Setores começam a sentir impactos da paralisação

Há previsão de falta de combustíveis em postos e de alimentos perecíveis em supermercados nos próximos dias. Indústrias interromperam as atividades e suspenderam o recebimento de produtos

Por
· 5 min de leitura
Em Soledade, caminhoneiros se aglomeram às margens da BR 386Em Soledade, caminhoneiros se aglomeram às margens da BR 386
Em Soledade, caminhoneiros se aglomeram às margens da BR 386
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

O terceiro dia de protestos dos caminhoneiros já começa a provocar reflexos nos postos de combustíveis de Passo Fundo. Com os caminhões-tanque parados nos pontos de bloqueios, os estabelecimentos não estão recebendo o produto. Se a situação for mantida, a previsão é de que, a partir desta quinta-feira (24), diversos postos fiquem sem gasolina e óleo diesel. Durante toda a quarta-feira, os motoristas formaram filas em vários postos para garantir o abastecimento. Em um deles, na Rua Fagundes dos Reis, o movimento havia triplicado até o início da tarde. Segundo funcionários, a reserva é suficiente para apenas mais dois dias.


Em outros estabelecimentos a situação era ainda mais preocupante. “Tenho o produto para, no máximo, até amanhã (hoje). A procura aqui aumentou uns 15%”, disse o funcionário. O quadro era o mesmo pelo menos mais quatro postos consultados pela reportagem. Em outros dois, o abastecimento estava normalizado. Já o posto Latina, na Rua Fagundes dos Reis, vila Fátima, teve de fechar ontem por falta de combustível.
A cadeia produtiva também começa a sentir os efeitos da manifestação. Na região do Alto Uruguai, a maioria das empresas suspendeu ontem (23) o recolhimento do leite. O coordenador do Sindicato Unificado dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Alto Uruguai (Sutraf-AU), Douglas Cenci, explica que, de acordo com a legislação, os produtores podem armazenar o leite por até 48 horas depois de recolhido. Se houver necessidade de descartar leite, deverá acontecer a partir de sexta-feira, conforme ele.


O descarte representaria um prejuízo muito grande ao produtor, em especial neste momento de crise da categoria. “Nos últimos dois anos, em torno de 19 mil produtores abandonaram a produção de leite”, relembra Cenci. Apesar do prejuízo, a categoria da agricultura familiar apoia e entende a importância da paralisação dos caminhoneiros. “Nós também sofremos com a alta dos combustíveis. O governo tem que dar uma resposta rápido, antes que se tenham mais prejuízos. O leite que vai fora, por exemplo, deixa de ser industrializado, de pagar imposto e gerar dinheiro”, exemplifica.

 

Supermercados
Se a greve continuar, pode faltar comida nos supermercados. Os produtos que devem desaparecer das prateleiras primeiro são os perecíveis, como hortifrutigranjeiros, laticínios e carnes, de acordo com a Associação Gaúcha de Supermercados (Agas). Isso porque o abastecimento desses alimentos é realizado com frequência maior. A entidade esclareceu que os supermercados trabalham com um estoque que dura em média 15 dias para produtos não perecíveis. Logo, alimentos como feijão, arroz, massas, bolachas não devem faltar tão cedo.


O presidente do Sincogêneros de Passo Fundo, Ivan Manfroi, garante que os estabelecimentos ainda não registraram falta de produtos na cidade e que as prateleiras não devem ficar desabastecidas pelos próximos dias. Porém, se a greve se alongar, a partir do fim de semana, os mercados devem começar a sentir.


A entidade se manifesta de maneira favorável à greve dos trabalhadores do setor dos transportes. Para Manfroi, o aumento de preços nos combustíveis, uma tentativa do governo de tapar furos e tentar trazer lucros para a Petrobras, não é viável e acaba impactando no bolso do consumidor final. “Esperamos que até na próxima semana se tenha uma resposta positiva do governo e resolva essa situação que não é favorável para ninguém”, disse o presidente da entidade.


