podem causar problemas quando os devidos cuidados não são tomados. O instinto de demarcação territorial, procriação descontrolada, proliferação de pulgas e carrapatos e, consequentemente, possibilidade de difusão de zoonoses são alguns deles. A situação prejudica até alguns serviços públicos, como as entregas feitas pelos Correios em algumas regiões.

Apesar de não haver um dado oficial, ataques por parte de cães são relatados por moradores de diferentes regiões da cidade. Na entrada do Bairro Vera Cruz, por exemplo, os cães que ficam em uma praça já foram responsáveis por atacar pessoas que caminhavam ou corriam nas proximidades e também por perseguir motociclistas e carros que por ali passam. Os moradores já chegaram a fazer um abaixo assinado que reuniu cerca de 120 assinaturas pedindo que os animais não ficassem mais na praça. Da mesma forma, no Bairro Cohab Secchi, cães comunitários já atacaram pessoas que passavam pelos locais onde eles estavam abrigados, também já atacaram ciclistas, pessoas idosas, pessoas em paradas de ônibus e crianças.

Problema prejudica serviços

A situação dos ataques prejudica, inclusive, serviços essenciais, como é o caso dos Correios. A existência de cães soltos em algumas ruas de Passo Fundo ameaça a segurança dos carteiros que fazem entregas nesses locais. De acordo com informações da assessoria de imprensa da empresa, em muitos locais, inclusive, o serviço chegou a ser suspenso em determinados períodos, já que a Portaria nº 6.206/2015 do Ministério das Comunicações exige que haja condições de acesso e segurança ao empregado postal nas vias que ele deve percorrer. “Além disso, quando um carteiro é atacado, ele pode precisar ficar dias afastado do trabalho, o que gera impacto em toda a área de entrega deste profissional. O problema com os cães em Passo Fundo é comum em diversos bairros, como Parque do Sol, Santa Marta, Jaboticabal, Cruzeiro, entre outros”, informa a empresa.

Para tentar amenizar a situação, os Correios estão auxiliando a Prefeitura a mapear as áreas mais críticas. “A ideia é que o órgão municipal encaminhe os animais para castração. Também é importante destacar que, no caso de cachorros de rua ‘adotados’ pelos moradores, a orientação é manter os cães presos de modo que não tenham acesso à caixa de correspondências da residência para evitar ataques aos profissionais dos Correios”, esclarece a nota.

Lei Municipal reconhece o animal comunitário

De acordo com o secretário Municipal de Meio Ambiente Rubens Astolfi existe uma lei municipal que reconhece o animal comunitário. Segundo ele, o município tem vários exemplos positivos de animais comunitários, que vivem em local público, e acabam se inserindo no convívio da comunidade. “Existem mais casos positivos do que negativos. Não temos casos de animais que ataquem as pessoas, não temos reclamações de que causem algum transtorno. Justamente por isso, como ele está inserido na comunidade ou morando na rua e tem pessoas responsáveis pelo cuidado, pelo monitoramento, são experiências positivas”, afirma.

Ainda segundo Astolfi, o município não dispõe de um cadastro oficial, mas pela experiência com a Coordenadoria do Bem Estar Animal afirma que é possível saber quem são os responsáveis pelos animais. “A rede proteção é bastante organizada e transparente. O animal lá no bairro Petrópolis, alguma pessoa é responsável por monitorar ele”, exemplifica. Segundo o secretário, as pessoas não costumam se eximir da responsabilidade e normalmente os animais são castrados e têm a vacinação monitorada. “Dificilmente seja um animal que não tenha cuidado. Eventualmente quando vem alguma reclamação, é bem pouco receber, conseguimos chegar na pessoa que está cuidando”, reitera.

Adoção consciente

A professora do curso de Medicina Veterinária da UPF Heloísa Barcellos explica que além de verificar se é permitido instalar uma casinha para um animal de rua em algum lugar, não basta apenas providenciar um abrigo. Segundo ela, é necessário levar em consideração que alguém se responsabilize tanto pela casinha quanto pelos animais que ali forem se abrigar, garantindo que a mesma fique limpa, seca, sem lixo ou plantas em excesso ao redor, evitando assim a proliferação de insetos e animais peçonhentos. “Outro fator importante a se considerar, é que os animais que recebem uma casinha se tornam animais comunitários. Ou seja, a comunidade do local deve se responsabilizar pelo cuidado com aquele cão. Somente providenciar um abrigo não é suficiente. Quem pensa em realizar esse ato, deve incluir nisto alimentação, água e cuidados sanitários, tais como vermifugar, vacinar e providenciar o controle reprodutivo (sendo a castração o mais eficaz e com menos risco a saúde do animal)”, explica lembrando que estes cuidados são importantes, pois o animal, ao receber uma casinha (um abrigo), irá permanecer no local. “E se não for bem cuidado, poderá transmitir doenças para as pessoas que circulam naquele local, doenças essas chamadas de zoonoses”, salienta.

