O enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes é um tema amplamente debatido em diversas esferas da sociedade e que precisa ser olhado com mais atenção tanto no âmbito familiar, quanto na educação e no poder público. Segundo dados do balanço de denúncias colhidas pelo Disque 100, que é um canal brasileiro criado para relatar casos de violação de direitos humanos, entre 2012 e 2016, o Brasil somou cerca de 175 mil casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. Isso representa uma média de quatro casos relatados por hora no país.
Só em 2018, em Passo Fundo, cerca de 110 casos estão sendo acompanhados junto à SEMCAS – Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social, que chegam a receber do Ministério Público, do Conselho Tutelar e das próprias delegacias o encaminhamento de uma média de cinco novos casos por semana. Dados alarmantes reforçam a necessidade de buscar formas de combate e prevenção à esse problema, uma vez que o Brasil está entre os primeiros no ranking internacional de casos que vitimam crianças e que deixam marcas permanentes na vida adulta.
Nesse sentido, o dia 18 de maio é marcado como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. “O dia de combate nacional à violência e à exploração sexual de crianças e adolescentes foi criado justamente porque muitos casos são complexos, difíceis de serem revelados, e muitas crianças passam por isso e não conseguem receber a ajuda necessária. Então a violência sexual, por mais que as pessoas pensem o contrário, ainda acontece de forma majoritária dentro da casa da vítima. O que se quer dizer com “dentro da casa da vítima”? Os estudos têm indicado que o agressor e a agressora sexual na maioria dos casos, cerca de 80% deles, são pessoas que as crianças conhecem e confiam: membros da família ou alguém que ela possua laços de afeto mesmo que não possuam laços consanguíneos. Então aquela pessoa que deveria cuidar da criança, na verdade utiliza esse papel de cuidado que deveria ter, para cometer violência sexual”, explica o professor da graduação e do Mestrado em Psicologia da IMED e Coordenador do Grupo de Pesquisa VIA REDES – Violência, Infância e Adolescência e atuação das redes de proteção e atendimento, Dr. Jean Von Hohendorff.
E qual a diferença que existe entre violência e exploração sexual? O professor Jean explica: “A exploração sexual é um tipo de violência sexual, mas ela se distingue porque tem um caráter mercantil por trás, ou seja, a criança ou o adolescente é explorado sexualmente quando recebe algo em troca à prática sexual. Esse “algo em troca” pode ser dinheiro, pode ser um item para sobrevivência, pode ser comida, e muitas vezes o que está por trás das situações de exploração sexual, que é o que chamamos de fator de risco, é uma extrema pobreza. Essas famílias não têm condições de se sustentar e não tem acesso aos itens básicos de sobrevivência, e um dos meios que acaba encontrando para subsistir é agenciando a criança. Esse agenciador pode ser tanto um membro da família, como alguém de fora da família”, comenta.
Sendo assim, a melhor maneira de prevenir esse tipo de situação é levando diversos tipos de informações à sociedade como um todo. “A estratégia mais simples que se pode ter é que a criança saiba que qualquer pessoa que faça algo com ela, que ela se sinta desconfortável e que solicite o seu segredo, é necessário que se procure ajuda. A criança precisa saber que ela pode contar com as pessoas com as quais ela convive, e que pode relatar o que está acontecendo a essas pessoas, que elas não terão um pudor ou pré-julgamento. Então, quanto mais se falar sobre casos de violência sexual, sexualidade, educação de gênero, machismo e demais tipos de violência, de uma maneira que tanto crianças, pais e professores entendam, mais as pessoas estarão aptas para identificar esse tipo de situação e, consequentemente, haverá uma forma de prevenção mais eficaz”, aponta Jean.
Além disso, existe na legislação brasileira o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que tem por objetivo de assegurar todos os direitos fundamentais da criança. “A criança tem que saber quais são os seus direitos para quando alguém ameaçar violar esses direitos, ela saiba o que fazer”, frisa o professor e pesquisador.
Rede de atendimento às vítimas
Tanto no Brasil quanto no Rio Grande do Sul, existem vários serviços gratuitos para amparar as vítimas nesses casos. O principal deles é o Conselho Tutelar, que é quem recebe as notificações dos casos denunciados. O professor Jean esclarece que ainda no âmbito do Sistema Único de Assistência Social e do Sistema Único de Saúde, existem outros órgãos que trabalham de forma articulada para promover e garantir a proteção dessas crianças e do seu bem-estar, tais como os Centros de Referência Especializada em Assistência Social, os Centros de Atenção Psicossocial, sendo que em Passo Fundo, existe a SEMCAS – Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social, que possui uma parceria com a IMED para desenvolver estudos nessa área.
Grupo de Pesquisa Via Redes
Vinculado a graduação e ao Mestrado em Psicologia da IMED, existe o Grupo de Pesquisa Via Redes - Violência, Infância e Adolescência e atuação das redes de proteção e atendimento. Ele tem o intuito de tentar entender de forma mais aprofundada como as situações de violência de crianças e adolescentes, especialmente a sexual, acontecem.
Todos os estudos desenvolvidos no Via Redes, além de possuírem um caráter científico, possuem um caráter social no sentido de colaborar no aperfeiçoamento das atuações das redes de proteção e atendimento às vítimas. Entre esses estudos é destaque a pesquisa do mestrando Lucas Anjos, sobre a notificação de casos de violência sexual.
“O estudo que venho desenvolvendo, orientado pelo professor Jean, intitula-se “Entre o sucesso e o fracasso: a realização de notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes”. Vem sendo realizadas entrevistas com Conselheiros Tutelares que trabalham diretamente com tal temática e com notificações desses casos e pode-se perceber, nesse momento, o quão difícil é abordar o tema da violência sexual na sociedade, um tema ainda tabu; o quanto existem uma gama de casos que calam-se no anonimato, não sendo notificados e o quanto existe confusão entre notificação e denuncia”, alerta Lucas.