Manfroi salienta que não há motivo para pânico. “As pessoas não precisam se preocupar e correr aos supermercados, porque não deverão faltar alimentos e outros produtos pelos próximos dias. Nós trabalhamos com estoque e deve ser suficiente até a próxima semana”, pontuou.
Ceasa
A Central de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa) anunciou que a greve afetou fortemente a comercialização de hortifrutigranjeiros. “O desabastecimento no setor atacadista chegou a níveis alarmantes nesta quarta-feira (23). O setor dos produtores deverá sofrer amanhã, dia de grande movimento, um desabastecimento significativo, podendo deixar Porto Alegre e a região metropolitana sem produtos”, disse, em nota.


Correios
A paralisação atinge também as postagens nos Correios. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos suspendeu temporariamente as postagens das encomendas com dia e hora marcados (Sedex 10, 12 e Hoje). Em comunicado, os Correios informaram que a paralisação também tem gerado "forte impacto" e atrasos nas operações da empresa em todo o país. “Tendo em vista comprometer a distribuição, também haverá o acréscimo de dias no prazo de entrega dos serviços Sedex e PAC [entrega não expressa], bem como das correspondências enquanto perdurarem os efeitos desta greve”, diz o texto.


No mesmo documento, os Correios informam que “toda a logística brasileira” sofre prejuízos em decorrência da paralisação dos caminhoneiros, iniciada na segunda-feira (21). A operação dos Correios envolve mais de 25 mil veículos, 1.500 linhas terrestres e 11 linhas aéreas de norte a sul do país. A empresa entrega mensalmente cerca de meio bilhão de objetos postais, entre eles 25 milhões de encomendas. “Os Correios estão acompanhando os índices operacionais de qualidade de toda essa cadeia logística e, tão logo a situação do tráfego nas rodovias retorne à normalidade, a empresa reforçará os processos operacionais para minimizar os impactos à população”, acrescenta a nota.

 

Indústrias param
A Aurora Alimentos anunciou a suspensão total das atividades nas 15 indústrias de processamento de aves e suínos que detém nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul nos dias 24 e 25 de maio. Cerca de oito mil produtores rurais terão que adotar regime de restrição alimentar aos plantéis de aves, suínos e bovinos e 28 mil trabalhadores diretos foram dispensados temporariamente do trabalho. Em nota, a cooperativa informou que a medida é consequência da greve que atinge o setor de transportes nas regiões onde estão instaladas as suas unidades produtivas.


“A suspensão total das atividades tornou-se imperativa e inevitável em razão dos efeitos do movimento grevista que impede a passagem dos caminhões que transportam todos os insumos necessários ao funcionamento das indústrias e, também, o escoamento dos produtos acabados para os portos e os centros de consumo. A capacidade de estocagem de produtos frigorificados – de 50 mil toneladas – está exaurida”, diz a nota.


A Aurora alega prejuízo de R$ 50 milhões para toda a cadeia produtiva. A cooperativa alerta que “a escassez ou falta de rações prejudicará de forma insidiosa o desenvolvimento de um plantel de 32 milhões de frangos e 1,2 milhão suínos porque, quando o movimento dos caminheiros cessar, os prejuízos continuarão se manifestando nesses ativos biológicos malnutridos”. Em torno de dois milhões de aves e 40 mil suínos deixarão de ser processados apenas nesses dois dias. Além disso, 300 caminhões câmaras-frias/dia, 200 caminhões com cargas vivas/dia e 120 caminhões de ração/dia deixarão de circular.


A cooperativa enfatiza que as famílias rurais são as mais prejudicadas porque o movimento grevista impede o fornecimento de ração, pintinhos, material genético, remédios etc. aos milhares de produtores rurais, colocando em risco imensos planteis de aves, suínos e bovinos. Ao mesmo tempo, impede a retirada da produção agrícola e pecuária. “Sem fazer qualquer julgamento sobre a legitimidade ou a legalidade da greve, a Aurora Alimentos adverte para o sofrimento e as perdas que estão sendo impostas a milhares de famílias rurais, trabalhadores urbanos, micro e pequenas empresas da cadeia produtiva e ao sistema cooperativista”, afirma a empresa.

Gostou? Compartilhe