Outro cuidado diz respeito à quantidade de animais que existem em uma determinada área. A falta de abrigos pode gerar brigas e disputas, por isso cada cão precisa ter o seu abrigo ou, se conhecer bem o comportamento dos animais que ali circulam, verificar se os mesmos têm o hábito de ficarem juntos. “É muito comum que formem matilhas, nas quais passeiam e dormem juntos. Neste caso, pode-se oferecer uma casinha para um grupo de animais, mas com tamanho adequado. Outro fator importante é o tamanho do animal, ou dos animais que irão utilizar a casinha. Deve-se averiguar se eles conseguem entrar e ficar confortável naquele abrigo, e se o mesmo não possui pontas, pregos ou outros elementos que podem machucar o animal ao entrar ali”, orienta.

O animal comunitário deve receber cuidados sanitários para não transmitir zoonoses. Conforme a professora, no momento que um animal recebe um abrigo e alimento ele ficará naquele local. Então, é fundamental que as pessoas se responsabilizem , procurando um médico veterinário para orientá-la a respeito de vacinas, vermífugos, controle de ectoparasitas (pulgas, carrapatos e piolhos), avaliação do estado geral de saúde e providenciar a castração. “Simplesmente colocar uma casinha e achar que resolveu o problema é um erro grave. O acúmulo de cães errantes, sem os devidos cuidados, gera doenças, tanto para eles, quanto para as pessoas. Exemplificando: se nessa casinha entrar um cão com uma doença viral, parvovirose por exemplo, ele deixará o vírus no local. Esse vírus poderá infectar durante meses outro animal que ali for se abrigar. Além disso, se os animais não forem castrados irão se reproduzir mais facilmente ainda, gerando mais animais de rua, agravando a problemática de excesso de animais errantes”, enumera. Outro agravante é a transmissão das zoonoses, tais como sarnas, verminoses, e doenças infecciosas (raiva, leptospirose, entre outras). “Abrigar esse animais é importante sim, mas com responsabilidade”, reforça.

Saúde pública

A transmissão de zoonoses é um risco sério. Desde verminose pelas fezes que ficam expostas nos ambientes, até doenças mais sérias, como a leptospirose. Além disso, se a "casinha" não for limpa, poderá ali proliferar pulgas, carrapatos e piolhos. E também a falta de manutenção poderá levar ao acúmulo de água, sendo um local para a proliferação de mosquitos. “Mas se por outro lado, os animais forem bem tratados por todos, e receberem cuidados, os benefícios serão enormes. Esses cães costumam cuidar e proteger as pessoas que ali circulam. São motivo de alegria para as pessoas que vão numa praça, por exemplo, para descansar. Várias vezes observo crianças e idosos sentadas acariciando um animal comunitário. E os benefícios para a saúde humana (se este animal for saudável) são fantásticos. Várias pesquisas mostram que o contato diário com um animal tem efeitos benéficos à saúde humana”, pondera.

O professor do curso de Medicina Veterinária da UPF, Leonardo Alves, concorda que a convivência com animais traz vários benefícios às pessoas, conforme dados científicos, desde que estes animais estejam saudáveis. Segundo ele, hoje há uma grande população de animais que vivem nas ruas e que muitos destes são abandonados pelas pessoas que os adquirem ou adotam e depois se arrependem e os largam na rua ou em outros locais. Para ele, a posse responsável é um tema que deve ser incluído das discussões de saúde pública.

Modelos de sucesso

Existem modelos de sucesso neste tipo de cuidado com os animais de rua. A professora Heloísa cita casos na Argentina e no Chile em que há vários exemplos pelas praças das capitais. “Lá várias ONGs realizam estes cuidados. Os animais são identificados, recebem microchip, são vacinados e vermifugados e castrados. Há grupos de pessoas devidamente identificadas, que passam durante o dia, verificando o abrigo, fornecendo alimento e água e higienizando o local. Ao passar pelas praças que têm estas comunidade de cães, observa-se que no inverno eles inclusive têm roupas. Isso faz parte da cultura destes locais. Os animais são todos castrados, e a população cuida. Algo semelhante pude observar no Brasil, em Curitiba”, conta.

Em Curitiba, por exemplo, em terminais de ônibus, cães que foram abandonados ou chegaram a estes locais são cuidados por meio de um projeto chamado Cães Comunitários. Os animais são assistidos pela Rede de Defesa e Proteção Animal da Prefeitura de Curitiba. As pessoas colaboram com ração e água, a equipe da prefeitura identifica eles com michochips e coleiras, faz a castração e dá o suporte veterinário. Alguns deles, inclusive, são adotados após serem castrados e vacinados. O projeto tem caráter de pesquisa e é mantido com recurso da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná com parceria da Universidade Estadual do Paraná. Nos terminais, pessoas são responsáveis por avisar os técnicos quando os animais apresentam qualquer alteração que possa indicar um problema de saúde.

 

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